
Encravada na região montanhosa de Asir, no Sul da Arábia Saudita, bem perto da fronteira com o Iémen, a aldeia histórica de Rijal Almaa é uma preciosidade visual.
A aldeia de xisto foi, em tempos, um ponto nevrálgico das rotas comerciais da região, e as influências iemenitas são evidentes. Desde logo, na arquitetura. Esse facto é imediatamente visível ao olhar para as seis dezenas de casas de Rijal Almaa – ou fortes, como os habitantes locais lhes preferem chamar -, integralmente construídas da forma tradicional, com recurso a pedra, barro e madeira.
Por tudo isso, e à boleia de um projeto de renovação urbana que vai refrescando a cara da aldeia, Rijal Almaa almeja integrar, num futuro próximo, a lista de Património UNESCO na Arábia Saudita.
Por vezes fico sem palavras perante a beleza que se desnuda diante dos meus olhos; e foi exatamente o que aconteceu em Rijal Almaa.
Visitar Rijal Almaa: a minha experiência
Sabia que a estrada que une Abha a Rijal Almaa era extremamente sinuosa; mas não estava a contar com o declive estratosférico da mesma. É uma viagem, digamos, emocionante.
Quando, depois de curvas e contracurvas apertadíssimas, cheguei por fim a Rijal Almaa, era hora de almoço e não havia ninguém no guichet à entrada da aldeia, curiosamente disposta como se de um anfiteatro se tratasse. Mas a vontade de explorar falou mais alto e, sem pensar muito no assunto, entrei.
A luz estava péssima, mas a emoção de cirandar entre os belos edifícios – alguns dos quais decrépitos, outros lindamente recuperados – falou mais alto. Foi o meu primeiro contacto com Rijal Almaa.
Entrei no museu principal, gerido pela comunidade local, e onde se procura proteger as peculiaridades de Rijal Almaa do esquecimento trazido pelo progresso. O projeto museológico é muito rudimentar, quase sem traduções, pelo que é impossível tirar o máximo partido dos ensinamentos ali transmitidos. Ainda assim, há um atrativo extra, tatuado nas paredes: vários exemplos de pinturas Qut, um estilo tradicional, geométrico e decorativo exclusivo da região.
As pinturas alegres e coloridas, em tons vivos, da responsabilidade das mulheres locais – em Rijal Almaa, os homens construíam os palácios, e as mulheres decoravam as paredes interiores – não eram muito diferentes das que tinha visto em Al-Bastah, o bairro histórico de Abha.
Quando a fome apertou, após algum tempo a explorar a aldeia (que, na verdade, é muito pequena), indaguei junto de um trabalhador local sobre restaurantes na área. Não havia. Mas bastou voltar atrás alguns quilómetros para saborear uma deliciosa refeição com mão paquistanesa.
De regresso, comecei por conduzir até um ponto com vista privilegiada sobre Rijal Almaa, antes de me voltar a deixar enfeitiçar por aquela a quem muitos chamam de “gingerbread village“. Logo a seguir, um momento verdadeiramente inesperado.
Assim que cheguei ao guichet para comprar o ingresso na aldeia, fiquei hipnotizado pelos olhos de Fadya. Estava acompanhada da irmã e das suas filhas pequenas.
Para mim, foi uma oportunidade de ouro para interagir com uma mulher saudita. Mostrei-lhe uma foto da minha filha, tentámos conversar sem nos entendermos, até que senti que era possível.
Pedi-lhe gentilmente uma fotografia, hipnotizado pela maresia no seu olhar. Não deveria ter perguntado, bem sei, mas por uma vez decidi arriscar a indelicadeza social. Fadya pareceu lisonjeada, os olhos-mar sorriram ainda mais, mas disse naturalmente que não; até que a sua irmã intercedeu, insistiu e convenceu-a a aceitar.
Foi assim que surgiu uma rara oportunidade de fotografar, olhos nos olhos e sem subterfúgios, o olhar sorridente de uma mulher saudita escondido atrás do seu niqab. Uma foto consentida, não roubada, e isso deixa-me especialmente feliz. Partilho-a sem julgamentos, porque um olhar é um olhar, porventura a mais pura forma de comunicação. Creio que os meus olhos-terra brilharam de volta.
Reentrei em Rijal Almaa em êxtase total.
Nota: Fadya pediu-me que lhe enviasse a foto por WhatsApp, trocámos números… e cumpri a promessa uma vez chegado a casa. “Thank you. Beautiful”, respondeu, acompanhado de uma rosa.
As casas de Rijal Almaa
As horas seguintes foram passadas a visitar novamente Rijal Almaa, que ia ficando cada vez mais bela à medida que as cores quentes do entardecer iluminavam a aldeia. Repeti casas, pátios e ruelas, mas aproveitei também para falar com os muitos iemenitas que ali trabalham. Foi o caso de Mahmoud.
Sendo dia de semana e época baixa (os sauditas visitam as montanhas no verão, para fugir ao calor), Rijal Almaa estava praticamente deserta e Mahmoud tinha poucos turistas a quem cortar o bilhete para o museu. Sorte a minha, apesar da notória barreira linguística, que só o tradutor do Google ajudou a minorar.
Quando referi a minha vontade de um dia visitar o Iémen, mais do que uma vez o meu interlocutor iemenita colocou os dedos na garganta, simulando degolá-la. Que é como quem diz, “agora é perigoso”.
De novo com a atenção virada para as fachadas cada vez mais quentes, voltei a pegar na máquina fotográfica. Porque a aldeia é linda, incrivelmente linda e fotogénica. Ora veja:
Fiquei horas a namorar Rijal Almaa, até que achei por bem regressar a Abha. Foi quando nova surpresa aconteceu. Nevoeiro!
O regresso a Abha
Enquanto atravessava a estrada íngreme e sinuosa de regresso a Abha, um denso nevoeiro abateu-se sobre o vale. Inicialmente, nada se via, até que passei a altitude das nuvens e encontrei-me como que a flutuar em algodão-doce.
Parei o carro e fiquei a contemplar as brincadeiras das nuvens com a estrada, ora cobrindo-a integralmente, ora insinuando uma curva. Um espetáculo inesquecível.
Rijal Almaa haveria de estar no fundo da estrada, impercetível. Mas ficará para sempre bem visível num cantinho especial do baú de memórias das minhas viagens. Até porque “o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”.
Guia prático
Como chegar
Varias companhias aéreas voam de Riade ou Jeddah para Abha; mas, a partir de Abha, a única maneira de chegar a Rijal Almaa de forma independente é de carro alugado (ou num táxi com motorista).
Note que, se alugar carro em Abha, nem todas as rent-a-car aceitam licenças de condução não sauditas. Entre as que aceitam, contam-se a Budget e a Al Wefaq; pela minha experiência, a Budget oferece melhores condições (fica a 9km do aeroporto).
Dito isto, Rijal Almaa dista 45 quilómetros de Abha, boa parte percorrendo uma estrada de montanha muito íngreme e curvilínea. Vá sem pressas e desfrute.
Nota: é preciso pagar para entrar na aldeia de Rijal Almaa (20 SAR). O ingresso dá acesso aos museus no interior.
Onde ficar
Não há alojamento na parte histórica de Rijal Almaa, apesar de ter visto alguns em construção nas colinas envolventes. Dito isto, pelo menos por enquanto, o mais aconselhável é ficar hospedado em Abha.
Eu fiquei num hotel que não recomendo, pelo que não o vou referir. Melhores alternativas são o Manazel Aldana e o Azd Hotel – este último de maior qualidade mas mais caro.
Note que vários hotéis de Abha apenas aceitam hospedar famílias (o que exclui homens sozinhos).
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Tinha a ideia de que este local estava demasiado artificial e maquilhado para o meu gosto e estas fotos reforçaram a minha ideia… agora aqueles olhos azuis são uma história fenomenal… onde será que ela foi buscar este DNA…. ?