Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Dakar pela mão da Rosa Silva. A Rosa tem 37 anos, é responsável do Programa Lusófono da ANCEFA, alimenta um blog chamado Viajar Palavras e está a viver em Dakar há 15 meses. Desafiei-a a partilhar connosco as suas experiências na capital do Senegal, bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Dakar e conhecer um pouco melhor a cidade.
É um olhar diferente e mais rico sobre Dakar – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da cidade senegalesa, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 41º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.
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Em Dakar com a Rosa Silva (entrevista)
- 1.1 Define Dakar numa palavra.
- 1.2 Dakar é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
- 1.3 E o que mais te marcou em Dakar?
- 1.4 Como caracterizas os senegaleses?
- 1.5 Como é um dia “normal” em Dakar?
- 1.6 Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Dakar sem…”
- 1.7 Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Dakar. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
- 1.8 Tens algumas dicas para poupar dinheiro em Dakar?
- 1.9 Sou grande apreciador da gastronomia em viagem. Na tua opinião, que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Dakar?
- 1.10 Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
- 1.11 Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. No caso de Dakar, em que bairro nos aconselhas a procurar hotel?
- 1.12 Escolhe um café e um museu.
- 1.13 Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite em Dakar?
- 1.14 Tens alguma sugestão para quem pretender fazer compras em Dakar? O que comprar?
- 1.15 Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Dakar; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.
- 2 Guia prático
Em Dakar com a Rosa Silva (entrevista)
Define Dakar numa palavra.
Para mim Dakar é Babel, pelas três + uma* línguas que preenchem os meus dias, pela forma como gente de várias nacionalidades vive e convive, pela variedade inesperada de mundos, de moutons (carneiros), carroças de cavalos e carros que convivem alegremente nas ruas, imediatamente fora do centro.
* 3 = português, inglês e francês no escritório; + 1 = wolof na rua
Dakar é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
Antes de vir procurei algumas informações sobre a cidade e o “Portugueses pelo Mundo”, da RTP; tentei localizar o escritório no mapa e pouco mais. Isto porque não gosto de criar muitas expectativas sobre os sítios para onde vou. Gosto que sejam os sítios a revelar-se e a surpreender-me seja pela positiva ou pela negativa.
Já cá, percebi que a maior parte do que tinha visto era no centro e eu estou um pouco fora.
Apesar de já ter vivido e trabalhado noutros países de África e Ásia nunca me tinha apercebido de carneiros e carroças de cavalos nas capitais. Os carneiros são criados, basicamente, na rua e são sacrificados no Tabaski (celebra-se mais ou menos um mês depois do Korité, o fim do Ramadão), há também quem vá lavá-los à praia.
As carroças de cavalos servem para recolher lixo ou para transportar o que for preciso. Uns e outros são proibidos no centro de Dakar.
O que se tornou uma aventura foi encontrar casa. Não que não existam, mas porque os gostos e os preços nem sempre coincidem com o que se quer, especialmente quando se procura casa mobilada. Existem agências imobiliárias, mas normalmente recorre-se a um démarcheur, um agente imobiliário informal, a quem se tem de pagar o valor de uma renda.
Respondendo à pergunta, sim, Dakar é um bom sítio para viver, para quem gosta de (con)viver com outras culturas. É importante não esquecer que o Senegal é um país maioritariamente muçulmano e tal reflecte-se no dia-a-dia.
Em Dakar há tudo o que há em Portugal (não tanto carne de porco), mesmo que as marcas sejam outras, há praia e calor todo o ano. Está a três horas e meia de Lisboa, um pouco mais do Porto e mais ainda de Viana do Castelo, mas está perto porque há voos todos os dias, mesmo a tempo de um café e uma nata com canela de manhã cedo.
E o que mais te marcou em Dakar?
Escolho um momento: o Ramadão porque me fez pensar mais sobre mim e sobre o outro, sobre como lidar com as diferenças culturais sem deixar de ser quem sou.
Durante este período é de evitar comer na rua ou próximo de quem jejua, por isso, inevitavelmente, é preciso mudar pequenos hábitos para que ninguém se ofenda. É um período em que o semblante das pessoas muda e a vivacidade dos dias de trabalho diminui.
O chamamento para a mesquita ou as orações em qualquer lugar na rua foram uma novidade, que já não me acordam antes do despertador.
Como caracterizas os senegaleses?
Do Senegal diz-se que é o país da Téranga, que em wolof significa hospitalidade, bem receber. Os senegaleses são simpáticos, acolhedores, curiosos, criativos mas também negociantes natos.
À sexta-feira enchem as ruas com mais cores a caminho da mesquita.
A cultura e a religião influenciam a forma de estar, por isso é comum que à hora da oração se encontrem homens a rezar na rua (as mulheres rezam em locais mais recatados).
Quem tiver o privilégio de participar numa reunião de família notará que os papéis do homem e da mulher estão bem determinados, há espaços designados para ambos. No entanto, os convidados de longe são acolhidos como se fizessem parte da família.
Como é um dia “normal” em Dakar?
Um dia normal começa cedo no período de hivernage (período das chuvas), começa com sol. No período seco a noite vai desaparecendo pelas sete e meia da manhã, mas às vezes o sol só chega pelas nove e vai-se tornando mais quente com o correr do dia. A noite chega cedo depois das dezoito e trinta.
De manhã ou no final do dia há gente que caminha ou que corre na Corniche. No meio destes dois períodos há a corrida normal do trabalho e do trânsito e pode haver uma aula de yoga (ou de uma qualquer modalidade desportiva).
Os períodos do dia são marcados pelo chamamento para a oração. À sexta-feira, mais do que nos outros dias, por ser dia sagrado, as ruas das mesquitas enchem-se de gente. As lojas de bairro fecham e reabrem depois da primeira oração da tarde.
Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Dakar sem…”
- Sair de Dakar e conhecer a vida fora da capital.
- Partilhar o ritual da ataya (três pequenos copos de chá tradicional entre o doce e o amargo), enquanto aprende sobre a cultura.
- Subir os degraus do Monumento da Renascença num dia sem névoa (nem sempre é fácil acertar nos dias).
- Ver o Cheik Anta Diop do Vhils, no Institut Fondamental d’Afrique Noire da Universidade Cheik Anta Diop.
- Ir a um espectáculo no Théatre de Verdure, o anfiteatro ao ar livre do Instituto Francês.
Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Dakar. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
Dia 1: Centro da cidade e os mercados
Acordar cedo, tomar o pequeno-almoço no hotel e deixar-se levar pelas ruas do centro, passar pelo Palácio da Presidência, parar em frente à Assembleia Nacional e escolher caminhar até ao mar ou ir visitar o museu IFAN.
Depois do museu, perder-se no burburinho do mercado Sandaga – antes de lá chegar já outros vendedores de rua terão tentado negociar. Regressar ao centro e levantar os olhos para a fachada da Catedral antes de entrar e orar ou simplesmente apreciar o altar dedicado a Fátima. Atravessar a rua e tomar café no Café de Rome, onde também é possível ficar alojado.
Continuar até ao Atelier 6, explorar as ruas e almoçar no L’epicerie. Continuar a tarde até à Praça da Independência, espreitando galerias, aceitando convites para ver lojas meio escondidas. Ainda haverá tempo de chegar até ao mercado de Kermel e de ver a Gare Ferroviaire. Terminar o dia no Instituto Francês.
Dia 2: Ilha Goreé
Ir num dos primeiros barcos da manhã para ver o sol nascer. Ao chegar à ilha de Gorée, virar à direita e procurar uma casa que diz que é o cinema; lá perto, entre buganvílias, fica a Casa Keur Khadija, que pode ser simplesmente visitada ou onde pode aprender a pintar sobre o vidro (é de experimentar, deixar a obra de arte secar e voltar mais tarde para a ir buscar).
No fim da rua voltar à direita e ir ao museu perceber como é que os portugueses chegaram e partiram do Senegal. Voltar pela mesma rua, seguindo os gatos até à senhora que faz bonecas. Se preferir pode voltar para ao pé do mar e almoçar comida da ilha. Se não, é hora de subir ao ponto mais alto e descansar os olhos quer no mar, quer nas diversas criações artísticas.
Já lá em cima e depois de tentar avistar Dakar entre a névoa, deixar-se levar pelo convite dos artistas para apreciar as diversas criações. Os convites irão crescendo na descida até terminarem os baobab.
Os miúdos jogam futebol num campo de areia, a igreja talvez esteja fechada, os carneiros andam por lá a balir. Se ainda não comeu, petisque ou deixe o corpo descansar na praia. Se for hora do pôr-do sol, entre num portão verde perto do baobab e espere até o sol se esconder (outra opção é ver o pôr-do sol no barco de regresso a Dakar). Se não regressou, durma na ilha já calma e quase sem a enchente de turistas do dia.
Dia 3: Dia de praia
Ir directamente para a Corniche des Almadies, para Virage ou para Ngor. Se escolheu a Corniche des Almadies e quiser aprender ou praticar surf ou paddle vá até à Cabane du Surfer. Se quiser simplesmente apanhar sol, escolha um dos bares / restaurantes junto à praia. Fique e almoce por ali ou, se quiser um peixe grelhado de modo tradicional, siga até ao ponto final da Corniche.
Ainda pelas Almadies, visite galerias ou compre algo para oferecer. Não pense no preço do jantar e jante no Alquimia.
Se quiser trocar a praia por aulas de tambor procure uma escola, lugar de artistas, perto da Cabane du Surfer.
Veja também o artigo sobre o que fazer em Dakar.
Tens algumas dicas para poupar dinheiro em Dakar?
Ser poupado, por natureza é o princípio de tudo. Depois negociar, negociar sempre: no táxi, no mercado ou com os vendedores de rua. Também há lojas onde se pode negociar.
É mais barato andar de car rapide que de táxi, ainda que os táxis não sejam caros (comparativamente com Portugal).
Para quem vive cá e gosta de cozinhar, por exemplo, cozinhar em casa. Depois há pequenas formas que cada um vai descobrindo, de acordo com o seu estilo de vida e com a zona da cidade onde se mora.
Sou grande apreciador da gastronomia em viagem. Na tua opinião, que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Dakar?
Tradicionalmente, a comida em Dakar é picante, mas pode-se acrescentar sempre mais. Os sumos são, quase sempre, doces ou muito doces.
O lakh ao pequeno-almoço, uma espécie de iogurte com sorgo (millet et lait callé), ao qual se pode juntar amendoim ou outros ingredientes. Tradicionalmente, come-se no korité (fim do Ramadão).
Os inevitáveis thiebou dienne (arroz com diversos legumes e carne ou peixe) e poulet yass (frango frito com um molho de cebola, acompanhado de salada e batata frita).
Para os amantes de peixe, o thiof ou capitaine grelhados ou o poisson yass (como o poulet yass).
Para recordar sabores de “outras Áfricas”, etojai – arroz acompanhado por uma espécie de caldo feito com óleo de palma, “folhas” e amendoim, onde se cozinha peixe e/ou carne ou marisco.
Para comer na rua, fataya ou beignets – bolinhos fritos recheados (pequenos bolinhos fritos, um “primo” dos rissóis), ou meia baguete recheada com atum ou feijão ou uma pasta de cebola; arachide, que é como quem diz amendoim torrado ou doce.
O madd – um fruto de época que se come simples ou temperado com sal, pimenta e açúcar. Tem um sabor peculiar, meio ácido. O segredo para retirar um pouco a acidez é fervê-lo em água. A minha sugestão é juntar-lhe açúcar e canela, levá-lo ao frigorífico e comer assim fresquinho.
Os sumos de bissap (ibisco), bouye (fruto do embondeiro), ditakh (um fruto de época), daqaar (tamarindo) ou gengibre (estranha-se e depois entranha-se).
Para quem está a viver em Dakar, também se pode encomendar comida. Mesmo com o serviço de entrega não é caro e funciona bem.
E por fim, ataya ou café Touba (café aromatizado que se encontra um pouco por todo o lado na rua, sejam postos fixos, sejam vendedores ambulantes).
Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
Em Dakar quando se cumprimenta alguém que está a comer, ouve-se “kai gnou ndéki” (vem comer), por isso um convite para partilhar um prato pode surgir em qualquer momento.
Os sítios mais baratos para comer são as dibiterie (locais onde se come carne, especialmente de carneiro). Encontram-se um pouco por toda a cidade, mas dizem que a melhor é para os lados de Ngor, próximo do embarcadouro para a ilha. Também existem pequenas bancas ou tendas que vendem desde thiebou dienne, espetadas, a pão/sandes ou fataya.
A menos que se vá a restaurantes mais sofisticados, não é caro comer em Dakar; e, para além dos pratos nacionais, pode-se encontrar comida típica de outros países.
Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. No caso de Dakar, em que bairro nos aconselhas a procurar hotel?
Eu gosto de centros de cidade, são o ponto de partida para todos os lados, são o início de tudo na cidade, o lugar da história. Do centro da cidade partem autocarros para vários pontos. Para mim, é a melhor região onde ficar em Dakar.
Para quem quiser ficar perto do mar e aventurar-se nas ondas, deve escolher as Almadies, Virage ou Ngor. Para acordar com os olhos no mar, escolher um dos hotéis ao longo da Corniche.
A Ilha de Goreé tem lugares simpáticos para quem quiser fugir à cidade.
Haverá lugares menos seguros que outros, mas Dakar é considerada uma cidade segura e os táxis, mesmo quando não conhecem bem o caminho, chegam sempre ao destino. Com tudo o que tem acontecido no mundo as medidas de segurança aumentaram quer no aeroporto, quer no centro comercial ou na maior parte dos hotéis.
Escolhe um café e um museu.
O Simone Café em Mermoz, para provar especialidades do Brasil e falar português.
O museu do IFAN (Institut Fondamental d’Afrique Noire), para conhecer a arte e a cultura da região.
Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite em Dakar?
De entre as muitas opções:
- O Instituto Francês ou o Goethe: têm uma agenda variada, que inclui cinema, música, dança e teatro. O Instituto Francês tem um restaurante, onde com frequência há música ao vivo.
- Charly: bar, restaurante com música ao vivo.
- Just 4 you: para jantar ou só para assistir a um concerto. O ideal é reservar mesa.
Tens alguma sugestão para quem pretender fazer compras em Dakar? O que comprar?
A rua é um lugar por excelência onde “não se procura, é-se procurado” pelos vendedores. É possível comprar um pouco de tudo, especialmente no centro da cidade.
Ao longo das ruas, por exemplo pela Corniche, também há artesanato ou plantas.
Nas galerias encontram-se produtos manufacturados de materiais originais ou reciclados. Destaco três das muitas existentes: Atelier 6 (no centro), Atmosphere (em Almadies) e Keur Marie (em Mermoz).
Para levar, objectos pequenos que caibam na mala: produtos em madeira, por exemplo, réplicas do car rapide ou pequenas estátuas; bolsas que misturam pano africano e couro; pinturas em louça ou vidro. Panos ou roupa do mercado Sandaga (no centro).
Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Dakar; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.
O café Simone, no recanto do bairro, para comer petiscos do Brasil; o Noflaye, junto à praia para relaxar ou o alto da esplanada da L’epicerie, para fugir do bulício da cidade; as feiras, especialmente quando o Natal se aproxima.
Jerejef! Obrigada!
Obrigado, Rosa. Vemo-nos numa próxima viagem a Dakar
Nota da autora: o texto está escrito segundo o que chamam “antes do acordo” e gostava que assim se mantivesse por respeito aos países africanos de Língua Oficial Portuguesa com quem trabalho e que não ratificaram o acordo ortográfico.
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