O Museu de Fotografia do Tsunami (e lá voltei a chorar, 13 anos depois)

Por Filipe Morato Gomes
Museu de Fotografia do Tsunami
Exposição de fotografias sobre o grande tsunami de 2004, no Museu de Fotografia do Tsunami, aldeia de Telwatta, Sri Lanka

A minha viagem ao Sri Lanka começou com a mais incrível das coincidências. Durante a viagem de avião para Colombo, comecei a ver um filme, escolhido ao acaso entre os disponíveis no voo da Qatar Airways, intitulado Coragem de Viver (Soul surfer, na versão original). A meio da película, a protagonista foi fazer voluntariado no Sri Lanka, precisamente nos dias seguintes ao tsunami de 26 de dezembro de 2004. E, ao ver o filme, revivi tudo outra vez.

Se me acompanha há algum tempo, talvez saiba que estive no Sri Lanka logo a seguir ao tsunami, em reportagem para o jornal Público. Testemunhei o desespero de quem luta pela sobrevivência, a agonia da fome, o vazio dos olhares sem esperança. Na altura, escrevi:

“Ver cenários apocalípticos com corpos espalhados por todo lado é algo extremamente brutal. Foi o que vi em Phuket e em Khao Lak, na Tailândia. Mas, presenciar a dor daqueles que tentam desesperadamente sobreviver consegue ser muito mais chocante e difícil de enfrentar. Do ponto de vista emocional, não creio alguma vez ter passado por tamanha provação.“

Nunca apaguei aquelas imagens da cabeça. Kamani da Silva muito menos. Agora, a sua casa é um museu.

Museu de Fotografia do Tsunami

Casa de Kamani da Silva
O museu é muito simples e foi construído na casa de Kamani da Silva, também ela destruída com o tsunami

Kamani pareceu-me uma mulher de fibra. Apesar do olhar triste e levemente humedecido, treze anos depois. Tem, hoje, 44 anos.

Naquele dia, depois da primeira onda, mais pequena, começou a fugir. Não fazia ideia do que se estava a passar, mas andou mais de um quilómetro para o interior. Conta que ouviu o barulho estrondoso do mar. Um barulho inexplicável. Era a segunda onda, gigantesca. Mais tarde, quando voltou à aldeia, nem queria acreditar.

A sua casa fora completamente destruída pelo tsunami. Tal como quase todas as outras da aldeia de Telwatta, a escassos três quilómetros de Hikkaduwa. O cenário era apocalíptico; a destruição quase total. Inicialmente, não tinha noção do sucedido: pensava que a tragédia tinha afetado apenas a sua aldeia. Mas não.

Kamani da Silva
Kamani da Silva, a fundadora do museu

Um comboio que fazia a ligação entre Colombo e Galle foi também arrastado pela fúria das águas ali mesmo e, com ele, 1.500 vidas descarrilaram. Por todo o país, dezenas de milhares de pessoas acabariam por falecer (ou desaparecer). Foi um dia triste. Muito triste.

Felizmente, toda a sua família sobreviveu à catástrofe. Mas nenhuma vida sobrevive sem marcas a uma tragédia como a que devastou o Sri Lanka. Eu sinto isso, ainda hoje me dói fundo na alma; e não vivi na pele o lado mais negro do tsunami.

Kamani andou anos sem saber o que fazer para combater a dor acumulada; até que, em abril de 2007, criou o Museu de Fotografia do Tsunami com a ajuda de uma amiga holandesa. Em jeito de memorial; em jeito de homenagem a todas as vítimas; para alertar não apenas para as catástrofes naturais mas, principalmente, para as que têm mão humana; para que nunca se esqueça. “Queremos manter as histórias do tsunami vivas, para as gerações futuras e para mostrar aos outros o que aconteceu”, disse-me.

Museu do tsunami Sri Lanka
“Da destruição à reconstrução”

São essas as histórias mostradas no Museu de Fotografia do Tsunami, instalado na casa humilde de Kamani. É um “museu”, com muitas aspas. Em vez de paredes brancas e iluminação cuidada, uma palhota com chão de terra e telhado feito com chapas de zinco. Mas isso pouco importa. O espólio, disposto de forma amadora e sem grande critério, inclui centenas de fotografias igualmente amadoras, tiradas no próprio dia – e nos dias seguintes à tragédia – por pessoas que viveram o tsunami de perto, e ainda relatos escritos que mostram de forma crua o que se passou no Sri Lanka durante aqueles dias de horror. E desenhos de crianças.

É duro e cru, simples e brutal; e, ao mesmo tempo uma bela homenagem aos que perderam a vida.

Museu de Fotografia do Tsunami Sri Lanka
Revivendo emoções ao observar as fotografias do tsunami

Para mim, foi um regresso ao passado. Doeu. Como sempre que olho para as minhas fotografias desse evento. Já várias vezes escrevi que nunca mostrei as fotografias do tsunami a ninguém. Já tentei, inclusive, fazer uma catarse para assinalar os 10 anos passados desde a tragédia; mas não consegui.

Procurei, inconscientemente, algum rosto conhecido, alguém que tivesse fotografado na altura. Revi corpos deformados, carros amontoados, gente desesperada; e era até capaz de jurar que as fotografias tinham aquele cheiro a morte que nunca mais esqueci.

Até que algo em concreto mexeu comigo.

(é sempre assim, sou forte até que algo aparentemente simples me derruba, como no caso na pintura sobre o regime Khmer, no Camboja)

Desenho do tsunami
O tsunami visto pelo olhar de uma criança.

Era um desenho infantil, que descrevia, aos olhos de uma criança, o que tinha sido o tsunami. Está tudo lá. E os meus olhos ficaram novamente silenciosos.

No final, ofereci as minhas fotografias a Kamani, na esperança de que sejam úteis para lá da escuridão do meu disco rígido. Por respeito às vítimas da tragédia. E porque Kamani merece todo o apoio.

Orações a Buda
Paz

Guia prático

Como visitar o Museu de Fotografia do Tsunami

Caso fique alojado algum dia nas praias de Hikkaduwa, basta contratar um tuk tuk para fazer os poucos quilómetros que separam a cidade do museu.

Nos outros casos, viajando de comboio entre Colombo e Galle, eis o que eu fiz. Apanhei o comboio das 10:30 na estação ferroviária de Colombo e cheguei a Hikkaduwa por volta das 12:30. Junto à estação de Hikkaduwa, negociei com um condutor de tuk tuk a ida até ao museu, na aldeia de Telwatta (paguei 500 rupias, ida e volta); e regressei ainda com tempo para almoçar numa tasquinha simples nas proximidades da estação. Às 14:30, apanhei outro comboio para ir de Hikkaduwa até Galle.

A entrada no Museu de Fotografia do Tsunami é gratuita, mas as doações são naturalmente bem-vindas. Por pouco que tenha – é pobre como antes, anda descalça como antes -, Kamani usa esse dinheiro para ajudar a tratar doentes oncológicos. Ela quer fazer alguma coisa de útil, ajudar. Dias antes de a conhecer, recebera uma carta de agradecimento de uma instituição pelas 300.000 rupias doadas (1.500€, muito dinheiro). Mais uma razão para fazer um donativo.

Onde ficar

Se fizer como eu, não precisa de dormir em Hikkaduwa; a não ser que as praias de Hikkaduwa façam parte dos destinos que quer conhecer no Sri Lanka. Nesse caso, recomendo especialmente o Chami’s Place, para gente jovem e de espírito jovem (a minha escolha caso tivesse decidido ficar hospedado em Hikkaduwa); as Manthally Cabanas e o The Oasis Villa são outras escolhas fantásticas; finalmente, o The Residence Hikkaduwa é uma boa escolha para viajantes mais exigentes e com bolsas mais recheadas.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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