Viver em Luanda | Entrevista com Raquel Oliveira

Por Filipe Morato Gomes
Fortaleza de São Miguel, em Luanda
Fortaleza de São Miguel, em Luanda

Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Luanda, a capital de Angola, pela mão da Raquel Oliveira. A Raquel tem 31 anos, é empresária e está a trabalhar e a viver em Luanda desde 2012. Desafiei-a a partilhar as suas experiências em Luanda; bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Luanda e conhecer um pouco melhor a capital angolana.

É um olhar diferente e mais rico sobre Luanda – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da cidade estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 71º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.

Luanda por quem lá vive: Raquel Oliveira

Morar em Luanda: Raquel
Raquel Oliveira, uma portuguesa a viver em Luanda há mais de uma década

Define Luanda numa palavra.

Bipolar.

Como é viver em Luanda? É uma boa cidade para morar?

Cheguei a Luanda em 2012. Vou para sempre recordar o calor que senti no rosto assim que saí do avião. Era de noite e as expectativas eram muito baixas e más. Todos me falavam do caos que era Luanda e o quanto eu (provavelmente) iria detestar.

Muitas histórias de situações feias e complexas, muitas histórias de falta de segurança, de falta de liberdade, de pobreza extrema, corrupção e falhas enormes naquilo que eram as oportunidades para os ricos e para os pobres.

Talvez pela expectativa ser tão baixa e por estar com tantas coisas menos positivas a preencher a cabeça, consegui ser muito surpreendida pela positiva (apesar de muitas das coisas irem de encontro às histórias que me chegaram, se calhar em proporções um tanto ou quanto exageradas em alguns aspetos)!

Ninguém me enfatizou nos seus discursos a beleza do povo. Os sorrisos, as festas, a música por todo lado. O calor que te facilita a vida, a fruta e os pratos nacionais/tradicionais, ou ainda a empatia de muitas pessoas em Luanda prontas para te ajudar quando precisas.

Também ninguém me contou o quão próximo conseguirias estar de pessoas que sentes ser intocáveis e ao mesmo tempo estar a conviver com o povo na sua essência e… ninguém me contou que para casar é preciso uma festa do pedido e todos os rituais incríveis que podem acontecer.

As expectativas foram superadas como nunca pensei e, em menos de duas semanas, estava já super adaptada à minha nova realidade de viver em Luanda, à minha nova casa.

E o que mais te marcou em Luanda?

A quantidade de pessoas que encontrei em Luanda foi o que mais me surpreendeu. Nunca tinha estado numa cidade tão populosa e era inacreditável a quantidade de pessoas que iam surgindo de um momento para o outro. Surreal! Muitas pessoas a pé, muitos carros, muitas pessoas a vender na rua, uma autêntica confusão.

Como caracterizas os angolanos?

Mulher angolana
Uma mulher angolana na província de Malanje

Há algumas diferenças, dependendo de província para província, mas são várias as características deste povo. Uma das características que mais me impressiona é o quanto são resilientes, confiantes e sempre prontos para a festa, ainda que a vida esteja uma desgraça. Outra das coisas que sinto – e que não é uma opinião unânime, mas é a minha! -, é que estão sempre prontos para te ajudar.

Que conselho darias a quem estiver a pensar viver em Luanda?

Pegando aqui um pouco numa resposta clichê, vir com a mente aberta. É essencial que as pessoas percebam que irão viver numa cidade onde habitam cerca de 16 milhões de habitantes, mas cujas infraestruturas não estão minimamente preparadas.

É importante preparar para a diferença social a que se assiste e também compreender que a cultura é muito diferente e não devemos impor a nossa. Assim sendo, se vierem com a mente aberta e prontos para abraçar a mudança, à partida, tudo correrá bem. Um mês é suficiente para perceberem se vão gostar de viver em Luanda.

Falemos de turismo. Vamos tentar fazer um roteiro de três dias na região de Luanda.

O turismo ainda não é algo muito desenvolvido em Angola. As infraestruturas são reduzidas, a população não está habituada a turistas nem a visitar o seu próprio país. Este panorama está a mudar e nos últimos anos tem melhorado imenso. Os próprios angolanos, devido ao COVID-19, passaram a viajar mais “cá dentro”.

Ao vir a Luanda, não podemos deixar de passear na Marginal, ir beber um sumo ou jantar na Ilha de Luanda. Comer um peixinho num quintal ou na Chicala é interessante; e visitar a Fortaleza de São Miguel deverá ser obrigatório. Sou defensora de que passear pela cidade, mesmo que de carro, e sentir o “gingar” do povo e o frenezim do dia a dia, é uma experiência para se ter em Luanda.

Veja também os artigos com um roteiro de viagem em Angola e sobre o que fazer em Luanda.

E como terminarias esta frase: “Não podem sair de Luanda sem…”

Sem comer um mufete, um prato típico angolano. É o meu preferido, portanto, ninguém deve deixar esta cidade sem provar um mufete.

Cabo Ledo, a cerca de 100km de Luanda, tem mesmo as melhores praias de Angola?

Não diria as melhores, mas tem das melhores e mais completas praias de Angola. É um dos meus lugares preferidos. O areal é imenso, há espaço para todos. A água é super transparente e quentinha fora do cacimbo (para quem está habituado às praias do Norte de Portugal, até no Cacimbo a água aqui é boa, pois a temperatura consegue ser superior às praias de Portugal no verão).

Hoje em dia, tem uma infraestrutura bastante completa, com resorts, restaurantes e um “bar na praia”. No entanto, sou ainda do tempo em que passávamos a noite na Praia dos Surfistas completamente selvagem e sem ninguém.

Por agora, o turismo em Angola ainda é pouco divulgado. Queres partilhar outros locais do país que recomendes os viajantes a conhecerem?

Sou muito apaixonada por Angola e na página que tenho com o Fábio no Instagram damos imensas dicas porque queremos que as pessoas viagem e efetivamente percebam o potencial que este país tem. Dos países mais completos onde estive até agora, temos cidade, deserto, savana, selva, praias… Não dá para pedir mais!

Sugiro parar no Miradouro da Lua a caminho de Cabo Ledo, ir em direção a Benguela, aproveitar o Lodge Kapembawe, descer pela Lucira em direção ao Namibe, parar na Praia do Soba e visitar as piscinas naturais do Piambo.

Quedas de Calandula, Angola
Quedas de Calandula, Angola

Dormir no deserto é uma experiência fenomenal que todos deveriam ter e, apesar de não dar para realizar tudo em duas semanas, a Baía dos Tigres é outro dos lugares a visitar em Angola.

Começando a subir, temos Lubango, onde podemos ver e “rasgar” a Serra da Leba; bem como apreciar o pôr-do-sol na Fenda da Tundavala. São ambos pontos de referência em Angola. Mais a Norte, a visita obrigatória à quedas de Calandula, antigas quedas do Duque de Bragança.

Dito isto, há milhares de coisas para ver e fazer em Angola, desde que se goste de aventura, de Natureza e belas paisagens.

A esse respeito, sei que tens um novo projeto na manga. Fala-nos disso.

É verdade! Temos agora uma agência de turismo em Portugal, a Triskelion Expeditions. É um projeto que está ainda só no começo mas que inevitavelmente passará muito por Angola. Para além de todos os outros países, teremos vários pacotes para visita a este país incrível. Um dos objetivos pessoais é impulsionar o turismo nesta que é a minha segunda casa. E começamos já com o primeiro grupo em janeiro 2024, numa viagem mais voltada para a zona Norte de Angola.

Estando a viver em Luanda, tens alguma recomendação especial a fazer aos viajantes?

Sim! Seja para visitar Angola ou para viver em Luanda, não descurem a compra de um bom seguro de viagem e a marcação de uma consulta do viajante. Por vezes pensamos que apenas acontece aos outros, mas as coisas não funcionam dessa forma.

Não existe uma rede de transportes públicos espetacular, portanto, é necessário ter a certeza de que a parte da locomoção está bem alinhada com o plano de viagem.

Na capital Luanda não devem andar a pé no meio dos bairros, principalmente com os telemóveis ou as câmaras fotográficas. Dependendo da localização, e até por ser a capital, pode haver riscos de roubo de circunstância. Mas fora de Luanda é um mundo à parte, muito mais tranquilo.

Evitar conduzir durante a noite e aproveitar o máximo possível dos contactos que se tem no lugar, de forma a estar sempre orientado.

E, claro, nunca beber água das torneiras.

A capital angolana foi presença habitual nas listas de cidades mais caras do mundo. Que dicas tens para se poupar dinheiro em Luanda?

Isto de ser a cidade mais cara do mundo, depende muito. Como em todos os lugares, temos que saber como nos mover e o que queremos da nossa viagem. Se queremos algo em low budget, ficar em casas de conhecidos é uma opção – há sempre o primo, tio, amigo do amigo que está a viver em Luanda.

Recomendo comer sempre em sítios mais baratos, nomeadamente tasquinhas de rua. Mas sempre tendo atenção ao que se pede, deve estar tudo bem cozinhado.

Atualmente, há restaurantes em Luanda muito bons, onde se consegue comer um almoço por menos de 10€. E abusar nas sopas é sempre uma boa forma de poupar dinheiro.

Compra as frutas na rua, literalmente na rua, na beira da estrada há sempre senhoras a vender. É bem mais barato!

Convive com as pessoas do local e vais perceber onde são os melhores lugares para comprar a água ou até aquela bebida extra fresquinha.

Em que bairro aconselhas a procurar hotel em Luanda?

Luanda tem vários hotéis de qualidade muito aceitável, mas na sua generalidade são caros. Sugeria que se procurasse algo na zona de Talatona. Existem opções para pernoitar bastante em conta.

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Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Luanda?

Já falei do mufete, que é o meu preferido. Nada mais é que peixe grelhado com feijão de óleo de palma, batata doce, mandioca e banana pão. Um manjar dos Deuses. Depois têm também o famoso calulu (de peixe ou de carne seca), o funge e os catatos (são larvas, e não é uma iguaria para todos).

À parte disto, para que se saiba, existe todo o tipo de gastronomia em Luanda: Italiana, Japonesa, Chinesa, Coreana, Etíope, Mexicana, enfim, de tudo um pouco. E Portuguesa, claro.

Imagina que queremos experimentar comidas locais. Onde vamos jantar?

Existem alguns “quintais” onde se pode comer bem e barato em Luanda, mas não deixa de ser a capital e consequentemente os preços vão ficando sempre mais elevados. Mas é possível ir à Chicala comer mufete ou ainda ao Quintal da Tia Guida, ao La Vigia. Depois, para os mais corajosos, há várias barraquinhas nas ruas a vender também comida ou o famoso “pincho”, uma espécie de espetada de carne.

Ao jantar não é aconselhável andar pela rua nessas barraquinhas, mas nos restaurantes não há problema.

Escolhe um café e um museu em Luanda.

Angola não tem muitos museus, mas a Fortaleza de São Miguel é sem dúvida o meu preferido por tudo o que tem de história – e pela sua localização.

As pastelarias/cafés aqui por Luanda são muito voltadas para a cultura portuguesa. Em Angola o pequeno-almoço tradicional é sopa de feijão com pão, mas temos o Café Paris e as Delícias de Paris, que não são sítios baratos mas têm um bom pequeno-almoço!

E o que sugeres a quem queira sair à noite?

Não sou muito de sair à noite, mas dizem que neste momento o que “está a bater” é o Club S, que fica junto ao embarcadouro Kapossoca, um dos locais onde se apanham os barcos para realizar a travessia para o Mussulo.

Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras em Luanda? E o que comprar?

Luanda é um país maioritariamente importador. Sugiro que comprem artesanato. Há peças incríveis e que valem muito a pena. Há um mercado de artesanato enorme para se perderem e comprarem muitas lembranças.

Também levo sempre ginguba torrada (como chamamos ao amendoim aqui em Luanda), doces de coco, paracuca e castanha de caju. Outra coisa também que levo para quem gosta de pôr na feijoada é farinha de pau (farinha de mandioca).

Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Luanda.

Havia um sítio muito foleiro por fora e na sua decoração chamado Papá Machado. Vendia umas fahitas deliciosas e adorava ir lá. Não me consigo lembrar a última vez que fui e provavelmente foi bem antes do COVID. Agora, não tenho nenhum segredo ou lugar especial. Sou uma pessoa difícil neste tipo de escolhas. Adoro dezenas de lugares com a mesma intensidade e consigo tirar o mesmo prazer de comer ou estar em vários lugares distintos. Pela diversidade que existe é mesmo muito difícil escolher.

Obrigado, Raquel. Vemo-nos quando visitar Luanda.

Guia prático

Como chegar a Luanda

A forma mais eficiente de viajar entre Portugal e Angola é usando os voos diretos da TAP de Lisboa ou Porto. Para mim, é uma opção muito melhor, a todos os níveis, do que a sua concorrente angolana.

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Onde ficar em Luanda

Antes de mais, veja o artigo sobre onde ficar em Luanda, onde explico as vantagens e desvantagens de cada bairro, bem como indico alguns dos melhores hotéis para pernoitar na capital angolana.

Em jeito de resumo, o hotel mais conceituado de Luanda é, provavelmente, o EPIC SANA, muito procurado pelos viajantes em negócios. Trata-se de um cinco estrelas muito bom, localizado no coração da cidade; mas que, infelizmente, não é um hotel barato. Se o orçamento não for problema, pode muito bem ser o melhor hotel onde ficar em Luanda. Alternativamente, o RK Suite Hotel é uma unidade hoteleira moderna e confortável.

Num registo mais intimista, as guesthouses Casas de Luanda – GH Miramar e Casas de Luanda – GH Kinaxixe são também ótimas opções. Para outras alternativas de hospedagem em Luanda, use o link abaixo.

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Seguro de viagem

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Leia os relatos de outros Portugueses pelo Mundo - os seus testemunhos sobre viver no estrangeiro são de uma riqueza extraordinária.

Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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