Situado na linha de fronteira da Bolívia com o Peru, o Lago Titicaca é povoado por ilhas interessantíssimas, algumas delas lendárias – como a Ilha do Sol, onde os Incas acreditavam ser o berço do Pai Sol -, habitadas por povos hospitaleiros como os de Taquile ou Amantaní, e pintalgadas pela excentricidade transformada em atracção turística das ilhas flutuantes Los Uros. Um olhar sobre as “ilhas dos Incas” no Lago Titicaca.
Futebol na ilha Amantaní, na parte peruana do Lago Titicaca
A bola corre no ringue da aldeia, furiosa com tanto mau trato. De um lado, jovens turistas ofegantes; do outro, homens e mulheres de Occosuyo, ágeis e sorridentes, indiferentes aos 4.000 metros de altitude onde o desafio tem lugar. É um jogo desigual, mas emotivo. Um remate desajeitado e a bola desaparece colina abaixo, de pedregulho em pedregulho até perder vigor no regaço de um arbusto. Num ápice, alguém desata a perseguir a bola. O Lago Titicaca está lá em baixo.
Tinha sido levado para o ringue pela Glória, filha do senhor Lúcio, em cuja casa fiquei hospedado.
Na ilha Amantaní (Peru), há já algum tempo que descobriram que o turismo pode ser muito proveitoso para toda a comunidade. E tentam fazer com que essa inestimável riqueza beneficie, de forma igualitária, todos os habitantes de Occosuyo.
Assim, organizaram-se através de um sistema em que os turistas são distribuídos, por ordem do chefe da aldeia, pelas famílias com aposentos disponíveis para os acolher. Rotativamente. Uma espécie de utopia peruana de igualdade social, sem classes. “Chegam todos os dias lanchas com turistas”, explica o senhor Lúcio, “mas eu nem sempre os posso receber em minha casa, porque os outros [habitantes] também querem”, conclui com desarmante sinceridade.
Era uma casa simples e simpática, a do senhor Lúcio, à imagem de toda a família. As paredes, decoradas com páginas de jornais fora de prazo contendo notícias de outro mundo e fotos de estrelas de TV, conferiam o seu quê de insólito ao ambiente. As refeições, confeccionadas num forno a lenha da cozinha de adobe, eram à base de batata e quinua, simples mas saborosas, sem requinte mas partilhadas com generosidade. Não há hotéis em Amantaní mas, mesmo que houvesse, não trocaria o aconchego da sopa ao pequeno-almoço pelo impessoal bufet de um hotel.
O rapaz reaparece no ringue com a bola entre mãos, num ápice. Teria sido esforço suficiente para acabar com o fôlego de qualquer membro da equipa adversária. O jogo é retomado. Os locais marcam uma e outra vez, os turistas tentam responder, festejam um dos seus poucos golos como se da vitória se tratasse. Respirar e praticar desporto parecem actividades incompatíveis a esta altitude. Reparo que, entre a assistência, uma velhota tece o que em breve será um gorro, e lembro-me de Taquile (Peru).
Mestres da tecelagem na ilha Taquile, Peru
Taquile é a ilha mais próxima de Amantaní, vêem-se os seus contornos, claramente, no horizonte. Tal como os de Amantaní, os taquileños são mestres na tecelagem. Homens e mulheres tecem peças de lã, incessantemente, enquanto conversam, enquanto descansam, enquanto caminham pelas ruas da aldeia principal da ilha. Todos os membros da comunidade envergam no dia-a-dia, elegantemente, as vestes que eles próprios produzem. Os homens, de calças brancas, camisa preta e gorros vermelhos com bordados coloridos. As mulheres, mais vistosas ainda. É uma comunidade com particularidades interessantes, a de Taquile.
Com os mesmos valores de partilha e entreajuda dos de Amantaní, todos produzem para uma cooperativa que vende, numa única loja, os diversos produtos aos visitantes. O estatuto e estado civil de cada membro são identificados por pormenores da sua indumentária.
E existe a obrigatoriedade de, antes do casamento, duas pessoas viverem juntas por um período de dois anos para avaliação mútua, embora com a proibição de terem filhos. Por precaução, porque o divórcio é um conceito que não existe na comunidade. Em Taquile, a partir do momento em que um casal efective o casamento, o mesmo torna-se irreversível.
A partida caminha para o seu fim, o cansaço toma conta de todos os músculos dos jogadores visitantes. No alto, imponentes, os dois picos da ilha Amantaní – o Pachatata (Pai Terra) e o Pachamama (Mãe Terra) – dominam o recorte da paisagem.
O Pai Sol esconde-se, lentamente, por trás dos montes. Vem-me à cabeça outra ilha do Titicaca.
Ilha do Sol, registo Inca na parte boliviana do Lago Titicaca
Os Incas acreditavam que o nascimento do Pai Sol tivera lugar numa ilha a que chamaram, sem surpresa, do Sol. Fica situada na parte boliviana do Lago Titicaca, bem longe de Taquile e Amantaní, ao largo de uma pequena povoação de seu nome Copacabana.
Chega-se à ilha do Sol (Bolívia) facilmente, mas somente a partir de Copacabana e após uma curta viagem de barco.
É uma ilhota árida, montanhosa, excelente para caminhantes vigorosos. Percorrer toda a extensão da ilha demora quase quatro horas, subindo e descendo penosamente, calcorreando cenários agrestes mas belos, numa paz absoluta, com vistas de cortar a respiração.
A velhota levanta-se, o jogo termina. Os locais desafiam os estrangeiros moribundos para nova partida.
Turismo nas ilhas flutuantes Los Uros
Para terminar o périplo pelo Lago Titicaca, visitei ainda as excêntricas ilhas flutuantes da minoria Uros, onde não me delonguei mais do que um par de horas. Reza a história que os Uros construíram aquelas ilhas para escapar aos primórdios da civilização Inca.
São ilhas erigidas a partir de juncos amarrados e sobrepostos em camadas que podem totalizar três metros de espessura. Dizem-me que uma ilha, mesmo com “boa manutenção”, não durará mais do que “oito anos”.
Findo esse prazo, é abandonada e uma outra é construída em seu lugar. Para além da pesca e da caça de aves, era notório que o rendimento dos Uros provinha fundamentalmente do turismo. Das entradas que cobravam aos turistas e do artesanato que depois lhes vendiam. Estão descaracterizadas, as ilhas, mas não deixam de merecer uma curta visita, quanto mais não seja pela sua excentricidade.
Estava quase a abandonar uma das ilhas flutuantes quando, vasculhando com o olhar o artesanato, os artigos de lã e as bugigangas, me deparei com a suprema das ironias. Havia umas peças decorativas, de madeira esculpida, que não eram, de todo, desagradáveis. Mas algo não batia certo naqueles artefactos. Eram calendários da civilização Inca.
Guia prático
Este é um guia prático para viagens ao Lago Titicaca, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões sobre o que fazer em redor do lago.
Como chegar ao Lago Titicaca
Para visitar o Lago Titicaca pode começar por voar para Cuzco, no Peru, ou para La Paz, na Bolívia. Tomemos o exemplo de La Paz, para onde a Lufthansa e a Air France apresentam muitas vezes as tarifas mais competitivas, a rondar os 800 € a 900 €. De La Paz, acomode-se num miniautocarro em direcção a Copacabana, nas margens do Lago Titicaca, para visitar a Ilha do Sol. Se optar por voar para Cuzco, siga depois de autocarro ou comboio para Puno, de onde poderá organizar a sua viagem para Los Uros, Taquile e Amantaní.
Agências de viagens para o Lago Titicaca
Puno é um local desinteressante, mas é o melhor ponto de partida para navegar em direcção às ilhas Taquile e Amantani. Na cidade, há inúmeras agências de viagens que oferecem variações de viagens idênticas e não é fácil distinguir os serviços de umas e outras, até porque, no final, o mais provável é grupos provenientes de diferentes agências acabarem juntos num mesmo barco.
Seja como for, recomenda-se sem hesitações a All Ways Travel, com a certeza de que Victor Pauca, sua filha Eliane e restante equipa estarão ao dispor para, de forma prestável e com uma simpatia excepcional, organizarem qualquer tipo de passeio.
Para visitar a ilha do Sol, basta comprar um bilhete de barco no pequeno porto da povoação de Copacabana, no lado boliviano do Lago Titicaca.
Veja também sobre os Incas:
- Machu Picchu, a velha montanha festeja 100 anos
- Vale Sagrado dos Incas
- Guia de Machu Picchu: manual de sobrevivência para o viajante independente
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.