Farofa matuta, Brasil

Por Kiko Martins
Farofa matuta
Preparando farofa matuta

O «Brasil brasileiro» tem de ter farofa

O barco avançava devagar, saboreando cada minuto com serenidade e muito respeito, como se fosse a primeira vez que percorria aquelas águas. Há três dias que viajava no maior rio do mundo e à minha volta o ce­nário mudou pouco: água barrenta e mar­gens de floresta densa, aqui e ali aldeias erguidas sobre palafitas, desligadas do resto do mundo.

De vez em quando, gru­pos de crianças remavam apressadamente em pequenas canoas para ver de perto aquele que parecia ser o acontecimento do dia: a passagem do navio que liga Belém a Manaus, a capital do estado do Ama­zonas, a porta de entrada na fascinante Amazónia. Pelo caminho, passei por Óbidos, Santarém, Alenquer, Almeirim e Porto de Mós, povoações ribeirinhas que me lembraram a herança portuguesa.

Há quatro anos, quando estive no Brasil, já não se encontravam índios em Manaus. A cidade era como tantas outras. Grande, desorganizada e bastante poluí­da. Bem dentro do pulmão do mundo, o berço daquela que é considerada a primeira co­zinha do Brasil, a dos índios. À primeira vista, há que dizê-lo, passava totalmente despercebida e só quando entrei no mercado é que per­cebi que aquele ainda era um mundo gas­tronómico à parte. Afinal, no Amazonas vivem mais de mil e duzentas espécies de peixe.

Mandioca à venda num mercado
Banca de mandioca à venda num mercado

Ouvi nomes tão estranhos como pirarucu, jaraqui, pacu e tamuatá mas o mais intrigante é sem dúvida a cos­tela de tambaqui, de aspeto semelhante a uma costeleta de porco, mas com as co­res características dos seres que habitam o meio aquático. Jucilei, um dos vendedores, explicou-me que é a parte mais sa­borosa e também a mais cara. Pelo facto de ter espinhas que mais parecem ossos, bem fáceis de identificar, é um pedaço de peixe que normalmente fica para os mais novos.

Acompanha sempre com a insubs­tituível farinha de água preparada a par­tir da mandioca, que é conhecida como o pão dos trópicos. Uma necessidade tão vital quanto a água, porque sem farinha o amazonense não sobrevive.

A mandioca é um produto tão versátil que os índios conseguiram descobrir uma forma de a transformar em farinha, tapioca e pol­vilho, bem como de extrair o molho de tucupi ou aproveitar as suas folhas para preparar maniçoba. Em Manaus descobri que há, na verdade, dois tipos diferentes de man­dioca: a macaxeira e a mandioca brava, a mais utilizada nesta parte do país mas completamente desconhecida no resto do Brasil. Normalmente, espreme-se bem a fibra da mandioca brava e deixa­-se o líquido repousar até que o amido se separe. É esta goma que se utiliza para preparar tapioca.

O líquido serve para preparar o famoso tucupi, um cal­do que tem de cozer por mais de sete dias para que o veneno da raiz de man­dioca brava deixe de fazer efeito. A fibra que fica depois de espremer é utilizada para preparar a abençoada farinha.

Farinha de mandioca
Farinha de mandioca

Em meados do século XIX, o naturalista in­glês Alfred Russel Wallace encontrou um índio que estivera dez dias perdido na floresta e quase morrera de fome. Wallace perguntou-lhe porque não ten­tara a sorte na pesca ou na caça. O índio respondeu que isso seria inútil. E que, de qualquer modo, não valeria a pena porque não tinha farinha. Ao que pare­ce, ainda hoje é assim.

Farofa matuta

A mandioca desempenha um papel muito importante na alimentação brasileira. A farofa é um dos muitos petiscos pre­parados a partir da mandioca e combina bem com quase todos os pratos, sejam eles de carne ou de peixe.

Ingredientes

  • 50 g de bacon picado
  • 4 c. de sopa de manteiga
  • 1 cebola picada
  • 1 malagueta picada
  • Sal a gosto
  • ½ kg de farinha de mandioca
  • 1 mão-cheia de coentros picados

Preparação

Numa frigideira anti-aderente bem quente, frite o bacon até que solte alguma gordura. Nessa altura, reduza o lume para o mínimo, junte a manteiga e a cebola e deixe cozinhar até a cebola ficar translúcida. Adicione então a malagueta picada e tempere com sal. Depois, junte a farinha de mandioca e deixe dourar bem. Quando a farinha estiver no ponto, retire do lume e junte os coentros picados.

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Kiko Martins

Kiko Martins

Cozinheiro e viajante e um dos professores da Chefs' Academy. Já deu uma volta ao mundo gastronómica, é casado, tem dois filhos e está à frente das cozinhas d'O Talho e d'A Cevicheria. Gosta de estar à mesa, ainda mais a beber pisco sour.

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