Langtang fica apenas a um dia de viagem de Katmandu, a capital do Nepal, e materializa algumas das mais belas paisagens dos Himalaias. De caminho, encontramos aldeias de outros tempos povoadas por etnias hospitaleiras. Relato de uma viagem ao vale do Langtang.
Vale do Langtang, o apelo da montanha
O nome Langtang significa “seguir o iaque”, porque as primeiras pessoas que percorreram o vale faziam isso mesmo, num percurso de pastoreio ou atrás de alguns animais extraviados. No Inverno, a neve faz os iaques permanecerem a meio do vale, onde podem encontrar pasto, mas nós podemos prosseguir ao longo da cordilheira do Langtang Himal, até ficarmos cercados por algumas das mais belas montanhas do mundo, na aldeia de Kyangjing Gompa. Preservada pela criação, em 1971, do Parque Natural do Langtang, o mais antigo do país, a zona continua a ser bem menos popular que as regiões do Evereste e dos Annapurna, mas nem por isso menos atraente.
São oito horas de viagem, de Katmandu a Dunche, a última aldeia onde chega a estrada. Na rua principal, não faltam cartazes que anunciam pensões (“lodges”) e restaurantes, tudo básico mas confortável, com tarimba para estender o saco-cama e menu em inglês, com panquecas e flocos de aveia. O vale do Langtang alcança-se no dia seguinte, depois da aldeia Tamang de Barkhu. Só na zona mais baixa do parque é que encontramos esta etnia das montanhas nepalesas; o seu nome indica que teriam sido “mercadores de cavalos”, mas agora vivem da pastorícia e da agricultura de subsistência que a altitude permite. Quanto mais subimos, mais entramos na área onde vivem os Sherpas, já próximos da fronteira com o Tibete.
Subimos, então, pelo lado esquerdo do vale, passando as aldeias de Khangjung e Sherpagaon. As casas são de pedra, com escadas, caixilharia e telhados de madeira. Pelas ruas, que não são mais que o trilho único que leva ao fim do vale, podemos assistir à vida simples que se leva nestas paragens: miúdos acartam molhos de lenha para os fogões de casa, mulheres fiam e tecem, homens espalham grãos a secar, trazem os animais, tratam dos campos. Ninguém está desocupado, a não ser alguns dos magníficos mastins tibetanos, pretos e corpulentos, que as famílias gostam de manter. A estrada desapareceu há muito e tudo tem de ser transportado às costas: madeira dos bosques, comida, utensílios, e até cerveja, destinada a ser vendida aos caminhantes estrangeiros que por aqui aparecem.
Ficámos em casas de famílias que têm sempre uma divisão para oferecer a quantos passam, fazendo assim algum dinheiro extra. Chegámos mesmo a dormir numa cozinha fumarenta, o lugar mais quentinho da casa, juntamente com a sua dona, uma simpática Sherpa com o típico vestido cinzento e avental de riscas garridas da sua etnia, igualzinho ao das tibetanas. De facto, Sher Pa, significa “gente do Leste” – o Tibete -, de onde chegaram há mais de cinco séculos, juntando-se à grande lista de etnias da alta-montanha nepalesa. Baixos e secos, já nascem adaptados à altitude e, mesmo de chinelos de meter o dedo e cargas superiores a quarenta quilos, passam por nós a sorrir e nunca mais os tornamos a apanhar!
O caminho, diga-se, nem é difícil. Embora suba quase permanentemente, fá-lo devagar e quase sem ladeiras íngremes, sempre ao longo do rio. Passamos aldeias, pastos com iaques e zopkos (um cruzamento de iaque e vaca), bosques sombrios, e algumas pontes improvisadas com toros. Antes de cada aldeia, muros de manis, moinhos e bandeiras de oração, mostram-nos que já estamos em pleno território budista. A paisagem torna-se cada vez mais impressionante e o vale toma dimensões irreais, com as paredes altíssimas das montanhas muito próximas de nós, cobertas de neve e recortadas num céu azul índigo.
O conforto do Lama Hotel é exemplar: ao lado dos estrados de madeira onde podemos dormir há um fogo aceso para cozinhar e aquecer o ambiente e, cá fora, um biombo de palha permite-nos uma lavagem rápida na torrente gelada do rio. Chegamos à aldeia de Langtang asseados e esfomeados. Apresentaram-nos nan, um excelente pão achatado, omoletas, batatas cozidas com casca e chá com leite em pó – um banquete! O Inverno está no auge, e há já dois dias que caminhamos sobre a neve. Três horas mais acima atingimos Kyangjing Gompa, que, como o nome indica, tem o seu próprio mosteiro (gompa), e é a última aldeia do vale, a 3.850 metros de altitude. Do mosteiro, uma casa de pedra como as outras mas rodeada por uma quantidade excepcional de bandeiras de oração, saem cânticos cadenciados por um gongo. O monte Lirung, com 7.245 metros, parece ao alcance da nossa mão. Pelo seu flanco escorrega, lentamente, um glaciar silencioso. A altitude, associada à brancura da paisagem banhada pelo sol, transmite uma paz como não existe lá em baixo, no mundo real. Ficamos por aqui, passeando entre a meia dúzia de casas da aldeia, cumprimentando o único monge que habita o mosteiro, levando sopas de alho a um alemão com quem partilhamos a camarata, e que sofre de mal da montanha.
Por fim, despedimo-nos do cimo do Kyangjing Ri. Trepámos devagar, a corta-mato e com neve até às coxas, em direcção ao cume, onde uma bandeira de oração nos garantia que era possível chegar. E só aí tivemos uma visão perfeita do vale, transformado num corredor escuro, debruado pelos cumes brancos das montanhas. A aldeia, meia dúzia de pontos lá no fundo rodeados pelos riscos finos dos muros de pedra, perdia-se na neve. Tudo em redor era um deserto de gelo, de formas magníficas esculpidas por um vento intolerável, que nos zumbia nas orelhas. Dava vontade de abrir as asas e planar sobre o vale, procurando um sítio aquecido pelo sol onde pudéssemos apreciar a paisagem arrebatadora dos Himalaias. Mas não; tivemos de descer pelo nosso pé, com a satisfação plena de ter respondido a um dos apelos mais sublimes – o da montanha.
Os caminhos de Buda
O Nepal é o único país do mundo cuja religião oficial é o hinduísmo. No entanto, o budismo é também muito popular, sobretudo entre as etnias das montanhas, originárias do Tibete; os Sherpas são, talvez, o exemplo mais conhecido.
No Langtang, tal como em outros lugares, é comum encontrar muros com pedras gravadas – as manis -, anunciando a proximidade de mosteiros ou áreas habitadas. Geralmente são esculpidas com imagens e mantras, as fórmulas sagradas do budismo. A mais frequente é a vibração primordial, que está na origem do universo, o OM. Muitas vezes aparece o mantra completo – OM MANI PADME HUM -, cuja tradução simplificada seria “a perfeição está na flor do lótus”, mas cujo significado é muito mais profundo. Para respeitar quem por ali vive, devemos contornar estes muros de manis pelo lado esquerdo, oferecendo sempre o nosso lado direito a todo o símbolo sagrado que apareça no nosso caminho. Muitas vezes, as manis encontram-se dispostas junto a stupas, construções de forma cónica ou piramidal que encerram relíquias.
Outra presença vulgar em território de Buda é a dos mastros com bandeiras de oração de várias cores, que esvoaçam ao vento espalhando os mantras pelo mundo; raro é o cume onde estes símbolos religiosos não apareçam. Igualmente comuns são os moinhos de oração, cilindros metálicos que os locais fazem rodar, “activando” os mantras escritos em papéis que se encontram no seu interior. Antes de uma das aldeias do vale, os habitantes conseguiram um interessante compromisso: colocaram uma fiada de moinhos de oração junto a um riacho, onde a força da água os faz mover numa oração permanente.
O mal do trekking
Chama-se trekking à caminhada por caminhos ou trilhos já existentes, embora rudimentares. O Nepal é, por excelência, o país do trekking, uma vez que o seu relevo dificilmente permite a abertura de estradas. Assim, a maioria dos seus habitantes, para fazer compras, visitar alguém, ou apanhar o autocarro para Katmandu, tem que fazer trekkings de horas ou dias. Claro que não lhe chamam assim e acham muito curioso que alguém se desloque ali só para caminhar entre as aldeias.
Não é necessária experiência prévia ou uma excelente forma física para caminhar, apenas algum hábito de caminhar e um pouco de cuidado para não torcer um pé a vários dias de distância do último lugar habitado. Vendo as coisas pelo lado bom, temos muito menos hipóteses de torcer aqui um pé do que de ser atropelados em Portugal – coisa que, por outro lado, também não nos vai acontecer nos Himalaias. Quanto à comida, cada um tem as suas sensibilidades. É de bom senso preferir tudo cozinhado de fresco e recusar tudo o que seja cru ou não se possa descascar. Aliás, quem quiser fruta terá mesmo que a levar de Katmandu, que por aqui só mesmo cevada, aveia e batata. A respeito da baixela, o produto de limpeza usado é a água, nem sempre corrente, mas sempre abundante. E se a não quisermos beber temperada com casco de iaque, é melhor purificá-la primeiro com comprimidos de cloro.
O problema mais grave é o Mal da Montanha, ou Mal da Altitude. Também aqui, cada um tem as suas fraquezas e não adianta ser o melhor no ginásio lá da terra; a forma e resistência físicas não ajudam, e ter experiência anterior em altitude também não. O problema pode aparecer depois dos 3.000 metros, e quanto mais se sobe mais aumentam as probabilidades de chegarem as dores de cabeça, náuseas e tonturas. Já há medicamentos, mas o mais seguro e definitivo é descer um mínimo de 300 metros. Também é normal que os sintomas desapareçam por si, após algumas horas de habituação à nova altitude. Caso contrário, é mesmo obrigatório descer, a menos que já não se pretenda fazê-lo pelo nosso pé.
Todos os males contados, diga-se que o percurso do vale do Langtang não é nada perigoso: é um trekking relativamente curto (4 a 8 dias), a subida é fácil e progressiva, e a altitude máxima, em Kyangjing Gompa, não ultrapassa os 3.850 metros.
Dicas para visitar o vale de Langtang
Este é um guia prático para viagens ao vale de Langtang, no Nepal, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região.
Como chegar
Voar para Katmandu. O visto é vendido à chegada ao aeroporto, e é válido para 60 dias (leve fotos tipo passe). Depois terá de apanhar a camioneta para Dunche, no terminal Norte, que parte por volta das 7 da manhã. Chega-se ao fim da tarde e, na manhã seguinte, é só perguntar a direcção e começar a caminhar. Na entrada do Parque Nacional, paga-se também uma taxa de entrada.
Onde ficar
Em Katmandu recomendo sempre o Annapurna Lodge, junto a Durbar Square, longe da confusão da zona turística do Thamel. Também é uma zona com bons restaurantes, incluindo o do próprio hotel. No Langtang, para além das placas a dizer lodge, há sempre gente que nos pergunta se já temos onde dormir. É só escolher o sítio mais simpático para estender o saco-cama.
O que visitar
Entre as fabulosas paisagens e a experiência sensibilizante que é partilhar alguns dias na vida dos povos das montanhas, é difícil escolher o que tem de melhor o Langtang. Quanto a Katmandu, é suja, confusa e… irresistível. Não declinarei aqui a quantidade excessiva de templos e obras de arte que tem para mostrar – qualquer guia de viagem o faz.
O que comprar
No vale do Langtang estamos a salvo das compras. Mas em Katmandu… impossível enumerar as jóias, os tapetes, os tecidos estampados, bordados, a roupa, as peças de decoração, os produtos em papel de arroz, o queijo de nak (fêmea do iaque), os livros, os incensos, as especiarias, etc.
Onde comer
Os lugares que escolhemos para dormir também esperam que façamos aí as refeições. Os locais que oferecem comida costumam estar assinalados com a palavra “hotel” (!). Geralmente têm todos o mesmo menu em inglês, mas só existem alguns dos pratos propostos. Alegrem-se os vegetarianos: a carne aparece pouco por ali. A ementa costuma compreender lentilhas e arroz (o dhalbat típico nepalês), pão e alguns legumes. Também há batatas, panquecas, leite (em pó) – enfim, fome não se passa, mas pizzas e gelados só em Katmandu. Aí sim, todas as cozinhas estão representadas, abundam os croissants e todas as variedades de pão alemão!
Duração do trekking
O mínimo serão três dias para subir e dois para descer. Aconselhamos, pelo menos, um dia extra em Kyangjing Gompa, para subir a um dos montes próximos, e regressar por Syabru (à esquerda, do outro lado do rio, quando descer de Lama Hotel), só para não repetir o caminho todo e ver mais uma magnífica aldeia de aspecto medieval. Oito a nove dias seria o ideal para uma caminhada pausada.
Informações úteis
O Nepal situa-se quase por inteiro nas montanhas dos Himalaias, entalado entre o Tibete (ocupado pela China) e a Índia. A língua oficial é o nepalês, muito próximo do hindi. Como país turístico que é, a maior parte das pessoas também comunica, ou pelo menos compreende o inglês. A moeda oficial é a rupia nepalesa, sendo que um euro vale, ao câmbio actual, cerca de 110 rupias.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Deixe uma resposta