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Subindo (e descendo) os Pirenéus (Eurasia #06)

Por Rafael Polónia e Tanya Ruivo

Subindo (e descendo) os Pirenéus - Eurásia

Atravessando os Pirenéus de bicicleta a partir de Pamplona, descobrimos que nem sempre subir montanhas é pior do que descê-las. Atravessámos a fronteira rumo a França, cruzámo-nos com peregrinos nos caminhos de Santiago, parámos em localidades belíssimas como Saint-Jean-Pied-de-Port, e o objetivo Toulouse está cada vez mais próximo. Bon camiño.

Chegámos à conclusão de que não gostamos quando alguém nos diz: “A partir de agora é que isto vai começar a subir!”, porque nos dá sempre uma sensação de cansaço, mesmo antes de partirmos. No entanto, foi isso que aconteceu em Pamplona. Saímos da cidade com ar cansado e ainda não tínhamos feito três quilómetros quando me apercebi que tinha deixado algum material para trás. Comecei então a fazer contas: três quilómetros, mais três para trás, mais três para voltar ao mesmo lugar, mais montanha, mais o frio que está… isto dá quanto? Um dia terrível, pensei.

O caminho foi-se fazendo. A chuva que assustou ao princípio transformou-se num sol escondido, e o frio num calor agradável. Entre as poucas colinas que iam aparecendo, fomos passando pequenas vilas que fazem parte do caminho francês para Santiago de Compostela, embora pela estrada, deixando o verdadeiro trajecto para os peregrinos. Quando os nossos caminhos se cruzavam, ouvíamos o famoso e sempre bem-vindo “bon camiño“.

Passámos sem qualquer problema por aquilo que, em Pamplona, nos tinham dito ser “duas verdadeiras etapas de montanha”. Atravessámos um e outro ponto, uma e outra vila sem queixas, e chegámos a Roncesvalles com um grande sorriso na cara. Foi então que chegámos à conclusão oposta: que adoramos quando alguém nos assusta com os trajetos por onde temos que pedalar. Que nos diga: “Isso são montanhas mesmo altas” ou “vão ter que levar as bicicletas à mão”, ou ainda que “as etapas são mesmo íngremes, não escolheram o melhor caminho”. Dessa forma, vamos preparados para algo intransponível, assustador, e depois, ultrapassado o obstáculo, tudo parece simples e nada transcendente.

Pirenéus
Pirenéus

Fácil foi também a subida do dia seguinte, embora o facto de termos acordado ainda com estrelas no céu, com zero graus no exterior, e de não sabermos o que aí vinha, não nos agradou. Despedimo-nos dos muitos peregrinos que havíamos conhecido no dia anterior no albergue, e partimos em direcção àquela que foi, até agora, a etapa mais sofrida da nossa viagem: a descida dos Pirenéus. Se a subida foi “para meninos”, a descida de dezoito quilómetros até Vallecarlos, a última vila espanhola antes da fronteira com a França, foi terrível.

No topo, esperavam-nos três graus negativos. Frio, muito frio. Mas foi quando começámos a descer que desatámos aos berros. De pasmo pela beleza da montanha? Em alguns momentos sim, talvez fosse por isso, mas na maior parte das vezes era pela dor nos dedos das mãos, nas pernas, no nariz. Queríamos que aquilo acabasse depressa, implorávamos por uma subida, mas nada. Parámos vezes sem conta tentando aquecer o corpo, mas este tinha-se transformado numa pedra de gelo. Doía. Quando parámos, corremos para o interior de um café e quase saltámos para a lareira que havia a um canto.

As etapas seguintes foram mais simples. Saint-Jean-Pied-de-Port é a vila onde o caminho francês de Santiago começa. Belíssima. No albergue de peregrinos, sentimos de imediato toda a simpatia dos franceses que, para nós, são dos povos mais simpáticos que conhecemos. A vila é um postal dos Pirenéus, com as suas casas espalhadas montanha abaixo, brancas, sarapintando aqui e ali o verde imenso dos vales. O centro histórico é pequeno mas muito agradável, embora um pouco turístico. Acabámos por ser convidados a almoçar no albergue e partimos sem destino.

Após umas vistas indescritíveis sobre os Pirenéus, tentámos a sorte numa pequena aldeia, perguntando se existiam por ali portugueses. “Aqui não”, disse-nos um senhor já entrado de idade, “mas se forem um pouco mais além, em Mauléon, lá existem muitos”. Lá fomos para Mauléon e, depois de termos perguntado a algumas pessoas que encontrámos na rua, lá descobrimos a Paula, responsável pela associação portuguesa, que nos levou a casa do Sr. António Vilardouro, natural de Valpaços, que logo nos disse: “Eu conheço-vos! Eu vi a vossa saída na televisão”. E a porta abriu-se por completo para sua casa e, mais tarde, para toda a família que chegou para comemorar o aniversário da esposa. Dormimos quentinhos em frente à lareira, não sem antes termos sido entrevistados por um jornal francês. No dia, em Pau, fomos também convidados a participar na emissão de uma rádio portuguesa.

Saint-Jean-Pied-de-Port
A bela Saint-Jean-Pied-de-Port

A cidade que se intitula a “Porta dos Pirenéus” tem a imensa cadeia de montanhas como pano de fundo. Mais do que um postal, é uma cidade marcada pela história, por ter sido no seu castelo que nasceu Henrique IV, o Grande, um dos mais importantes reis franceses, o primeiro da dinastia Bourbon. Vale bem a pena uma visita ao castelo que, por ser obrigatoriamente acompanhada de um guia, nos fez “torcer” um pouco o nariz – mas depois reconhecemos que, se assim não fosse, seria apenas mais um castelo.

Saímos com a cabeça em Auch, uma pequena cidade a 70 quilómetros de Toulouse, mas logo na primeira subida parámos para ver se as correntes das bicicletas estavam cheias de terra ou se nos tinham colocado, às escondidas, pedras nos sacos. Mas não, eram mesmo as nossas pernas que estavam perras, e de imediato percebemos que nunca chegaríamos a Auch nesse dia.

O caminho fazia-se sem nada de interessante para ver, lentamente, com preguiça até, cada um esperando que o outro dissesse que não queria ir mais em frente, que seria mesmo ali que iríamos parar. Esse momento aconteceu em Miélan e a tentativa de encontrar outra vez portugueses, levou-nos a perguntar a uma senhora se conhecia algum. “Não”, disse-nos, antes de perguntar: “mas procuram alguém em especial?” E nós lá explicámos a história da viagem e que era mais fácil ficar com alguém da comunidade portuguesa que nos acolheria com toda a certeza, ao que ela respondeu: “mas se é por isso, eu posso acolher-vos”. E assim passámos uma das melhores noites da viagem!

Saídos entre abraços, Toulouse aproxima-se, agora, a passos largos. A cidade onde “les briques sont roses” espera por nós para uns dias de descanso e cultura. Até já, em Toulouse.

O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.

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Rafael Polónia e Tanya Ruivo

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