Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Riade, a capital da Arábia Saudita, pela mão do Nuno Vieira. O Nuno tem 45 anos, é Diretor de Projetos de IT numa empresa de construção e está a trabalhar e a viver em Riade há mais de quatro anos. Desafiei-o a partilhar as suas experiências em Riade; bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Riade e conhecer um pouco melhor a capital saudita.
É um olhar diferente e mais rico sobre Riade – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da cidade estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 70º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.
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Em Riade com Nuno Vieira (entrevista)
- 1.1 Define Riade numa palavra.
- 1.2 Riade é uma boa cidade para viver?
- 1.3 E o que mais te marcou em Riade?
- 1.4 Como caracterizas os sauditas?
- 1.5 Como é viver num regime tão distinto do das nossas origens ocidentais?
- 1.6 Podes explicar o que é um compound e as diferenças nas regras em relação ao mundo “exterior”?
- 1.7 Nos últimos anos, o regime saudita tem-se esforçado para tentar mudar a imagem do país no Ocidente. Em concreto, o que mudou?
- 1.8 Falemos de turismo. Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Riade sem…”
- 1.9 Vamos tentar fazer um roteiro de três dias em Riade. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
- 1.10 Estando a viver em Riade, tens alguma recomendação especial a fazer aos viajantes?
- 1.11 Tens algumas dicas para se poupar dinheiro em Riade?
- 1.12 Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Riade?
- 1.13 Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Riade?
- 1.14 Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível baratos. Onde vamos jantar?
- 1.15 Escolhe um café e um museu.
- 1.16 Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira “sair à noite”?
- 1.17 Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras em Riade? E o que comprar?
- 1.18 Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Riade.
- 2 Guia prático
Em Riade com Nuno Vieira (entrevista)
Define Riade numa palavra.
Riade é uma cidade surpreendente! Isto porque, normalmente, as expectativas das pessoas que visitam a capital da Arábia Saudita são muito baixas. Especialmente os ocidentais que, não sabendo nada da cultura local quando cá chegam, pensam em fazer uma vida casa-trabalho, trabalho-casa. Acabam por ficar agradavelmente surpreendidos!
Riade é uma boa cidade para viver?
Quando vim pela primeira vez para Riade, tinha umas expectativas muito baixas. Antes desta temporada em Riade, vivi cá há aproximadamente 15 anos. Quando cheguei pela primeira vez, não tinha uma ideia muito clara do que iria encontrar. Vim com a ideia pré-definida que isto seria apenas uma oportunidade para ganhar dinheiro, mas na verdade acabei por me deparar com uma realidade bem diferente.
Com todas a limitações de um país cuja cultura é muito diferente da nossa, na verdade conseguimos ter uma vida muito confortável. As coisas de que mais sentimos falta com a distância são coisas pouco óbvias para quem nunca viveu fora do nosso país. São coisas que, estando imigrado na Arábia Saudita, nos Estados Unidos da América ou no Japão, seriam muito similares!
Como todos os expats (termo que não acho o mais indicado, mas que atualmente é muito usado) no país estão na mesma situação, é muito fácil encontrar grandes amigos. Este é, portanto, um ponto de partida para nos sentirmos em família, e conseguirmos ter uma vida normal, num ambiente bem diferente do nosso.
E o que mais te marcou em Riade?
Definitivamente, as pessoas! A comunidade de estrangeiros ocidentais é muito reduzida, e isso faz-nos sentir numa pequena aldeia. Não posso dizer que temos uma interação muito grande com os sauditas; temos vários amigos sauditas, mas normalmente são pessoas que estudaram fora e que têm uma mente muito aberta.
Na verdade, a maioria dos laços de amizade é com estrangeiros, mas posso dizer que esses laços são para a vida. Ao contrário de países onde o ambiente e a cultura são mais similares com os nossos, aqui um amigo é para a vida!
Como caracterizas os sauditas?
A cultura saudita gira à volta do bem receber. Os sauditas, independentemente da classe social, da origem ou da língua, tratam os seus convidados como reis. Quando somos convidados para casa (ou acampamento) de alguém, fazem tudo para nos proporcionar uma experiência inesquecível.
De tal forma que se deve evitar frases como “Gosto muito disto!”, pois nesse momento eles oferecerão o objeto. Como povo, são afáveis, sempre hospitaleiros e muito curiosos assim que percebem que somos estrangeiros.
Como é viver num regime tão distinto do das nossas origens ocidentais?
Não é muito fácil viver numa sociedade tão diferente da nossa. Por isso, quando há essa possibilidade, preferimos viver em compounds, onde as regras ocidentais se aplicam. Desta forma, podemos ter o melhor dos dois mundos: ter uma vida parecida com a que temos na Europa, e ao mesmo tempo viver num mundo muito diferente do nosso.
Podes explicar o que é um compound e as diferenças nas regras em relação ao mundo “exterior”?
Os compounds começaram há algumas décadas, numa altura em que a única forma de atrair recursos especializados do Ocidente era criando estes bairros com regras próprias (ocidentais). Era, na verdade, o chamado win-win.
Por um lado, conseguiam os recursos essenciais ao desenvolvimento do país, e por outro, não precisavam de fazer cedências culturais a estes aliens que vinham com ideias e modos de vida completamente diferentes. Assim, não haveria um impacto significativo nos hábitos locais. Além disso, no tempo em que os ocidentais eram alvo de terrorismo, os compounds serviram como proteção para que fosse seguro viver em Riade (e no resto do país).
Estes pontos faziam sentido num tempo completamente diferente, mas com a globalização, cada vez mais este conceito está desatualizado. A segurança não é uma questão atualmente, e com as alterações que têm acontecido no país cada vez há mais ocidentais que não vivem em compounds.
Nos últimos anos, o regime saudita tem-se esforçado para tentar mudar a imagem do país no Ocidente. Em concreto, o que mudou?
Nos últimos anos mudou muita coisa. Especialmente nos últimos três ou quatro anos. Mais do que os media conseguem passar, ou mesmo do que as pessoas imaginam. O facto de as mulheres passarem a conduzir (e realmente tornou-se generalizado) fez uma grande diferença na vida diária, especialmente nas novas gerações.
Por outro lado, começaram a trabalhar em todos os setores de atividade, e assim passaram a ter uma autonomia que nunca tiveram antes. As empresas começaram a contratar mulheres, que passaram a dividir os escritórios com os homens, coisa nunca antes vista ou mesmo imaginada nos meus primeiros tempos em Riade.
Outro aspeto interessante é a organização do país: nos últimos anos, implementaram-se muitas leis para regular a atividade económica, combater a corrupção, diversificar a economia (que era muito dependente da exploração do petróleo). Estas alterações criaram muitas oportunidades, tornando o país mais atrativo para o investimento estrangeiro.
A propósito de mudanças e estratégia para o futuro da Arábia Saudita, veja o projeto Vision 2030.
Falemos de turismo. Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Riade sem…”
Para quem vem da Europa, sair de Riade é um must. A grande beleza de Riade tem mesmo que ver com isso. A uma pequena distância consegue-se encontrar os mais incríveis desertos. A pouco mais de 50 quilómetros há um deserto de dunas com areia vermelha, uma paisagem lunar, uma escarpa ao estilo grand canyon, um deserto de calhaus, etc. Por irónico que pareça, as maiores maravilhas de Riade estão fora da cidade.
Vamos tentar fazer um roteiro de três dias em Riade. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
Dependendo do tipo de viajante, há muitas coisas para ver em Riade. Um dos sítios a não perder é naturalmente o Forte Masmak, com o seu museu, que conta a história de Riade e da criação do Reino da Arábia Saudita. Perto da fortaleza há uma praça importante da cidade e um souq (mercado em Árabe) a visitar.
Outra das atrações da cidade é a Kingdom Tower, um dos símbolos icónicos de Riade. Do piso 99 da torre, consegue-se ter uma vista fabulosa da cidade.
Passar pelo mercado Batha também é imperativo; um mercado gigante onde se pode comprar tudo. Um pormenor curioso neste mercado é que se pode ver pessoas a fazerem as tradicionais tendas para os acampamentos do deserto.
Outro sítio a não perder são as ruínas da cidade antiga, chamadas old diriyah. Aqui, consegue-se ter uma ideia de como eram antigamente as ruas da cidade de Riade, nos tempos em que o petróleo não moldava a vida dos habitantes do reino.
Além de visitar os desertos à volta de Riade, outro sítio a não perder é, sem nenhuma dúvida, o chamado Edge of the World, uma falésia onde termina o planalto sobre o qual a cidade está implantada. Um sítio sem igual!
Veja também os artigos sobre o que fazer em Riade e o meu roteiro de 16 dias na Arábia Saudita.
Estando a viver em Riade, tens alguma recomendação especial a fazer aos viajantes?
Visitando Riade, ou qualquer sítio na Arábia Saudita, é sempre necessário ter cuidado com as fotografias. Se se apanhar numa fotografia uma mulher, por exemplo, e caso a foto seja sem consentimento, pode dar problemas!
Por outro lado, a religião é levada muito a sério no país, portanto, as cinco rezas diárias são cumpridas escrupulosamente, com todo o comércio fechado. Respeitar a religião local é meio caminho andado para ter uma estadia sem problemas.
Outro ponto importante é escolher-se bem a altura do ano para visitar o país, ou seja, evitar as datas dos eventos religiosos como, por exemplo, o Ramadão, altura em que tudo fica fechado durante o dia. É uma fase interessante para conhecer a cultura saudita, mas tudo acontece à noite.
A segurança é um dos pontos mais interessantes. Quando se fala de Arábia Saudita, é comum haver um preconceito relativamente à segurança relacionado com o terrorismo. Na verdade, se há aspecto pouco preocupante é mesmo a segurança: é possível andar por todo o lado da cidade sem nunca haver problemas ou sequer haver uma sensação de insegurança.
Tens algumas dicas para se poupar dinheiro em Riade?
Bom, na verdade, o custo de vida tem aumentado muito nos últimos anos, especialmente desde que introduziram o IVA. Por outro lado, os sítios normais onde se pode gastar muito dinheiro em países parecidos como os Emirados, Bahrein, etc, aqui não existem. Não há bares nem discotecas, pelo menos como as conhecemos, visto que o álcool é proibido no país. Jantar fora, por exemplo, pode ser bastante caro, pelo menos comparando com o que era há uns anos.
Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel em Riade?
Dependendo do tipo de viagem, e atendendo a que Riade não é exatamente um destino turístico, como ocidental, o local ideal para se ficar é, na minha opinião, um hotel dentro de um compound. Desta forma pode ter-se o melhor dos dois mundos…
Veja também o artigo sobre onde ficar em Riade.
Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Riade?
Sem nenhuma dúvida, não se pode passar por Riade sem comer uma shoarma no Mama Noura, uma cadeia de restaurantes muito famosa por estas bandas. Outra das experiências imperdíveis é comer num restaurante tradicional saudita a kabsa, um dos pratos mais tradicionais: pedaços de carne em cima de arroz. Num restaurante saudita, esta experiência é elevada a outro nível: come-se sem talheres (apenas com as mãos) e sentado no chão! Um bom lugar para se ter a experiência completa é a cadeia de restaurantes Najd Village.
Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível baratos. Onde vamos jantar?
Para jantar bem barato em botecos, o local imperdível é o bairro de Batha. Um grande mercado aberto com uma grande comunidade de expatriados onde se pode provar vários pratos de cozinhas diversas orientais.
Em alternativa, para comer comida tradicional saudita, as melhores experiências são fora de Riade, em pequenas povoações durante uma viagem de carro. Aqui encontram-se os lugares mais autênticos para se ter uma experiência verdadeiramente saudita.
Escolhe um café e um museu.
Em Riade, predominam os cafés franchisados como o Starbucks, por isso não há exatamente algo a que se possa chamar especial. Uma coisa diferente de outros locais, é a existência de pequenos cafés drive thru para se levar um café takeaway. Para os Sauditas, é muito normal passar por um café destes e ir bebendo o café no carro. Uma das coisas mais surpreendentes são as filas de carros que se geram nestes cafés.
…o primeiro museu que me vem à cabeça é o Al Masmak Palace Museum, um forte na zona sul de Riade, que conta a história da unificação do reino da Arábia Saudita, assim como a história de Riade. Vale a pena passar lá para ver!
Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira “sair à noite”?
Surpreendentemente, Riade tem mais coisas para se fazer à noite do que aquilo que as pessoas pensam… sair para jantar num dos inúmeros restaurantes da cidade, em zonas criadas para o efeito, onde se encontra uma multidão de locais (este é o programa favorito dos sauditas). O Diplomatic Quarter é uma zona com muitas alternativas para diversão noturna na cidade. Outro programa alternativo (apenas no inverno) é ir a um acampamento de sauditas no deserto, para ter uma autêntica experiência local.
Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras em Riade? E o que comprar?
Compras é um dos “desportos” favoritos dos Sauditas e, portanto, há uma quantidade enorme de centros comerciais com produtos de todas as marcas, desde as mais baratas às marcas de luxo. Uma experiência a não perder é visitar o bairro de Batha, onde se pode comprar de quase tudo (Riade tem vários mercados de rua como este).
Para quem goste, comprar um alaúde (instrumento de cordas), pode ser uma boa recordação a levar de Riade. Outra recordação a levar é o Oud, uns pequenos pedaços de madeira que são usados para queimar, deixando um cheiro agradável.
Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Riade.
O melhor que Riade tem são os laços que aqui se criam. Na verdade, levamos daqui amigos para a vida. Estas relações tão próximas e especiais têm que ver com o facto de estarmos inseridos num ambiente tão diferente da nossa cultura ocidental.
Obrigado, Nuno. Vemo-nos quando regressar a Riade.
Guia prático
Como chegar a Riade
Não há voos diretos de Portugal para Riade, mas inúmeras companhias, como a Lufthansa ou a Turkish Airlines, oferecem preços competitivos para voos rumo à Arábia Saudita, com ligação nos respetivos hubs.
Onde ficar em Riade
O Nuno garante que os melhores hotéis de Riade estão em compounds, pelo que talvez valha a pena começar a procurar por aí. Pela minha parte, quando visitei Riade fiquei em hotéis “normais”, pelo que veja também o artigo sobre onde ficar em Riade, em que explico quais as melhores regiões para pernoitar; ou pesquise os hotéis disponíveis usando o link abaixo.
Seguro de viagem
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