A minha viagem ao Sri Lanka começou com a mais incrível das coincidências. Durante a viagem de avião para Colombo, comecei a ver um filme, escolhido ao acaso entre os disponíveis no voo da Qatar Airways, intitulado Coragem de Viver (Soul surfer, na versão original). A meio da película, a protagonista foi fazer voluntariado no Sri Lanka, precisamente nos dias seguintes ao tsunami de 26 de dezembro de 2004. E, ao ver o filme, revivi tudo outra vez.
Se me acompanha há algum tempo, talvez saiba que estive no Sri Lanka logo a seguir ao tsunami, em reportagem para o jornal Público. Testemunhei o desespero de quem luta pela sobrevivência, a agonia da fome, o vazio dos olhares sem esperança. Na altura, escrevi:
“Ver cenários apocalípticos com corpos espalhados por todo lado é algo extremamente brutal. Foi o que vi em Phuket e em Khao Lak, na Tailândia. Mas, presenciar a dor daqueles que tentam desesperadamente sobreviver consegue ser muito mais chocante e difícil de enfrentar. Do ponto de vista emocional, não creio alguma vez ter passado por tamanha provação.“
Nunca apaguei aquelas imagens da cabeça. Kamani da Silva muito menos. Agora, a sua casa é um museu.
Museu de Fotografia do Tsunami
Kamani pareceu-me uma mulher de fibra. Apesar do olhar triste e levemente humedecido, treze anos depois. Tem, hoje, 44 anos.
Naquele dia, depois da primeira onda, mais pequena, começou a fugir. Não fazia ideia do que se estava a passar, mas andou mais de um quilómetro para o interior. Conta que ouviu o barulho estrondoso do mar. Um barulho inexplicável. Era a segunda onda, gigantesca. Mais tarde, quando voltou à aldeia, nem queria acreditar.
A sua casa fora completamente destruída pelo tsunami. Tal como quase todas as outras da aldeia de Telwatta, a escassos três quilómetros de Hikkaduwa. O cenário era apocalíptico; a destruição quase total. Inicialmente, não tinha noção do sucedido: pensava que a tragédia tinha afetado apenas a sua aldeia. Mas não.
Um comboio que fazia a ligação entre Colombo e Galle foi também arrastado pela fúria das águas ali mesmo e, com ele, 1.500 vidas descarrilaram. Por todo o país, dezenas de milhares de pessoas acabariam por falecer (ou desaparecer). Foi um dia triste. Muito triste.
Felizmente, toda a sua família sobreviveu à catástrofe. Mas nenhuma vida sobrevive sem marcas a uma tragédia como a que devastou o Sri Lanka. Eu sinto isso, ainda hoje me dói fundo na alma; e não vivi na pele o lado mais negro do tsunami.
Kamani andou anos sem saber o que fazer para combater a dor acumulada; até que, em abril de 2007, criou o Museu de Fotografia do Tsunami com a ajuda de uma amiga holandesa. Em jeito de memorial; em jeito de homenagem a todas as vítimas; para alertar não apenas para as catástrofes naturais mas, principalmente, para as que têm mão humana; para que nunca se esqueça. “Queremos manter as histórias do tsunami vivas, para as gerações futuras e para mostrar aos outros o que aconteceu”, disse-me.
São essas as histórias mostradas no Museu de Fotografia do Tsunami, instalado na casa humilde de Kamani. É um “museu”, com muitas aspas. Em vez de paredes brancas e iluminação cuidada, uma palhota com chão de terra e telhado feito com chapas de zinco. Mas isso pouco importa. O espólio, disposto de forma amadora e sem grande critério, inclui centenas de fotografias igualmente amadoras, tiradas no próprio dia – e nos dias seguintes à tragédia – por pessoas que viveram o tsunami de perto, e ainda relatos escritos que mostram de forma crua o que se passou no Sri Lanka durante aqueles dias de horror. E desenhos de crianças.
É duro e cru, simples e brutal; e, ao mesmo tempo uma bela homenagem aos que perderam a vida.
Para mim, foi um regresso ao passado. Doeu. Como sempre que olho para as minhas fotografias desse evento. Já várias vezes escrevi que nunca mostrei as fotografias do tsunami a ninguém. Já tentei, inclusive, fazer uma catarse para assinalar os 10 anos passados desde a tragédia; mas não consegui.
Procurei, inconscientemente, algum rosto conhecido, alguém que tivesse fotografado na altura. Revi corpos deformados, carros amontoados, gente desesperada; e era até capaz de jurar que as fotografias tinham aquele cheiro a morte que nunca mais esqueci.
Até que algo em concreto mexeu comigo.
(é sempre assim, sou forte até que algo aparentemente simples me derruba, como no caso na pintura sobre o regime Khmer, no Camboja)
Era um desenho infantil, que descrevia, aos olhos de uma criança, o que tinha sido o tsunami. Está tudo lá. E os meus olhos ficaram novamente silenciosos.
No final, ofereci as minhas fotografias a Kamani, na esperança de que sejam úteis para lá da escuridão do meu disco rígido. Por respeito às vítimas da tragédia. E porque Kamani merece todo o apoio.
Guia prático
Como visitar o Museu de Fotografia do Tsunami
Caso fique alojado algum dia nas praias de Hikkaduwa, basta contratar um tuk tuk para fazer os poucos quilómetros que separam a cidade do museu.
Nos outros casos, viajando de comboio entre Colombo e Galle, eis o que eu fiz. Apanhei o comboio das 10:30 na estação ferroviária de Colombo e cheguei a Hikkaduwa por volta das 12:30. Junto à estação de Hikkaduwa, negociei com um condutor de tuk tuk a ida até ao museu, na aldeia de Telwatta (paguei 500 rupias, ida e volta); e regressei ainda com tempo para almoçar numa tasquinha simples nas proximidades da estação. Às 14:30, apanhei outro comboio para ir de Hikkaduwa até Galle.
A entrada no Museu de Fotografia do Tsunami é gratuita, mas as doações são naturalmente bem-vindas. Por pouco que tenha – é pobre como antes, anda descalça como antes -, Kamani usa esse dinheiro para ajudar a tratar doentes oncológicos. Ela quer fazer alguma coisa de útil, ajudar. Dias antes de a conhecer, recebera uma carta de agradecimento de uma instituição pelas 300.000 rupias doadas (1.500€, muito dinheiro). Mais uma razão para fazer um donativo.
Onde ficar
Se fizer como eu, não precisa de dormir em Hikkaduwa; a não ser que as praias de Hikkaduwa façam parte dos destinos que quer conhecer no Sri Lanka. Nesse caso, recomendo especialmente o Chami’s Place, para gente jovem e de espírito jovem (a minha escolha caso tivesse decidido ficar hospedado em Hikkaduwa); as Manthally Cabanas e o The Oasis Villa são outras escolhas fantásticas; finalmente, o The Residence Hikkaduwa é uma boa escolha para viajantes mais exigentes e com bolsas mais recheadas.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
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