Umas empanadas de carne inesquecíveis
Durante muito tempo, a única razão que encontrei para justificar uma visita a território chileno era a perspectiva de tomar uns bons copos de vinho. Na minha cabeça, o país não passava de um dos maiores produtores de vinho do mundo; tinha uma vaga ideia da gastronomia típica mas não sabia se valia a pena. Mesmo assim, decidi arriscar e incluir o Chile no roteiro da viagem Comer o Mundo, o que significava, entre outras coisas, que teria de escrever sobre este país nas crónicas no Expresso.
O percurso que ia fazer no Chile foi combinado com a direção da Revista, ainda antes da viagem começar e, apesar do risco de este país poder não ser minimamente interessante, confesso que não estava muito preocupado com isso. Havia sempre a parte da aventura: o que quer que acontecesse seria bom, e teríamos de improvisar. Quando, cerca de um mês antes de chegar ao Chile arranjei o contacto de um chefe chileno, não podia imaginar o quanto a minha vida ia mudar.
Era a minha última noite no México antes de seguir viagem para a Nicarágua, e comigo só estavam amigos portugueses. A conversa acabou por cair, inevitavelmente, na viagem que a Maria e eu estávamos a fazer e em tudo o que tinha acontecido até ali. Nessa noite, contudo, assumia contornos diferentes. Ali todos estávamos longe de casa: por trabalho, por gosto, por amor, durante mais ou menos tempo, não interessava. A emoção do encontro com outras culturas era vivida mais intensamente. Ali, mais do que todos falarmos a mesma língua, vivíamos dentro da mesma linguagem.
“Tenho a certeza de que o Alonso vai conseguir ajudar-vos”, disse-me o Bé a meio do jantar, quando perguntei se algum deles conhecia alguém no Chile. Na verdade, nem era suposto que o Bé ali estivesse; quis o destino que viajasse ao México em trabalho nessa semana. E ainda bem, porque no espaço de cinco minutos passei da perspetiva de uns bons copos de vinho chileno à garantia de conhecer um chefe de cozinha local. E, a partir daí, tudo podia acontecer. Nessa noite fiquei com o endereço eletrónico de Alonso Barraza e, no dia seguinte, enviei-lhe uma mensagem a marcar encontro com ele daí a pouco mais de um mês em Punta Arenas, a capital da Patagónia chilena. “El comienzo de vuestra aventura gastronomica en Chile”, como lhe chamou o Alonso.
Quando chegou ao Chile, em 1520, Fernão de Magalhães não podia imaginar que acabava de descobrir o fim do mundo. Ancorado no estreito que hoje tem o seu nome, avistou a sul o fumo que saía de fogueiras ateadas pelos nativos. Nascia a Terra do Fogo. A norte, encontrou pegadas de gigante, deixadas pelos índios tehuelches por andarem com os pés envoltos em várias camadas de pele de animais. A zona ficou conhecida como Patagónia, a terra dos patagões, os homens de patas grandes.
Já era noite cerrada quando alcancei a região mais a sul do planeta. A única coisa que consegui distinguir na altura foi o koshkil, o vento austral gelado que sopra sem piedade. A lembrar que estava mesmo junto às águas frias do Estreito de Magalhães onde se pesca grande parte da centolla patagonica, uma das maiores iguarias do Chile. Ainda não sabia que era essa a principal razão por que Alonso me tinha dito para vir até Punta Arenas.
Antigamente, os pescadores percorriam a cidade com carrinhos carregados de santola para vender; os magallanicos compravam e cozinhavam. Só que à medida que a procura mundial aumentou, o preço disparou e a quantidade disponível diminuiu. Para termos a possibilidade de ver santola fresca, Alonso mandou-nos ir até Barranco Amarillo, o terminal de pesca artesanal. “Gostava de poder ir convosco, mas não consigo mesmo”, disse-nos desanimado. Prometemos ligar-lhe se acontecesse alguma coisa emocionante, embora não estivéssemos muito confiantes.
“Nunca se sabe quando vão chegar, nem a que horas. Chegam a passar dez dias sem que um barco volte a terra”, disse-nos Marcelo quando lhe explicámos ao que vimos. “Não sei se vão ter sorte”, acrescentou o pescador, depois de me convidar a subir a bordo para tomar um café na cabine. E desviou a conversa: falámos sobre o frio que fazia lá fora, sobre a vida no mar e como eram os salários em Portugal.
Marcelo nunca tinha estado em território luso, mas não éramos os primeiros portugueses que conhecia. “Não sabíamos que apareciam aqui no porto assim tantos”, confessamos admirados. O pescador riu-se. “Não, não é isso. É que eu trabalhei em Moçambique na pesca do camarão, e comigo estavam muitos portugueses”, revelou. Perguntámos automaticamente onde. “Na Cidade da Beira, conhecem?” Como é que a Maria e eu poderíamos sequer imaginar que do outro lado do mundo íamos encontrar alguém que conhecia a nossa terra sagrada, que tinha pisado as mesmas ruas e provavelmente até, quem sabe, olhado as mesmas caras. Durante uns quantos segundos voltei à imagem da nossa adorada Dona Maria, aos projetos em que trabalhámos durante o ano de voluntariado na Beira, e comecei a contar a história a Marcelo.
Quando me despedi de Marcelo, ainda voltei a insistir na santola, mas a resposta foi a mesma. Não fazia ideia se poderia encontrar centollas àquela hora, mas confidenciou-me um segredo: se visse homens em traje de pesca a dormitar em algum convés, era sinal de que ainda não tinham descarregado a mercadoria. E aí, com certeza, ia haver santola, porque aquela era a época dela.
O pescador não resistiu a acompanhar-me de volta à entrada do terminal; aproveitou para explicar que as santolas viviam entre vinte e trinta metros de profundidade e mostrou-me as redes especiais utilizadas na apanha do crustáceo.
Foi assim que, por sorte, encontrei um porão cheio de centollas. Definitivamente, aquele era o meu dia de sorte. Em algumas horas, os mais de quinhentos quilos que acabavam de ser descarregados iam estar a caminho da Alemanha, só que, graças à amizade entre os homens do mar, Marcelo conseguiu que o capitão do barco lhe oferecesse uma santola. E convidou-nos para almoçar.
Empanadas à moda do Chile
Na América do Sul cada país tem a sua receita típica de empanadas. Quem já tiver ido à Argentina, aliás, decerto se lembrará das boas empanadas que aí se provam. A verdade é que a melhor que provei foi mesmo em território chileno.
Talvez tenha ajudado o facto de estar sentado na Piojera, uma das tascas mais antigas de Santiago, a beber um terremoto (uma mistura de vinho branco, licor e gelado de ananás) e a relembrar com o Alonso e com a minha Maria a experiência incrível que tínhamos vivido com Marcelo. Mas seja do que for, é essa empanada que guardo na memória. A receita que se segue aprendi-a com o meu amigo Alonso, que ando há que tempos a tentar convencer para me vir visitar a Portugal. Quando vier, podem ter a certeza de que lhe vou cravar para que me faça uma porque, pela mão dele, não sei porquê sabe-me ainda melhor!
Empanadas de carne – ingredientes
Para o guisado de carne
- Azeite
- 4 cebolas
- 6 dentes de alho
- 1 kg de carne de vaca picada
- Sal a gosto
- Pimenta a gosto
- 1 malagueta vermelha sem sementes, picada
- ½ c. de café de cominhos moídos
- 1 c. de sopa de farinha
- 1 chávena de caldo de galinha
- 2oo g de passas
- ½ chávena de azeitonas pretas, picadas
- 3 ovos cozidos, picados
Para a massa das empanadas
- 1 kg de farinha
- 250 g de manteiga derretida
- 1 ovo
- 1 c. de chá de sal
- 1 chávena e ½ de água morna
- 100 ml de leite
- 2 ovos
Preparação
Prepare o guisado de carne: faça um refogado com o azeite, a cebola e o alho. Quando a cebola estiver translúcida, adicione a carne picada e tempere com o sal, a pimenta, a malagueta e os cominhos. Cozinhe em lume médio durante 10 minutos; junte a farinha e o caldo de galinha, deixando cozinhar durante mais 10 minutos. O molho deve ficar espesso, mas sem engrossar demasiado. Retire do lume e acrescente as passas, as azeitonas pretas e os pedaços de ovo cozido.
Enquanto a carne cozinha, prepare a massa das empanadas: misture a farinha com a manteiga derretida, o ovo, o sal e a água morna. Amasse bem até obter uma mistura homogénea. Divida a massa em pequenas bolas e estenda-as até obter “discos” com o diâmetro de um prato de sobremesa e aproximadamente meio centímetro de espessura.
Numa das extremidades, coloque um pouco da mistura do recheio e dobre a massa em forma de rissol; humedeça com água as extremidades da massa para que esta agarre melhor. Repita o processo com o resto da massa e do recheio. Depois, misture muito bem o leite e os ovos, e pincele as empanadas com a mistura. Leve-as ao forno a 180ºC durante 20 a 30 minutos, até a massa ficar bem dourada.
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