
As histórias de Portugal e do Uruguai cruzaram-se durante o século XVII, e Colónia do Sacramento é disso a melhor testemunha. Em comum, os dois países têm ainda o fado de serem dois ilustres e pequenos desconhecidos. Um roteiro de viagem a Colónia do Sacramento.
Colónia do Sacramento
Salta à vista, sobretudo à hora da sesta, que Colónia do Sacramento é uma cidade “portuguesa”. Com as lojas fechadas e pouca gente na rua – por aqui, a sesta é sagrada – as casinhas baixas de pedra, pintadas de amarelos, rosas e brancos, com telha antiga e lampiões nas paredes, podiam estar algures entre o Minho e o Algarve. As ruas são tortas e empedradas, com nomes como “Manuel Lobo” e “Portugal”, as igrejinhas estão caiadas de branco, com jardins na frente.
Claro que falamos da parte antiga da cidade, onde se situam os mais importantes vestígios da presença portuguesa e que é protegida pela UNESCO como Património da Humanidade.
O farol e a Igreja Matriz ainda têm algumas pedras originais, datadas do século XVIII, mas a reconstrução é mais recente. Na muralha que rodeia esta parte da cidade, muito justamente chamada Colónia Portuguesa, sobressai a Puerta de Campo encimada pelas quinas gravadas na pedra em 1745, época do governador António Pedro Vasconcellos, nome desconhecido dos portugueses mas que vibra aqui em nomes de ruas, memoriais de azulejo e mesmo na boca de alguns habitantes; os uruguaios são um dos povos com mais alta taxa de alfabetização da América do Sul, por isso não admira que conheçam a sua história como ninguém.
E museus não faltam em Colónia: o Museu Municipal, o Arquivo Regional, o Museu dos Azulejos, o Museu Espanhol e, como não podia de ser, o Museu Português, casa baixinha em plena Plana Real, com uma grande colecção de peças soltas de grande valor, à mistura com outras da mais pura fancaria. Também existe uma Casa Portuguesa, reconstruída com o apoio da Gulbenkian, e espalhados pelas paredes da grande muralha de pedra escura junto ao Rio da Prata, alguns pedaços de azulejo foram agrupados em quadros.
O calor é húmido e o vento por vezes é a única coisa que se move nesta cidade-museu ao ar livre, com pouco mais de vinte mil habitantes, parada e calma, quase sem trânsito. Os turistas argentinos chegam em bandos ruidosos, sobretudo ao fim-de-semana.
A sua exuberância contrasta com o apagamento dos uruguaios, sempre discretos e algo melancólicos. E tal como deste lado do Atlântico, também ali o vizinho mais rico investe e intervém na vida económica do mais pobre, causando algum mal-estar – embora no Uruguai a influência argentina se verifique fortemente a nível cultural, da moda às séries televisivas, do futebol aos tiques de linguagem.
A verdade é que Colónia do Sacramento está mais próxima de Buenos Aires do que da capital, Montevideu; basta uma hora de ferry sobre as águas pouco prateadas do Rio da Prata, e estamos na pacatez de Colónia, que contrasta fortemente com o bulício da capital argentina. Não admira, por isso, que muitos venham aqui em busca de descanso e compras, sobretudo quando o peso argentino é superior ao uruguaio.
A paisagem costeira é verdejante, com o preto e branco das vacas a contrastar. O país parece ser uma imensa pampa à beira-mar, e algumas palmeiras não deixam esquecer que o clima é suave, com chuvas distribuídas por todo o ano. Eucaliptos e penachos brancos reforçam o ar familiar da paisagem, onde nada nos parece estranho – e muito menos a “nossa” Colónia, provavelmente o lugar mais português da América do Sul, se excluirmos o Brasil.
Colónia do Sacramento, mate e donas elviras
O ambiente parado e pacífico da cidade atinge o seu auge junto ao rio, onde alguns veleiros ancorados sofrem o balanço das ondas. O casario baixo em volta da praça é harmonioso, e a sombra atrai os passantes para os degraus de pedra entre os canteiros. Algumas Donas Elviras dignas de museu estão estacionadas à sombra, à espera dos donos.
Sempre foi um mistério para mim a quantidade destes carros de início de século que encontrei pelas ruas. Certo é que a economia nacional não permite que se generalize o uso de veículos privados – o que só acrescenta paz às ruas da charmosa Colónia – mas, enquanto outros países contornam o problema com motorizadas ou bicicletas e os automóveis mais antigos são, digamos, dos anos setenta, aqui há muitos exemplares em uso que vieram directamente da primeira metade do século, dando um ar ainda mais arcaico às ruas da cidade.
Outra curiosidade que se encontra nas ruas de Colónia do Sacramento, esta partilhada com o resto do país, é o vício do chá-mate, sorvido do copo por uma boquilha especial. Os argentinos, e mesmo os brasileiros do Sul, que lhe chamam chimarrão, são igualmente grandes adeptos desta infusão amarga.
Mas no Uruguai o mate acompanha qualquer trabalhador ao seu emprego, sendo frequente ver pessoas de pasta e termos debaixo do braço; até já inventaram umas bolsas próprias, cilíndricas e com alça, para o transportar com mais conforto e discrição. Parado em conversa na rua ou sentado à sombra na hora da sesta, o verdadeiro uruguaio tem sempre à mão o seu chimarrão.
“Un poquito” de história
Colónia do Sacramento foi fundada pelo português Manuel Lobo em 1680, e ocupa um lugar estratégico frente a Buenos Aires, território espanhol, o que permitiu aos portugueses explorar a indefinição de fronteiras nesta zona, contrabandeando todo o tipo de mercadorias para o outro lado do Rio da Prata. Durante décadas, Colónia andou de mão em mão entre portugueses e espanhóis, com tratados, cercos e guerras que duraram até 1778, quando o Tratado de Santo Ildefonso a atribui definitivamente a Espanha.
Já nada resta dos índios Charrua, os primeiros habitantes conhecidos do país; no que diz respeito a vestígios, os únicos visíveis são os das culturas iberas que se digladiaram pela posse do território.
Esta luta permanente contribuiu para o nascimento do nacionalismo uruguaio, e foi José Gervásio Artigas, hoje herói nacional, que conduziu a guerra de independência contra Espanha, que alcançaram em 1815.
Sol de pouca dura: ocupado pelo Brasil seis anos mais tarde, o Uruguai só se tornou definitivamente independente a partir de 1828, depois da luta dos famosos “33 Orientales”, patriotas uruguaios inspirados por Artigas e apoiados pelos argentinos.
A República Oriental do Uruguai sofreu ainda constantes cercos em Montevideu durante a ditadura do presidente Rosas, protagonizados por forças nacionais com ajuda argentina; o Brasil, por seu lado, ajudava os que estavam contra os argentinos. O drama uruguaio tem sido esse desde então→ Brasil e Argentina, as maiores potências sul-americanas, terminaram a guerra pela posse do território mas não terminaram os jogos de influências, às quais um país economicamente frágil como este não se pode esquivar.
A primeira quinzena de anos do século passado foi de florescimento, com o Uruguai a adoptar o cognome de “Suíça sul-americana”. O sistema de impostos sobre a exportação de gado permitiu ao governo de Ordóñez garantir a prosperidade e uma qualidade de vida pouco usuais no continente, que incluíam escolaridade obrigatória, assistência social e neutralidade.
O pior foi quando as exportações baixaram, ainda na primeira metade do século XX. Nos anos 60 o descontentamento popular era já generalizado e a repressão que se lhe seguiu não melhorou nada; o grupo armado dos Tupamaros, que se opunham violentamente à ditadura do presidente Areco, instaurou o terrorismo urbano e os militares tomaram o poder em 1973.
O filme «Estado de Sítio», de Costa Gravas, regista parte destas lutas internas que levaram o Uruguai a entrar na já longa lista de ditaduras militares sul-americanas.
E se esta não foi tão mortífera como as do Chile ou da Argentina, foi certamente súbita e traiçoeira, e a lista de presos políticos ultrapassou os 60.000 nomes em poucos anos – o maior número per capita da América Latina.
Guia de viagens a Colónia de Sacramento
Este é um guia prático para viagens em Colónia de Sacramento, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e atividades na região.
Quando ir
Como se situa no hemisfério Sul, será de recomendar que se visite Colónia do Sacramento no nosso Inverno, isto é, no Verão austral. Mas, em todo o caso, o clima é muito regular durante quase todo o ano.
Como chegar a Colónia de Sacramento
O mais fácil é voar para Buenos Aires, que ficará por 600 a 700 euros, e daí apanhar um dos muitos ferries que fazem a travessia directamente até Colónia, que fica apenas a cinquenta quilómetros da capital argentina.
Onde ficar
Não há falta de hotéis das categorias mais variadas em Colónia do Sacramento. Apenas duas sugestões: La Posada del Gobernador, na Rua 18 de Julio, em pleno bairro histórico, ou a Posada Casa del Sol, na Estrada n. 1, a poucos minutos do centro da cidade. Veja os links abaixo para todas as opões.
Informações úteis
Não é necessário visto para entrar no Uruguai, mas manda a prudência que confirme com a Embaixada do Uruguai em Lisboa antes de partir em viagem. Um Euro vale actualmente 32,5 pesos uruguaios.
Seguro de viagem
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