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Memórias de Náfplio

Por Ana Isabel Mineiro
Náfplio
Náfplio

Bendita Grécia, que atrai ao mesmo tempo os que procuram um bronze perfeito, estendidos nas praias, ou os que perseguem uma cultura antiga, nos museus e ruínas que profusamente cobrem o território. No meio desta abundância, Náfplio consegue não ser apenas mais uma cidadezinha: esta é a mais italiana das cidades gregas, e até já foi capital da novíssima república helénica, no século XIX.

Na Grécia a vida é dura, na guerra para atrair turistas. O país transborda de ruínas históricas com milhares de anos, museus a rebentar de maravilhas antigas de ouro e prata, vestígios de civilizações desaparecidas e objetos que datam das profundezas da própria glória grega, anterior ao Império Romano.

Junte-se-lhe o facto de o país ser, juntamente com Espanha, o maior “bronzódromo” da Europa, graças ao Mar Mediterrâneo no seu mais manso e morno azul-turquesa, e temos um dos países mais turísticos do mundo.

Fachada de taverna em Náfplio
Fachada de uma taverna em Náfplio

A cidade de Náfplio já nasceu agraciada pela localização, num golfo perfeito da península do Peloponeso, cujas águas azuis estão rodeadas por bosques perfumados de ervas aromáticas e campos de oliveiras. Fica a cerca de centena e meia de quilómetros de Atenas e a uma dezena de Árgos, que é considerada a mais antiga das povoações da Grécia.

A menos de quarenta quilómetros fica Epidauro, o teatro mais bem preservado no país – mais uma luta renhida ganha – e se quisermos alargar o espetro, com mais um punhado de quilómetros alcançamos Micenas e Corinto. Mas com toda a mais-valia de poder servir de base a uma série de visitas a locais simultaneamente lindos, históricos e muito interessantes, a cidade vale só por si.

Os atenienses descobriram isso nos anos 80, e por isso abundam as segundas casas para feriados e fins de semana. O resultado é que Náfplio não “morre” de inverno, como acontece com tantas outras localidades turísticas, sobretudo nas ilhas, que ficam quase desertas durante meses. O ritmo desacelera, é certo, mas há tradições que ainda são o que eram e que se mantêm todo o ano.

As tertúlias de café, por exemplo. Acabada a sesta, os abundantes kafeneios enchem-se de gente e servem um maravilhoso frapé, café gelado e espumoso. De perna cruzada e sempre prontos à conversa, os locais balançam os seus kombolois ao ritmo da conversa. Este é um verdadeiro monumento ao dolce far niente em versão helénica: o komboloi é uma espécie de rosário (que, de facto, tem origem no “rosário” muçulmano, mais curto do que o cristão), que serve para entreter as mãos e embalar o espírito. Faz-se oscilar, enrola-se e desenrola-se à volta dos dedos enquanto se conversa e beberica, do fim da sesta ao fim da noite. E Náfplio é o único lugar do mundo que lhe dedicou um museu.

Ruas de Náfplio
Uma ruela no centro histórico de Náfplio

A maior parte da povoação distribui-se por uma península por onde serpenteava a primeira muralha construída pelos bizantinos, antes da conquista pelos cruzados franceses, seguida pela dos venezianos, em 1377.

Foi por esta época que a cidade foi ganhando a sua nuance italiana, de edifícios neoclássicos e mansões de tons pastel, em vez da pedra à vista comum no Peloponeso, ou das fachadas de um azul e branco ofuscantes, de cantos arredondados, tão comuns nas ilhas Cíclades.

Estas são as imagens mais graciosas e também mais gastas da Grécia, mas Náfplio tem outras ideias: as buganvílias de cores escandalosas também trepam aqui pelas paredes, mas são paredes pálidas, de cores subtis, onde aparece o ocasional leão de Veneza ainda não destronado, as janelas de tabuinhas e varandins de ferro forjado.

Os italianos chamavam-lhe Napoli di Romania, a Nápoles da Romania, que era o nome dado aos territórios habitados por cristãos ortodoxos, e no século XV construíram a enigmática fortaleza de Bourtzi, para defender a entrada do porto, que ocupa inteiramente uma ilhota no golfo e que desde então já serviu funções tão diferentes como as de prisão, casa dos carrascos e hotel.

A história de Náfplio continua com um ping-pong estratégico entre turcos e venezianos: os turcos conquistaram-na em 1540, os venezianos voltam a ocupá-la em 1685, e em 1715 a cidade voltou para as mãos dos turcos, de onde só saiu pouco antes de ser escolhida para capital do novo estado independente da Grécia, em 1823. O primeiro-ministro da república, Capodistrias, foi assassinado aqui à porta de uma igreja, e em 1833 a capital mudou-se para Atenas, ficando Náfplio como capital da prefeitura até aos nossos dias.

Hoje há um charme elegante e ao mesmo tempo decadente nas ruelas estreitas da cidade antiga, algumas feitas de degraus que levam progressivamente às duas fortalezas que ocupam o cimo da colina, e deixam ver o mar de um lado e do outro da península – e a fortaleza de Bourtzi encalhada no meio do golfo, como um barco de pedra.

Pormenor numa rua de Náfplio
Pormenor numa rua de Náfplio

Edifícios muito bem restaurados misturam-se com outros decrépitos, cujo charme parece vir do tempo, que os descasca e desenha nas frontarias os sinais da nostalgia. Fontes antigas com dizeres escritos em árabe, ruas estreitas ocupadas por cadeiras pintadas de azulão e mesas com toalhas de xadrez, lojas elegantes de tudo, das joias e relógios aos tapetes e roupa.

Além disso, embora os gregos não gostem muito de reconhecer – como não gostam de reconhecer nada de bom que os turcos façam -, as mesquitas deixadas pelos otomanos dão-lhe uma graça oriental, um toque das Mil e Uma Noites que combina bem com o cenário ao estilo italiano: subir escadas e dar com uma igreja de ângulos retos e torre quadrangular, descer uma viela e encontrar as formas redondas de uma cúpula de mesquita e um minarete cilíndrico é, sem dúvida, um dos encantos de uma cidade feita de pormenores, que deve ser descoberta a pé. O município, felizmente, está de acordo, e a cidade antiga é quase toda património dos peões.

Amazing Epidauro”, em Náfplio

O Teatro de Epidauro é uma das maravilhas da Grécia, quer pelo seu estado de preservação quer pela espantosa acústica, que faz com que seja ainda hoje o palco de um festival anual de teatro. Tive a sorte e o prazer de, na única vez que lá estive, ter ouvido demonstrações de moedas a cair no chão, um ruído metálico que é amplificado pela estrutura até à última das cinquenta e cinco filas de assentos que acomodam até doze mil espetadores.

Quando ainda estava a deleitar-me de admiração, uma turista americana resolveu testar o som ao limite, com um Amazing Grace tão bem cantado que recebeu palmas de todos os que por ali andavam. Na antiguidade o local era mais conhecido pelo Templo de Esculápio, de que ainda restam ruínas, assim como os edifícios que acompanhavam o seu funcionamento como templo de cura: alojamentos, pórticos, templos menores, etc.

Várias vezes pilhado, foi finalmente abandonado no século VI, depois de dois terramotos terem acabado com o que restava das ruínas. Hoje tem um museu que alberga as descobertas mais importantes, mas é o fabuloso teatro de pedra, com a última tecnologia sonora do século III a.C. que todos procuram.

As histórias de Árgos

Continuamente habitada desde há cerca de sete mil anos, diz-se que é uma das mais antigas cidades da Grécia. O que, tratando-se do país que é, já não é dizer pouco. Não que se note; Árgos é agora uma cidade comum, com as mesmas casas, as mesmas ruas, o mesmo tráfego caótico das outras cidades gregas.

Teatro de Epidauro
Teatro de Epidauro

A maior diferença é que, no fim das ruelas centrais, ergue-se uma grande colina com um gigantesco teatro no sopé, coroada pelas ruínas de uma fortaleza – bem visíveis cá de baixo, e com uma vista quase infinita sobre a cidade e arredores, lá de cima. Nauplia, o primeiro nome de Náfplio, significa “base naval” – as funções que teria o porto de Náfplio para a grande cidade-estado de Árgos no início da Época Micénica. Foi rival de Esparta, mas a história de grandeza acaba aqui, no século VI a.C.

Isto, se nos cingirmos aos factos históricos, mas a mitologia também lhe dá destaque: foi fundada por Inachos, que convenceu as populações a descer dos montes e fixar-se aqui. O pior é que a beleza da sua irmã, Io, chamou a atenção de Zeus, o insaciável rei dos deuses, que não gostou de ser corrido por Inachos e mandou um relâmpago que secou o rio – e desde aí o rio seca sempre no verão.

Entretanto Inachos teve um filho com uma ninfa: Foroneus, que teve tanta descendência que o deus Hermes teve de vir cá abaixo explicar que era preciso dispersar a população e criar novos Estados. Não se sabe muito bem porquê, mas o dito Hermes decidiu também que cada Estado devia ter a sua língua, e aqui começaram os problemas e desentendimentos entre as cidades.

Foi então que Zeus deu o poder a Foroneus, que se tornou o primeiro rei mortal do mundo e que criou as primeiras leis e tribunais. Foi também a primeira vez que começaram a usar-se armas, e quando morreu o rei mortal a confusão já era grande. Argos, um sobrinho com olhos no corpo todo e uma força hercúlea, sucedeu-lhe então no poder – e deu o nome à cidade.

Guia de viagens a Náfplio

Este é um guia prático para viagens à cidade de Náfplio, na Grécia, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de atividades na região.

Dados sobre Náfplio

Náfplio está situada num local privilegiado do Golfo de Argolis, no nordeste da histórica península do Peloponeso. A região é tão rica em fruta e azeitonas como em vestígios arqueológicos, alguns dos quais facilmente visitáveis a partir da cidade, como Árgos e Epidauro. O porto já foi importante, mas a indústria das pescas cedeu o primeiro lugar nas contas à indústria do turismo.

Para os apreciadores de praia, a da cidade pode não ser a melhor, mas em Karathónas ou Tolo, a apenas 12 km, há mais espaço para plantar o guarda-sol, e uma oferta de alojamento e restauração quase despropositada no que já foi uma aldeia de pescadores. Para além disso, a região dispõe de uma série de praias desertas e selvagens em localizações fantásticas, mas que requerem veículo próprio para acesso. Apesar da falta de areia, o mar tem temperaturas invejáveis e em terra a paisagem é o protótipo do Mediterrâneo, com uma profusão de oliveiras, laranjeiras e ervas aromáticas a cobrirem um relevo montanhoso.

Quando ir

O outono (setembro e outubro) e a primavera (maio e junho) são excelentes alturas para visitar Náfplio, já que os preços são bastante mais baixos do que no verão e a meteorologia apresenta temperaturas agradáveis.

Como chegar a Náfplio

A TAP já tem voos diretos de Lisboa para Atenas. No aeroporto pode apanhar o autocarro 93, que vai até ao Terminal A da KTEL, a companhia nacional de autocarros, na Avenida Kifissoú 100. Há várias partidas diárias (pode obter informações sobre horários no posto de turismo do aeroporto), a viagem dura cerca de duas horas e o bilhete custa à volta de 20€.

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Onde ficar

Náfplio é uma cidade turística, por isso há abundância de hotéis de todos os tipos. Mas os preços não são baixos. Fora de época é possível encontrar quartos a 50€, por exemplo no Omorfi Poli Hotel, bem central, nas proximidades da Praça Syntagma.

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Gastronomia grega

A comida grega é rica e variada, abrangendo peixe e marisco nas zonas costeiras, carne (muito carneiro) no interior, e em todo o lado uma abundância e variedade de legumes e vegetais, incluindo alguns que os portugueses remetem para a sopa por não saberem o que lhes hão de fazer, como a beringela ou a curgete.

A “salada grega” (queijo feta, azeitonas, pepino e tomate) é a mais comum, mas existe uma série de mezedhes (entradas), como as dolmadas (folhas de vinha recheadas), que podem ser autênticas refeições. A não perder, por quem gosta de doces, são também as sobremesas, sobretudo os delicados e dulcíssimos kataífi.

Os locais que oferecem melhor relação qualidade-preço são os restaurantes familiares – na Grécia chamados “tavernas”; em Náfplio, a Arapakos ou a O Pseiras são recomendadas e fáceis de encontrar.

Informações úteis

Os preços na Grécia subiram bastante na última década, e em Náfplio não ficam atrás dos de Atenas. As línguas estrangeiras mais faladas são o alemão e o inglês. Há vários ATM espalhados pela cidade, e muito onde gastar os levantamentos: o porto tem mais restaurantes, tavernas e esplanadas do que barcos, e as casas de artesanato típico grego têm peças irresistíveis, sobretudo a nível de jóias de design inconfundivelmente helénico, ou de kombolois, na loja do Museu do Komboloi. O site oficial do Turismo da Grécia oferece informação atualizada sobre as principais atrações turísticas das distintas regiões da Grécia, incluindo, naturalmente, Náfplio e toda a península do Peloponeso.

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Ana Isabel Mineiro

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