Tenho andado a pensar nisto de ser blogger de viagens e queria partilhar convosco o que me vai na alma. Porque nem sempre gosto daquilo em que nos estamos a tornar…
Quando comecei o Alma de Viajante, algures em 2001, fui pioneiro em Portugal. Não havia praticamente nada sobre viagens em português e as minhas referências digitais – os locais onde busquei inspiração – eram todas de viajantes ou jornalistas anglo-saxónicos (como o saudoso Vagabonding, de 2003).
Por essa altura, viajava “livremente”, vivia intensamente as experiências no terreno sem constrangimentos editoriais, e o computador portátil que eu levava para escrever e descarregar as fotografias fazia de mim um alien nos espaços comuns dos hostels onde dormia por esse mundo fora.
É verdade. Quando fiz a minha primeira volta ao mundo ninguém viajava com portáteis nas mochilas. Eram pesados, e praticamente não havia blogs de viagens. Até o wi-fi era praticamente inexistente em restaurantes e hotéis, e só alguns hostels mais modernos tinham já um computador comunitário ligado à internet.
Na prática, duas ou três vezes por semana tinha de procurar um cibercafé para enviar os textos e as fotos em alta resolução para a revista Fugas, atualizar o blog e fazer esporadicamente upload de um álbum de fotos. Estávamos em 2004 e tudo era novidade. Para mim e para as duas ou três centenas de pessoas que, diariamente, acediam ao blog para comentar um post ou na esperança de encontrar um novo álbum de fotos ou texto inédito (não havia Facebook, nem twitter, nem Google +, nem Instagram, nem Pinterest, nem bloglovin, nem emails automáticos e ferramentas que tais para avisar das novidades). E as coisas eram feitas sem imediatismo.
E, na ausência de Skype ou Facetime, o blog servia para manter família e amigos a par do que ia fazendo e, não menos importante, receber palavras calorosas, de incentivo, coisa tão importante para manter a moral em alta quando nos afastamos dos nossos por meses ou anos.
Mas não se ganhava dinheiro com blogs.
E o foco da viagem era o ato de viajar propriamente dito, não o de relatar. Sim, para além do dinheiro que recebia pelo trabalho semanal enviado para o jornal – e que me ajudava a pagar as contas da viagem -, o meu objetivo era, simplesmente, viajar.
Nessa época, nunca condicionei as minhas experiências em função do que tinha de escrever. O pensamento era exatamente o oposto desse: vivia as experiências, fossem elas quais fossem, chegava ao fim da semana e sentava-me a pensar no que tinha acontecido de mais relevante durante esses dias, e escrevia a crónica. Simples. Partilhava a viagem como ela era.
Hoje, parece-me que tudo está diferente.
Muito mais gente viaja (o que é bom) e há milhares de blogs de viagem em Português (o que também é excelente).
O problema é que, hoje em dia, o ato de partilhar parece ter tanta ou mais relevância do que o próprio ato de vivenciar, de conviver, de experimentar. Por vezes, a obrigação de registar tudo e mais alguma coisa em fotos ou vídeos, para depois partilhar, interfere até com a própria experiência. Outras, o viajante torna-se ele próprio o foco do blog – não os destinos, as pessoas ou as culturas que visita. E ambas as coisas não me parecem positivas.
When you ask a person to repeat something, you’re no longer documenting what’s real. You’re making your subject act – Rick Gershon, MediaStorm
Eu próprio sinto-me apanhado nesta voracidade informativa. Viajo de forma diferente. Faço atividades em viagem que não faria se não tivesse blogs ou redes sociais que é preciso alimentar.
E então penso:
Que bom seria se todos deixássemos as crianças do mundo inteiro sossegadas, sem máquinas fotográficas intimidatórias apontadas a um metro de distância.
Que bom seria se todos tentássemos comunicar com o chefe de uma aldeia africana em vez de tirar uma selfie com ele.
Que bom seria se desfrutássemos de refeições deliciosas sem as instagramar.
Que bom seria se todos ouvíssemos um espetáculo de rua dançando e olhando o músico na cara, e não através do ecrã de um tablet ou smartphone.
Que bom seria se ninguém encenasse algo para parecer espontâneo, só porque o filme não ficou bom ou a câmara não estava pronta.
Que bom seria que todos voltássemos a viajar para crescermos e nos redescobrirmos, não para contar que crescemos e nos redescobrimos.
Percebem a ideia?
Por vezes penso o quão bom seria que todos – eu, principalmente! – voltássemos a viajar sem máquina fotográfica, sem computador portátil nem smartphones, e sem a obrigação de relatar as experiências quase em direto.
Viajar pelo prazer de viajar. De vivenciar experiências novas. Ir, apenas ir. Com os sentidos despertos e um Moleskine em branco. Inspirado, quem sabe, pelas pisadas de Paul Theroux África abaixo. Ou outros. Mas ir, simplesmente. Guardar tudo na memória, no coração, no papel. Quem sabe desenhar em vez de fotografar. E talvez escrever um livro, muito depois de regressar. Ou não fazer nada além de guardar as memórias para todo o sempre.
Não sendo possível, ao menos que tenhamos consciência de que os nossos atos na busca da melhor fotografia, da melhor “história” interferem com a vida das pessoas, e são por vezes uma violência desnecessária e uma falta de respeito. Isso, respeitar – as gentes, os costumes, o património. Coisas como esta são inadmissíveis!
Viajemos, pois, mas de forma ética e responsável. Respeitemos as pessoas, os lugares, as culturas. E deixemos de fotografar, de filmar e de partilhar sempre que outros valores estejam em causa. Porque há valores mais importantes que um like, um click ou uma pageview.
Tenho andado a pensar nisto de ser blogger de viagens. Em como posso ser um melhor viajante, e inspirar outros a fazerem o mesmo. Talvez esteja a ficar velho.
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