Ilhas Dálmatas, viagem com perfume a alfazema

Por Filipe Morato Gomes
Baía de Korcula
Baía de Korcula

Navegando entre as históricas cidades de Split e Dubrovnik, na Croácia, embarcámos numa viagem marítima pelo Adriático com paragem nas perfumadas ilhas Dálmatas de Hvar, Korcula e Mljet. Rendemo-nos à arquitectura medieval dos povoados, aos belos campos de alfazema, à alegria de um povo jovem e bonito e, claro, à transparência inigualável das águas do Adriático. Um roteiro de viagem à Dalmácia offshore.

As povoações medievais e águas translúcidas da Dalmácia

A região da Dalmácia continua na moda entre os viajantes europeus. A começar pela sua costa, uma faixa litoral com 375 quilómetros de extensão de uma beleza cativante, que alberga povoações medievais com centros históricos transformados em museus a céu aberto – Trogir é dos mais preciosos exemplos -, noites animadas e, não menos importante, um ameno e convidativo clima.

E isto para não falar da inevitável Dubrovnik, a mais famosa jóia urbana de toda a região dos Balcãs, ou das praias croatas, que, embora sem os areais extensos do nordeste brasileiro ou das Caraíbas, oferecem as águas mais translúcidas da Europa a uma temperatura verdadeiramente irrecusável.

Vista da monumental praça central de Hvar Town, ilha Hvar
Vista da monumental praça central de Hvar Town, ilha Hvar

Ora, apesar de todas as qualidades do litoral continental da Dalmácia, é no entanto offshore que se localizam as maiores surpresas da região. Ilhas. Muitas ilhas. Com perfume a alfazema, atmosfera medieval e animação garantida, em povoações que nada ficam a dever a locais mais populares do país.

Estando na histórica cidade de Split, uma viagem até à martirizada mas monumental Dubrovnik pode demorar não mais de um par de horas, por estrada, ao longo de uma costa bela e pedregosa que beija as águas mornas do Adriático. Mas pode também estender-se por vários dias, quiçá semanas, se as instruções do GPS forem ignoradas e o viajante optar pelo caminho mais longo, improvável e aventureiro: o mar. Foi o que fizemos. Porque nem sempre o caminho mais curto é o mais bonito e agradável.

O plano consistia em zarpar de Split a bordo de um ferryboat de transporte público de passageiros, atracar o tempo necessário nas ilhas Dálmatas de Hvar, Korcula e Mljet e, no final, conhecer a extraordinária e martirizada cidade de Dubrovnik, a tal que o britânico Lord Byron apelidou de “pérola do Adriático”. Embarquemos, pois, em direcção a Dubrovnik, mas com os olhos postos nas ilhas Dálmatas.

Ilha Hvar, a “Madeira da Croácia”

Chamam-lhe a “Madeira da Croácia”, em jeito de elogio às características naturais de Hvar que fazem lembrar a ilha portuguesa, à hospitalidade com que as suas gentes recebem os visitantes e às boas infra-estruturas turísticas ali existentes.

É também com indisfarçável orgulho que os seus habitantes afirmam, alto e bom som, que Hvar é o lugar com mais dias de sol entre todas as ilhas da Croácia.

As águas transparentes do Adriático são um dos principais atractivos de Hvar
As águas transparentes do Adriático são um dos principais atractivos de Hvar

Ora, juntando tudo isso à belíssima arquitectura medieval das povoações Vrboska, Stari Grad e Hvar – a maior localidade da ilha e a própria ilha partilham o mesmo nome -, ao inconfundível lilás dos campos de alfazema e seu penetrante odor, a uma ou outra praia digna desse nome existente ao longo da pedregosa faixa litoral da ilha, à temperatura da água do mar que desafia constantemente o viajante, às noites animadas com bares junto ao porto em espaços ao ar livre, boa música e o calor humano dos croatas e dos vizinhos italianos – como o célebre e dispendioso bar CarpeDiem -, e estarão elencados alguns dos principais ingredientes para uma receita turística de sucesso.

Hvar é um lugar autêntico. Numa época em que a Internet está a mudar radicalmente a forma como planeamos as viagens e reservamos o alojamento, o quotidiano de alguns habitantes de Hvar é ainda preenchido com actividades como esperar pacientemente pela chegada dos turistas.

É, aliás, com inquestionável persistência que dezenas de simpáticas mulheres de idade avançada e ar campestre esperam pelos viajantes no local de desembarque dos ferries, com inscrições de que há Rooms para alugar em cartazes de ocasião, empurrando e digladiando-se numa contenda sem tréguas pela atenção dos forasteiros.

Uma pressão que, admito, pode até ser incomodativa aos olhos de viajantes menos acostumados; ou apenas um momento de autenticidade num sítio que, apesar dos benefícios do turismo, não sucumbiu ainda às cosméticas de fachada que, noutras partes do globo, vão descaracterizando os lugares em prol do chamado progresso.

Uma mulher passa defronte de uma igreja no centro histórico de Stari Grad, a cidade velha, na ilha Hvar
Uma mulher passa defronte de uma igreja no centro histórico de Stari Grad, a cidade velha, na ilha Hvar

Por instantes, ao atracar na medieval Hvar, uma cidadezinha com ruelas de mármore totalmente pedestres envoltas em muralhas do século XIII e pouco mais de 4.500 habitantes, lembrei-me de viagens passadas a Myanmar, ao Camboja, ao Vietname e ao Laos, a muitas paragens em cidadezinhas asiáticas onde a chegada de turistas é um acontecimento.

Com a bênção da Mãe Natureza e circunstâncias históricas favoráveis, não reste a menor dúvida de que a ilha Hvar é um dos mais fascinantes pedaços de terra banhados pelas águas do Mar Adriático. Desde os primeiros sinais de presença humana até aos nossos dias, Hvar beneficiou de prestimosas influências de diferentes civilizações – influências helénicas, romanas, renascentistas, barrocas – e é precisamente essa ilha de cheiros e sensações que urge percorrer.

Seja a pé ao longo de um extenso calçadão que serpenteia o litoral entre o porto de Hvar e uma das mais concorridas praias da ilha, localizada numa pequena baía com um areal invulgarmente extenso para os padrões locais e vista para o ilhéu Pokonji Dol e seu farol altaneiro.

Ou num autocarro de passageiros a caminho de Stari Grad ou Vrboska, outros interessantes povoados da ilha, numa viagem onde os campos de alfazema inundam o ar de odores estonteantes.

Li uma vez que da ilha Hvar emana “um aroma tangível combinando alfazema, alecrim, mirtilo, tomilho e outras incontáveis ervas aromáticas que despontam do seu solo, fazendo dela o maior jardim botânico do Mediterrâneo”. Pode até ser um exagero linguístico de quem se tenha encantado pelas paisagens, sabores e cheiros de Hvar mas, seja como for, de uma coisa não restem dúvidas: respira-se um ambiente maravilhoso na ilha. E não falo apenas do perfume a alfazema.

Korcula, ao encontro de Marco Polo

É pouco provável que seja verdade, mas os habitantes de Korcula gostam de afirmar que Marco Polo, o comerciante veneziano famoso pelas suas viagens e livros daí resultantes nasceu na ilha. Uma teoria inverosímil e pouco sustentada em documentação credível mas, ainda assim, o suficiente para gerar todo um negócio em torno dessa remota possibilidade.

Korcula, Croácia
Korcula, Croácia

A casa onde Marco Polo teria nascido, por exemplo, está transformada em local de peregrinação turística, num museu que vive não tanto do seu conteúdo mas sim da hipótese remota de tão ilustre personagem ali ter, simplesmente, nascido.

É que Marco Polo é considerado um dos grandes viajantes da história. Entre outras viagens pelo mundo, é tido como um dos primeiros europeus a viajar pela famosa Rota da Seda, a importantíssima rota comercial terrestre que unia o Médio Oriente à China, corria o longínquo século XIII. A paternidade de Marco Polo é, por todas as razões, garantia de muitos visitantes curiosos. E o marketing funciona.

Muitas das pessoas que visitam a ilha fazem-no atraídas pela pretensa ligação histórica entre Marco Polo e Korcula. Há operadores turísticos com o nome do comerciante-escritor, lojas que vendem os inevitáveis souvenirs vincando a ligação de sangue entre Korcula e Marco Polo, um hotel Marco Polo, uma marca de vinho Marco Polo e até um festival de música com o mesmo nome.

Mesmo que Veneza seja o mais que provável berço do viajante – talvez nunca se saiba com absoluta certeza -, o marketing turístico de Korcula joga na dúvida. Exageros à parte, vale em todo o caso a pena subir à torre da casa-museu, onde uma arrebatadora vista panorâmica sobre Korcula aguarda o visitante.

Do ponto de vista arquitectónico, a cidade de Korcula é muitas vezes referida como a “pequena Dubrovnik”. Ora, esse é um elogio do tamanho do mundo.

Protegida por uma muralha circular monumental e torres defensivas, toda a cidade de Korcula foi pensada para proteger os habitantes dos ventos fortes que assolam a península onde está instalada.

O seu centro histórico apresenta-se, assim, compacto, com ruelas estreitas e íngremes ladeadas de casas de pedra e praças intimistas. Um local onde caminhar sem destino pelas labirínticas ruelas é um verdadeiro prazer.

No resto da ilha, o cenário é um pouco distinto e, à parte Vela Luka, localizada na extremidade oposta da ilha comprida e estreita, os aglomerados urbanos dão lugar a colinas pedregosas, campos verdejantes e vinhedos. E ainda bem. Um aforismo francês diz que “um dia sem vinho é como um dia sem sol” e, em Korcula, bem se pode dizer que tal frase se aplica na perfeição. Sol e vinhas sempre estiveram interligados na história de Korcula.

A região recebe mais de 300 dias de sol por ano, especialmente no extremo leste da ilha, na região da Lumbarda, onde se produzem alguns dos melhores brancos da Croácia, encorpados e saborosos. Como o Grk.

Com um delicado copo na mão, meio cheio de um vinho branco adocicado, sentei-me por fim numa esplanada até que os últimos raios de um sol alaranjado e forte se escondessem para lá do horizonte. Haverá forma melhor de se despedir de Korcula?

Florestas e lagos na ilha Mljet

Com três quartos do seu território coberto por floresta mediterrânica, a ilha Mljet é considerada por muitos como a mais sedutora de todas as ilhas do Adriático.

Parque Natural de Mjlet
Parque Natural de Mljet

No resto da ilha, pontificam campos de cultivo, as inevitáveis vinhas e pequeníssimas povoações como Sobra, Pomena, Govedjari, Saplunara e Babino Polje, mas é o parque natural, localizado na parte verdejante da ilha com os seus dois belos lagos de água salgada – Veliko Jezero e Malo Jezero (literalmente grande e pequeno lago) – que atrai os viajantes.

Manda a verdade dizer que, apesar de mais próximo da ilha de Korcula, o Parque Natural de Mljet é mais facilmente atingível por conta própria a partir de Dubrovnik do que de Korcula, uma vez que os ferries com origem em Korcula são menos frequentes e, além disso, atracam na povoação de Sobra em vez de o fazerem em Polace, uma povoação localizada nas imediações do parque. É, ainda assim, possível.

Uma vez chegados à pequena Polace, há então duas formas de visitar o Parque Natural de Mljet: a pé ou de bicicleta, sendo a forma mais comum, naturalmente, a pé.

Após um pequeno minibus cortesia dos serviços florestais, a descoberta do parque teve início com uma viagem de barco até à minúscula ilha Melita, localizada no lago Veliko, onde pontifica um mosteiro beneditino do século XII.

É o local preferido entre os turistas e muitos aproveitam para passar um bom par de horas por ali, tomando banho, almoçando no único restaurante existente, caminhando por curtos trilhos bem marcados e respirando o ar puro das florestas de Mljet, ou visitando o mosteiro propriamente dito.

De regresso ao exterior do lago, prosseguimos caminhando ao longo das margens até à povoação de Pomena, deixando a circunscrição do lago para depois de uma refrescante bebida e um merecido descanso. Dubrovnik estava já à vista…

Cidade velha de Korcula, Croácia
Cidade velha de Korcula, Croácia
Turistas desfrutando das águas cristalinas do Adriático, ilha Hvar
Turistas desfrutando das águas cristalinas do Adriático, ilha Hvar

Guia de viagens às ilhas Dálmatas

Este é um guia prático para viagens às ilhas croatas de Hvar, Korcula e Mljet, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis da região e sugestões de atividades nas ilhas.

Quando ir

De meados de Julho até meados de Setembro as ilhas Korcula e Hvar recebem um número muito elevado de turistas e, tendo em conta a sua reduzida dimensão, os preços sobem e a tranquilidade escasseia. Aconselha-se, pois, os períodos imediatamente antes e depois dessa janela temporal, quando as condições meteorológicas são agradáveis e o número de turistas suportável.

Como chegar a Hvar

A TAP voa para Zagreb por menos de 300 €, de onde se pode alugar um carro ou voar para Split com a Croatia Airlines. A partir de Split, a Jadrolinja, principal companhia de transporte marítimo da Croácia, possui ferryboats para viaturas e passageiros que atracam em Stari Grad (ilha Hvar), e catamarãs somente para passageiros que vão directamente para a povoação de Hvar. Não tendo automóvel alugado, esta última é melhor opção. Os horários variam consoante a época do ano, pelo que é aconselhável consultar o posto de venda de bilhetes da Jadrolinja no porto de Split para saber os dias e horários exactos de saída.

Pesquisar voos

Onde ficar

Durante os meses de Julho e Agosto o alojamento torna-se escasso em Hvar, pelo que vale a pena tentar reservar um quarto com antecedência, via Internet ou telefone. Se luxo é o que pretende, saiba que o Adriana Hvar Marina Hotel & Spa é o único hotel da Croácia membro do exclusivo grupo The Leading Small Hotels of the World, e isso já diz quase tudo sobre a sua qualidade e prestígio. Fica no coração da cidade medieval de Hvar.

Num segmento mais terráqueo, existem cómodos hotéis como o Hotel Park Hvar, de quatro estrelas, ou o Hotel Amfora, de três, mas a opção mais económica e muitas vezes mais agradável é ficar alojado em quartos ou pequenos apartamentos particulares. Os apartamentos para alugar são normalmente constituídos por um ou dois quartos, casa de banho e cozinha e não têm, regra geral, presença na Internet, pelo que as agências de viagem locais poderão, neste caso, servir de intermediárias. Em todo o caso, à semelhança do que acontece em quase todas as povoações da Dalmácia, os habitantes com aposentos disponíveis abordam os turistas à sua chegada, oferecendo os seus aposentos.

Pesquisar hotéis em Hvar

Pesquisar hotéis em Korcula

Pesquisar hotéis em Mljet

O vinho

O vinho é parte integrante das tradições culturais das ilhas Dálmatas, nomeadamente em Hvar e Korcula, pelo que se sugere fervorosamente uma visita às adegas e explorações vinhateiras locais, partindo à descoberta dos sabores vinícolas da Croácia. Prove, por exemplo, o maduro Plavac Mali na Zlatan Otok (Sveta Nedjelja, ilha Hvar) ou o branco Grk na Pansion Marinka (20263 Lumbarda, ilha de Korcula).

Onde passear

Para um toque de requinte nas suas férias nas ilhas Dálmatas, porque não embarcar num veleiro e cruzar as águas do Adriático precisamente entre Split e Dubrovnik, com paragem em Hvar, Korcula, Mljet e noutros ilhéus “secretos” não servidos pelos ferryboats públicos? A conceituada Dalmatian Destinations é uma das operadoras turísticas que podem organizar a viagem.

Em todo o caso, estando em Split a caminho de Hvar, não deixe de visitar a pequena, pitoresca e muito bela cidade amuralhada de Trogir, também ela classificada como Património Mundial pela UNESCO. O autocarro número 37 leva-o de Split até Trogir com saídas a cada 30 minutos.

Seguro de viagem

A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.

Fazer seguro na IATI (com 5% de desconto)

Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

Deixe um comentário