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E assim foi, na Tailândia (Eurasia #34)

Por Rafael Polónia e Tanya Ruivo

E assim foi, na Tailândia

Dos encontros em praias paradisíacas com amigos que há muito não víamos, às pedaladas por entre o caos organizado de Bangkok, partimos à descoberta de Portugal em Ayutthaya, onde chegámos há 500 anos. Percorremos estradas secundárias em busca de templos khmer e deliciámo-nos, mais uma vez, com os sorrisos e a simpatia do povo tailandês.

E a Tailândia já acabou, tão rapidamente como começou. Para trás, fica um país que se nos revelou demasiado ocidentalizado, ou não fosse a sua principal fonte de rendimento o turismo, mas onde os sorrisos e a simpatia não deixaram nunca de aparecer, onde os cumprimentos, os agradecimentos e a gentileza nunca deixou de estar presente, mesmo que entrássemos somente para “olhar”. O turismo moldou o país e transformou-o numa europa tropical, onde tudo é de fácil acesso, onde viajar é das coisas mais simples que existem, onde se encontra de tudo para todos os gostos.

Foi logo o que notámos na nossa entrada no comboio, divinamente limpo, com um empregado a indicar-nos o lugar, a fazer-nos a cama mais tarde e a acordar-nos de manhã, dizendo que estávamos quase a chegar ao nosso destino. Dali, entrámos num autocarro, já à nossa espera, que nos levou a outro autocarro, que nos levou a um barco que nos transportou até meio caminho, onde outro barco, cada um vindo de um diferente hotel, nos apanhou e nos levou para o hotel por nós reservado por uma noite. Acabámos por ficar seis!

Encontro em Koh Jum com os Pikitins
Encontro em Koh Jum com os “Pikitims”

O que nos trouxe a esta longa travessia de mais de 20 horas, foram dois encontros que muito ansiávamos: rever o nosso casal de amigos ingleses, de quem nos tínhamos despedido seis meses antes em Kashgar, na China, e com quem pedalámos em quatro países diferentes e um casal de portugueses que havia começado há duas semanas a sua aventura à volta do mundo em família, por um ano, com a sua filha, a Pikitim. Não sabíamos se os encontraríamos, pois havíamos perdido contacto com ambos uns dias antes. No entanto, duma coisa sabíamos: uns já estavam na ilha e nem que fossemos de hotel em hotel ver quem tinha entrado – que foi basicamente o que fizemos – os encontraríamos. Os outros chegariam num daqueles dias e encontrar-nos-iam com toda a certeza, pois a ilha não era assim tão grande!

Foi depois de um banho que começámos a nossa cruzada praia fora em busca do Sam e da Frank que encontrámos três hotéis à frente e os abraços, os gritos, as histórias, encadeadas umas nas outras, desenrolaram-se numa sequência inacreditável! Com o Filipe, a Luísa e a Inês “Pikitim”, encontrámo-nos dois dias depois, quando o nosso telemóvel tocou e do outro lado uma voz nos disse: “Onde estão, pá? Nós estamos em Ko Jum!”.

Meia hora depois, já novos abraços se davam, novas histórias se contavam, discussões se tinha, com a pequena Pikitim ainda desconfiada destes quatro novos amigos, mas que depressa os adoptou como seus, para sempre! Os dias seguintes, foram passados entre a mesa, a areia e a água azul-turquesa, que mais nada existia para se fazer ali, e também não existia em nós nenhuma vontade para isso! Férias! Ponto!

Long Beach, em Koh Jum
Long Beach, em Koh Jum

Depois das despedidas, ficámos nós sozinhos, por mais uns dias até que, também nós, dissemos adeus a esta ilha. Teríamos de regressar a Bangkok, arranjar as bicicletas, tirar vistos, prever os próximos países, as próximas paragens, os trajectos e claro, experimentar tudo o que a gigantesca capital tailandesa tinha para nos oferecer.

Passámos em Bangkok mais de uma semana e mais uma vez fiquei com a sensação que existem estereótipos na comunidade de viajantes “alternativos” que me chateiam terrivelmente e um deles é, sem dúvida alguma, dizer-se que não se gosta de grandes cidades, Bangkok neste caso, porque é muito ocidentalizada, muito fácil, muito moderna e tem muito turismo. E então? Tem milhares de coisas para se fazer, para ver e muito, mas muito facilmente conseguimos fugir desta e daquela rua mais movimentada e calcar o trilho. No entanto, no trilho, quando por lá se caminha, não se encontra ninguém, porque é mais “difícil” de pedir coisas, de explicar, de comunicar e é melhor ficar na rua mais… movimentada. Bangkok foi, para nós, um sítio onde nos deu imenso prazer estar. Em duas palavras: adorámos Bangkok!

Depois de três dias à espera do visto para o Vietname, de tempestades tropicais que deixavam as ruas intransitáveis em cinco minutos, de muitas caminhadas por entre as pequenas ruelas de Chinatown, de nos deliciarmos com panquecas, sopas, massas, crepes, sumos de fruta e café ou chocolate gelado, pedalámos na confusão organizada da capital, por entre shoppings uns atrás dos outros, e deixámos os nossos passaportes, desta vez, na embaixada da China.

Não podíamos esperar mais tempo e teríamos de seguir caminho, no entanto aquele visto teria de ser tirado ali. Não queríamos pagar o visto para o mesmo dia, que o orçamento se nos rebentava pelas costuras e então a decisão foi seguir caminho e voltar quatro dias depois, de comboio, e levar os passaportes já com o visto nas suas páginas, a um preço mais acessível mas que, mesmo assim, quase nos descoseu as costuras!

Chinatown, em Banguecoque
Lanterna no bairro de Chinatown, em Bangkok

Chegámos a Ayutthaya, o destino mais esperado na Tailândia, por ter sido ali que, há quinhentos anos, os primeiros ocidentais chegaram. Em 1511, depois da conquista de Malaca, alguns barcos chegavam e faziam um acordo com os tailandeses, oferecendo a ajuda na guerra contra Burma, em troca do controlo de algum do comércio de especiarias e açúcar, de terra e da livre expressão religiosa. Dois anos depois, viviam já mais de três mil portugueses em Ayutthaya e o idioma internacional oficial era o português. Somente cem anos depois, chegaram os holandeses.

Ayutthaya é hoje um dos sítios pertencentes à lista de Património Mundial da Humanidade pela UNESCO e pedalar pelas suas ruas, visitar cada um dos seus monumentos de arquitectura khmer (a mesma que Angkor Wat, no Camboja) é um prazer difícil de explicar e um dos momentos mais altos desta viagem. Infelizmente, não podemos dizer o mesmo do espaço da antiga comunidade portuguesa na cidade que, depois das inundações que aterrorizaram a Tailândia por três meses, está totalmente destruída e abandonada. Foi com prazer, porém, que a visitámos, vendo o antigo cemitério e as ruínas da antiga igreja, uma das três que existiam. Em Bangkok, a igreja construída pelos portugueses que se mudaram de Ayutthaya anos mais tarde – um total de trinta famílias – está em excelentes condições.

Salto aos 13.000 quilómetros de viagem
Salto aos 13.000 quilómetros de viagem

Partimos em direção a este, pois entraríamos no Camboja pelo norte – a porta das traseiras, como lhe chamam – e aproveitámos para fazer pequenas visitas a alguns templos khmer, anteriores a Angkor Wat, situados na linha de fronteira. Uns em melhor estado que outros, foi uma boa introdução à arquitetura, à história e àquilo que encontraremos mais tarde no Camboja. Pelo caminho, os sorrisos iam-se sucedendo, a boa comida continuava a satisfazer-nos e tínhamos já os passaportes na mão, com o último visto que necessitaríamos, pois a partir dai, todos seriam tirados nas fronteiras… como deveriam ser todos.

À nossa frente, uma humidade e um calor infernais. O termómetro chegava facilmente aos 45°C, deixando-nos perceber que a partir dali não seria uma tarefa fácil. À nossa frente, uma placa em madeira esculpida dizia: “Welcome to Cambodja”.

O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.

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Rafael Polónia e Tanya Ruivo

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