Num país onde passámos apenas três semanas, tivemos dias em que nos imaginámos a viajar ali para sempre e dias em que os locais, alterados já pelos dólares, nos deixaram de tal maneira fora de nós que nos apetecia partir para a violência. O fim da viagem e o regresso a casa fazem-nos perceber que já chega, que é tempo de voltar… pela nossa sanidade mental.
Saímos do Vietname tão rapidamente que ficámos com a sensação que temos de voltar o mais rapidamente possível também. Estas três semanas fizeram-nos perceber a ideia má que alguns amigos têm do país e que nós, agora, entendemos na perfeição.
O Vietname é dividido numa espécie de dois mundos: aquele onde passam os turistas e aquele onde os turistas nunca passam. Aquele onde os turistas nunca passam, foi o pedaço maior da nossa “expedição” no país. Vindos do Laos pelo oeste, a primeira impressão do país fascinou-nos: pessoas sorridentes, simpáticas, sem nos enganarem nos preços que, reparávamos, eram os mesmos para nós e para os locais, ajudando-nos sempre que necessitávamos, oferecendo-nos chá – e há tanto tempo que não nos ofereciam chá! - soltando cumprimentos à nossa passagem.
Íamos parando nas pequenas terrinhas e arranjávamos sempre um sítio para dormir, num hotel baratucho, com meia dúzia de restaurantes que nos serviam boas quantidades de comida por preços quase simbólicos. Nunca comemos tão bem neste sudeste asiático como no Vietname. Depois, pela manhã, parávamos num mercado e comprávamos baguetes – e há tanto tempo que não encontrávamos pão! -, tofu, essa bomba proteínica vegetariana, diferentes vegetais para, aquando das nossas paragens, nos deliciarmos com sandes e saladas salgadas. Quando não tínhamos, porém, lá recorríamos ao leite condensado que, sem ser salgado, era a única coisa que existia nos supermercados capaz de rechear as nossas baguetes. Tudo correu como se do paraíso se tratasse até chegarmos a Ninh Binh.
Não que não tenhamos gostado. Ou melhor, confesso, da cidade não gostámos nada. Mas o que chama cada vez mais turistas a Ninh Binh é a paisagem que comparam a Halong Bay, mas em vez de ser no mar, é ver os picos rochosos elevarem-se dos campos de arroz e dos rios. De barco, podemos encontrar dois ou três diferentes sítios para percorrer esta paisagem, embora o menos conhecido e mais impressionante, ouvimos, seja Trang An, o nosso escolhido para visitar. Realmente bonito e a ver já, antes que o turismo de massas aterre aqui por completo.
Mas Ninh Binh tem já um hostel e hostel significa backpackers! Quando as cidades têm hotéis, ainda escapa, mas hostels significa turismo de mochila às costas e cafés a servir panquecas e pizzas e english breakfast e cerveja e ter uma agência de viagens associada e outra logo em frente no vizinho.
Primeira vez que nos sentámos num restaurante para o turista – nós! -, ficámos chocados com os preços para turista e mais chocados ficámos quando a comida nos chegou à mesa. Resultado? Levantámo-nos e fomos procurar outro restaurante deixando um “Não gozem connosco”, para trás.
Pedais para que te quero e entrámos na pior estrada do Vietname durante quarenta quilómetros, a A1. A repetir nunca mais e a pensar nela, grita-se. Destino? Halong Bay! Alguns amigos disseram-nos maravilhas. Outros, a maior parte, horrores. Que é uma desorganização completa, um ataque ao turista como nunca se viu, um abuso de preços, que está muito suja, que é uma barulheira, que vamos ficar completamente desiludidos. Nesta altura, é ver o Rafael e a Tanya a olharem um para o outro e a pesarem os prós e os contras: é uma das 7 Novas Maravilhas da Natureza, já vimos fotografias e impressiona, estamos no Vietname a uma centena de quilómetros do local, não perdemos nada e, como diz um americano que conhecemos nesta viagem: “Why Not?! – estas são as vantagens.
Vai ser um amontoado de barcos, turistas que nunca mais acabam, está um tempo que não vemos cinquenta metros à nossa frente, é muito caro, será que interessa mesmo? – estas, as desvantagens.
Conclusão: ver para crer!
Fomos e chegámos bem cedinho para encontrar um hotel barato. Logo no caminho, um rapaz de mota passou por nós e mesmo em andamento apresentou-nos logo o preço do seu hotel e deu-nos o cartão. Ainda não tínhamos chegado a Halong Bay, já a mota do irmão nos seguia! Lindo, nós que adoramos companhia! Não gostámos da “suite“e encontrámos um, numa rua que tem a maior concentração de camas por metro quadrado no Vietname, por 6 dólares a noite! Perfeito! No mesmo hotel comprámos a nossa viagem de barco para Halong Bay. Dormimos como anjinhos e, no dia seguinte, a carrinha que nos deveria apanhar chegou muito atrasada. Avante! Na entrada do barco, a minha máquina fotográfica teve um grave problema que me impossibilitou de tirar fotografias em condições – isto depois de, dois dias antes, o disco externo e o computador com todo o material de viagem dentro terem pifado!
Tudo a correr bem, mas o melhor ainda estava para vir: deram-nos um bilhete para uma viagem de 4 horas, quando comprámos de 6 horas. Nas caves para onde comprámos as entradas, não nos deixaram entrar, dizendo que não tínhamos acesso. Serviram-nos o almoço às 9h30 da manhã. Pagámos pelo aluguer de canoa e nunca a vimos. Vilas piscatórias, idem idem, aspas aspas.
Depois diziam-nos para sairmos do barco, mas não explicavam para quê. Então era ver-nos aos dois, meia hora à espera a olhar para o nada, porque ninguém sabia falar outra língua que não o vietnamita. Quando reclamámos, foram agressivos, disseram-nos para abandonarmos o barco e se quiséssemos ir para Halong – a cidade – outra vez, que alugássemos uma canoa e fossemos a remar. Quando chegámos a terra, no mesmo barco, claro está, não havia ninguém para nos levar ao hotel. Fomos à boleia. Chegados ao hotel, mas a festa ainda não havia terminado. Ficámos oito horas no hall de entrada à espera que chegasse alguém a quem nos queixarmos e que nos devolvessem o dinheiro. Por fim, conseguimos um acordo. Batalha ganha!
Afinal, os azares, não os levou o vento.
O Vietname, no entanto, saiu com nota muito positiva. Dois dias depois, fazíamos os últimos quilómetros que nos levariam à China, o último país desta viagem. Não estávamos tão emocionados como da primeira vez. Há quase um ano, com o casal inglês que pedalava connosco, chegar à China foi uma emoção. Desta vez, não. O fim da viagem talvez fosse o motivo principal. Se, por um lado, nos soa a estranho regressar, por outro estamos ansiosos por isso.
Sabíamos também que esta parte da China é feita de cidades horríveis, industriais, sem nada de interessante para ver e que, claro está, nos estávamos a encaminhar para o país onde a comunicação é mais difícil, a mímica não funciona e o sentido de boa-educação e higiene ainda está muito longe de ser aquele que existe num país desenvolvido. As nossas próximas mini férias seriam em Beihai, a cidade com crescimento mais acelerado no país. O aniversário da Tanya seria assim, comemorado, no país do sol nascente.
Macau nunca esteve tão perto. Setecentos quilómetros nos separam do fim da viagem. Tudo foi há tanto tempo, mas tudo parece ter passado num ápice. Macau!
*MITRAS – palavra de calão utilizada para descrever alguém que tem a mania que é mais esperto que os outros, que engana, que faz algo pela calada, que joga sujo.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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