David Gareja, um mosteiro escavado na linha de fronteira

Por Filipe Morato Gomes
David Gareja, Geórgia
Vista do mosteiro de Lavra, parte integrante do complexo David Gareja, com as grutas escavadas na pedra em pano de fundo

Fundado no século VI por St. Davit Garejeli, o mosteiro internacionalmente conhecido como David Gareja é um dos locais mais emblemáticos – e visitados! – de toda a Geórgia.

Trata-se de um complexo monástico escavado na rocha das encostas do Monte Gareja, localizado na região de Kakheti, a pouco mais de 60km da capital Tbilisi. Inclui incontáveis celas para os monges, igrejas, capelas e outras divisões destinadas, por exemplo, a refeitórios.

Curiosamente, os mosteiros estão instalados em solo disputado pela Geórgia e pelo Azerbaijão, fazendo com que, por vezes, haja perturbações às inofensivas visitas turísticas. No meu caso, por exemplo, não pude visitar o chamado mosteiro de Udabno, em território azeri.

Disputa fronteiriça com o Azerbaijão

Em 1991, quando Geórgia e Azerbaijão se tornaram independentes da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e começaram a discutir a demarcação das suas fronteiras comuns, a região onde está o complexo monástico David Gareja emergiu como território reclamado por ambos os países.

A área é um local sagrado e histórico de grande importância para a Geórgia; e, simultaneamente, um ponto militar estratégico para o Azerbaijão.

Fronteira Geórgia - Azerbaijão
Abrigo de militares georgianos na fronteira entre a Geórgia e o Azerbaijão

Com a linha de fronteira por definir, as autoridades dos dois países tinham informalmente acordado permitir o acesso dos visitantes a todos os mosteiros do complexo David Gareja, incluindo aqueles em território azeri, até que a disputa fosse resolvida. Mas, em meados de 2019, tudo mudou.

No dia 20 de abril de 2019, a presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili reacendeu a polémica da delimitação da fronteira Geórgia-Azerbaijão ao visitar David Gareja, encontrando-se inclusive com os guardas de fronteira e reclamando progressos na demarcação da fronteira em disputa.

Foi o suficiente para o Azerbaijão classificar a visita como provocatória, afirmando que a mesma não tinha sido combinada com as autoridades azeris, nem tampouco as mesmas tinham sido informadas.

A resposta surgiu dias depois, com o fim do acordo informal que permitia a visita às caves e mosteiros localizados em território controlado pelo Azerbaijão, como é o caso do mosteiro de Udabno. Situação que se mantém até hoje…

A minha visita ao complexo monástico David Gareja

Mosteiro de Lavra (Geórgia)

Pátio interior do mosteiro de Lavra, complexo monástico de David Gareja

Manhã cedo, saí da Marina Guest House, onde pernoitei em Tbilisi, acompanhado por um grupo de amigos, direto para o táxi que nos esperava à porta.

A ideia era dividir os custos e ter maior liberdade em relação aos horários, quando comparado com a hipótese de visitar David Gareja recorrendo ao transporte em minibus. Até porque era época de calor e o autocarro sairia demasiado tarde.

A viagem foi lenta mas tranquila, atravessando paisagens montanhosas rudes mas belas, por vezes quase desérticas, à medida que fomos entrando na região de Kakheti.

O que visitar em David Gareja: Mosteiro de Lavra
Mosteiro de Lavra, David Gareja

Quando finalmente cheguei a David Gareja teriam passado umas duas horas e meia desde que saíra de Tbilisi. Imobilizado o carro no parque de estacionamento, fui direto para o mosteiro de Lavra – uma parte do complexo ainda habitada por monges.

O mosteiro inclui vários edifícios construídos entre os séculos XVI e XVIII – entre os quais a igreja do Apóstolo João, epicentro do complexo – e um pátio rodeado por uma muralha defensiva. Visitei o pátio e a igreja mas, infelizmente, o acesso às grutas adjacentes, outrora habitadas, estava vedado aos visitantes.

Depois de explorar Lavra, era então hora de empreender a longa (e um pouco dura) caminhada montanha acima, até ao topo do monte – que marca a linha divisória com o Azerbaijão.

Trekking até ao mosteiro de Udabno (Azerbaijão)

Caminhada nas montanhas do mosteiro David Gareja
A parte fácil da caminhada…

Estava a par da temporária impossibilidade de visitar o mosteiro de Udabno, em cujas grutas se encontram frescos incríveis, já em território do Azerbaijão. Mas mantinha a esperança de que, uma vez chegado à linha de fronteira localizada no topo do Monte Gareja, pudesse ter a sorte de os guardas me deixarem passar por breves minutos para conhecer os frescos.

Infelizmente, tal não aconteceu.

Ainda assim, não dei por mal-empregada a caminhada. É exigente mas muito bonita, com os vales, montanhas e planaltos, de ambos os lados da fronteira invisível, em pano de fundo. Eis o que sucedeu.

Nota: desde maio de 2019 que a passagem para o mosteiro de Udabno está bloqueada pelos guardas fronteiriços azeris.

Trilho David Gareja
Trilho de regresso ao mosteiro David Gareja

Depois de sair do mosteiro David Gareja, o trilho tornou-se imediatamente muito íngreme. Fui subindo com algum esforço físico, de olhos bem abertos e com todo o cuidado.

A vegetação estava muitas vezes acima da anca, tornando mais difícil a deteção de algum exemplar das cobras venenosas que habitam o Monte Gareja. Felizmente, não vi nenhuma.

Chegado ao topo do monte, vi dois militares azeris junto ao caminho que me levaria pela escarpa até às ansiadas grutas com frescos, em território disputado por Geórgia e Azerbaijão (neste momento sob controlo azeri). Dirigi-me a eles, ambos muito jovens e com ar simpático mas reservado, tentando perceber se haveria alguma possibilidade de me deixarem passar. Não permitiram.

David Gareja (Geórgia - Azerbaijão)
O complexo monástico David Gareja está espalhado pela zona montanhosa onde passa a linha fronteiriça Geórgia – Azerbaijão

Apesar de saber de antemão que este seria o desfecho mais provável, confesso que fiquei frustrado. Mas não havia nada a fazer.

Como voltar para trás não era opção que quisesse tomar, decidi, então, prosseguir a caminhada pelo topo da montanha, na linha divisória entre os dois países. Isto porque tinha a indicação que haveria outro trilho para descer até Lavra, o principal mosteiro de David Gareja.

Adiante, avistei uma espécie de guarida militar onde se encontravam militares da Geórgia, igualmente jovens mas mais efusivos que os seus vizinhos.

O caminho estava à esquerda, e haveria de me levar direitinho de regresso ao mosteiro de Lavra; não sem antes passar na chamada “Lágrimas de David”, uma gruta com uma nascente e uma série de canais escavados na rocha, outrora fonte de abastecimento de água potável do complexo.

Pouco depois cheguei ao parque de estacionamento. A visita a David Gareja estava terminada.

Lavra, David Gareja
Torre defensiva do mosteiro de Lavra, David Gareja

Guia prático

Como chegar a David Gareja

Salvo alterações do serviço, é possível visitar David Gareja de minibus, com partida da Praça da Liberdade às 11:00 (30 GEL por pessoa, ida e volta). O programa aproximado é mais ou menos o seguinte:

  • 10:45 Encontro junto à estátua de Pushkin, no Parque Pushkin
  • 11:00 Partida de Tbilisi
  • 13:30 Visita ao Mosteiro David Gareja (3 horas)
  • 17:00 Pausa para jantar em Udabno
  • 19:30 Regresso a Tbilisi

Recomendo que confirme no pequeno quiosque de informações turísticas existente no Parque Pushkin, junto à praça; melhor do que ninguém, eles terão informações atualizadas sobre a frequência e horários do transporte para David Gareja. Ou então acompanhe a página da Gareji Line no Facebook.

Alternativamente, pode sempre contratar um táxi para o dia na sua pousada, que o leve a David Gareja e espere duas ou três horas para regressar. Foi o que eu fiz, junto com um grupo de amigos.

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Dicas para visitar David Gareja

Eis algumas dicas para aproveitar ao máximo a visita ao mosteiro David Gareja:

  • Evite o verão. Se possível, evite visitar David Gareja nos meses de julho e agosto (pelo menos), altura em que o calor pode ser difícil de suportar.
  • Vista-se de forma conservadora. Ainda que não seja estritamente obrigatório, é uma questão de respeito.
  • Leve botas de trekking. Caso pretenda efetuar a caminhada até ao topo da colina, recomendo que use calçado fechado e, de preferência, com proteção para os tornozelos. Caso não tenha botas, leve pelo menos calçado fechado com boa aderência.
  • Cuidado com as cobras. Especialmente nos meses mais quentes, há víboras (venenosas) em atividade na região. Tenha muito cuidado e veja bem onde coloca os pés.
  • Respeite as ordens dos militares. Apesar dos guardas fronteiriços terem quase sempre uma postura amigável com os turistas, não se esqueça que está numa zona de fronteira disputada. Acima de tudo, respeite as ordens dos militares do Azerbaijão que estão de vigilância no topo da montanha: se não o deixarem passar para ver as grutas de Udabno, que ficam oficialmente em território azeri, não tente cruzar a linha de fronteira às escondidas. Vai correr mal!

Nota: há quem visite David Gareja sem voltar a Tbilisi. A ideia é aproveitar para seguir até Sighnaghi, tida como uma das cidades mais bonitas da Geórgia. Não tive oportunidade de conhecer, mas é uma hipótese a considerar para quem tiver mais tempo.

Onde ficar (em Tbilisi)

Recomendo a leitura de um artigo sobre onde ficar em Tbilisi, no qual partilho de forma mais detalhada uma opinião sobre os melhores bairros para se hospedar.

Dito isto, eu fiquei na Marina Guest House, na zona de Marjanishvili, mas atualmente não parece possível reservar online. Alternativamente, ainda em Marjanishvili, considere o divertido e excelente Tiflis Inn Glamour Boutique Hotel (ou Retro Tiflis), seguramente um dos mais originais e bonitos hotéis de Tbilisi; e, claro, o inevitável Fabrika Hostel & Suites, para os viajantes jovens de espírito.

Caso prefira uma hospedagem junto à Avenida Rustaveli, na margem oposta do rio, o Bricks Room Hotel é um dos hotéis com melhor relação qualidade/preço; o incrível Shota @ Rustaveli Boutique Hotel é um dos melhores hotéis de Tbilisi (mas não dos mais baratos). E o Teatron é igualmente excelente e é menos dispendioso.

Se preferir dormir em Udabno, há uma opção de hospedagem muito interessante chamada Oasis Club Cottages. Ora veja!

Para outras opções de alojamento, use por favor o link abaixo.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

1 comentário em “David Gareja, um mosteiro escavado na linha de fronteira”

  1. Adoro tuas descrições precisas de cada lugar que você passa.
    Obrigada por partilhar tudo isso connosco. Me deixou com os sonhos voando alto.

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