Nas últimas viagens que tenho feito às ilhas dos Açores, tenho quase sempre incluído um percurso pedestre. Ora, estando a visitar a ilha de São Jorge, paraíso açoriano para amantes de caminhadas, não poderia deixar de fazer o mesmo. O escolhido foi o Trilho da Caldeira de Santo Cristo (PR1SJO).
O Trilho da Caldeira de Santo Cristo é um percurso linear com quase 10km de extensão. Tem início nas imediações do Parque Eólico da Serra do Topo, junto ao parque de estacionamento, e término na Fajã dos Cubres – povoação com acesso a automóveis.
Como é fácil de adivinhar, o percurso passa pela magnífica Caldeira de Santo Cristo, onde é possível pernoitar (em vez de fazer o percurso de uma vez). Era exatamente esse o meu plano.
Fazer o Trilho da Caldeira de Santo Cristo (a minha experiência)
Parte 1: da Serra do Topo à Fajã da Caldeira de Santo Cristo
Para facilitar a minha logística – e até porque iria dormir na Fajã da Caldeira de Santo Cristo, que não tem acesso a automóveis -, combinei com o Filipe, proprietário da Intact Farm, que deixaria o carro no parque de estacionamento da Serra do Topo, local onde o trilho PR1SJO tem início. Ele depois arranjaria forma de o ir buscar. Não tenho palavras para lhe agradecer essa flexibilidade.
Assim, com o carro estacionado e acompanhado por mulher e filhos, e antecipando-me a um pequeno grupo de turistas estrangeiros de idade avançada, pusemo-nos logo a caminho.
Começámos por subir uma canada ampla e ladeada por muros de hortênsias, mas enlameada e escorregadia por causa da chuva dos dias anteriores.
Quem já visitou os Açores sabe que é muito difícil prever as condições climatéricas. As mudanças são por vezes abruptas e radicais.
É certo que naquele momento ameaçava chover mas, no céu, as nuvens de chumbo iam alternando com um capacete branco e com céu azul com enorme rapidez pelo que, pelo menos a avaliar pela amena temperatura e pela ausência de movimento nas pás das eólicas da Serra do Topo, iria ser uma caminhada agradável.
E assim foi.
Estávamos então a pouco menos de 700 metros de altitude e, dali até à Fajã da Caldeira de Santo Cristo, seria sempre a descer, quase sempre em ambiente de Paisagem Protegida e rodeados de verde, muito verde. Um deleite para olhos e alma; mas um esforço para os joelhos.
Ao longo do percurso, fomos ultrapassados por alguns jovens caminheiros, quase todos estrangeiros. Mais surpreendente foi ter-me cruzado com quem fazia o trilho de bicicleta ao ombro em sentido inverso. Tirando isso, tudo era sossego e paz e boas vistas.
Aos miúdos, entregámos a tarefa de identificar as marcas do trajeto para garantir que não nos perderíamos. Era, na verdade, mais uma forma de os manter entretidos – principalmente o mais novo que, fruto da dificuldade do piso pedregoso e enlameado sempre a descer, acabou por ir quase sempre às cavalitas.
Às tantas, já com o estômago a pedir colo e os miúdos com fome, parámos num promontório para retemperar energias. O sítio perfeito para um piquenique improvisado, com pé descalço na relva e vistas melhores que um rooftop de luxo.
Cerca de três quilómetros após o início da caminhada, passámos perto da chamada Cascata Pequena. Por essa altura, já o piso se tinha tornado menos desafiador mas, ainda assim, foi preciso um artifício extra para motivar a minha filha Inês, de 11 anos: a proximidade de um miradouro com vistas incríveis sobre a Fajã da Caldeira de Santo Cristo.
Felizmente, o miradouro foi um cocktail energético para todos. Dali, o trilho segue junto à escarpa, descendo lentamente até quase ao nível do mar. Com o objetivo final cada vez mais perto – iríamos terminar o trilho na Fajã da Caldeira de Santo Cristo e lá pernoitar -, miúdos e graúdos ganharam novo fôlego para o que restava do percurso, sempre com o Oceano Atlântico a dar as boas-vindas, à nossa direita.
Quando por fim entrámos na povoação da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, fomos recebidos por um bonito cavalo branco. A caminhada custou mais do que imagináramos, principalmente porque era preciso estar constantemente a travar e as chuvas tinham deixado o trilho escorregadio. Mas valeu a pena!
Parte 2: rumo à Fajã dos Cubres
Dois dias depois, fizemos o resto do percurso até à Fajã dos Cubres; mas não a pé.
Seguimos encavalitados nas malas e mochilas que o senhor Luís, morador na fajã, prendeu com esticadores à sua moto quatro, comigo a tentar fotografar em andamento, entre os solavancos da lindíssima estrada de terra batida que une a Fajã da Caldeira de Santo Cristo à Fajã dos Cubres, serpenteando o litoral da costa norte ao longo de fajãs como a dos Tijolos e a do Belo.
À chegada à Fajã dos Cubres, destino final da nossa passagem por São Jorge, o piso mudou para asfalto e a viagem perdeu todo o interesse. Felizmente, pouco faltava para o Snack-bar Costa Norte, bem junto à Ermida de Nossa Senhora de Lourdes, ponto de encontro apalavrado com o açoriano Roberto, que nos haveria de levar de carro até ao porto de Velas.
Foi apenas o tempo de beber uma indispensável Kima de maracujá.
Era o adeus à ilha de São Jorge!
Trilho da Caldeira de Santo Cristo (PR1SJO) – Ficha técnica
- Tipo de percurso: Linear
- Início: Parque de estacionamento da Serra do Topo
- Final: Fajã dos Cubres
- Distância: 9,5 km
- Duração: 3-4 horas (mais se parar na lagoa da Fajã da Caldeira de Santo Cristo)
- Dificuldade: Média
- Altitude máxima: 691 m
- Sinalização: Sinalizado com marcas vermelhas e amarelas.
- Acessibilidade: É possível chegar de carro “normal” (não é preciso um 4×4); mas tenha em atenção que o trilho não é circular. Não existe transporte público.
Veja também o roteiro de viagem em São Jorge; para outras caminhadas nos Açores, leia o relato da caminhada no Trilho da Costa Sul (PR5SMA), na ilha de Santa Maria.
Guia para fazer o trilho da Caldeira de Santo Cristo
Dicas úteis
A caminhada não é perigosa mas tem zonas onde um pé em falso pode ser desastroso. Esteja especialmente atento se choveu nos dias anteriores, já que a lama pode dificultar a progressão e tornar o percurso mais perigoso. Recomenda-se prudência e que respeite as regras básicas de segurança em montanha:
- Desde logo, não faça a caminhada sozinho;
- Leve água e alguns alimentos (barras de cereais e fruta, por exemplo);
- Leve agasalhos e um impermeável – o tempo nos Açores é imprevisível;
- Leve um telemóvel, de preferência da MEO (as outras têm pouca rede);
- Use calçado apropriado (a sério, nem pense fazer o Trilho da Caldeira de Santo Cristo de havaianas);
- O trilho está muito bem marcado e dificilmente se perderá; ainda assim, para uma segurança extra, descarregue a appVisit Azores. A app tem uma descrição do percurso e, mais importante, um mapa que pode usar durante a caminhada para verificar, em qualquer momento, se está no trilho correto. Pode também consultar o folheto em PDF.
- Note que, no verão, e uma vez que o parque de estacionamento da Serra do Topo é muito pequeno, talvez seja preciso alguma sorte para ter lugar para estacionar. Não desespere.
Onde ficar
Caso decida pernoitar na Fajã da Caldeira de Santo Cristo em vez de seguir diretamente até ao final do trilho – opção que recomendo vivamente -, tenha em atenção o seguinte.
O alojamento mais popular é a Caldeira Guesthouse (surf camp) e pareceu-me bastante bom. Só não fiquei lá porque encontrei uma casa que me pareceu mais apropriada para uma família com crianças, chamada Casa da Lagoa. Trata-se de uma casa tradicional açoriana, bem enquadrada na paisagem e com todas as comodidades para uma família ou grupo de amigos até seis pessoas, com toda a privacidade e a possibilidade de cozinhar. Foi uma opção fantástica, que recomendo.
Ficámos apenas duas noites (tivemos medo de “apanhar seca” na Fajã de Santo Cristo e só reservámos duas noites), mas saímos de lá com vontade de ficar muito mais tempo. Se se encaixa no perfil acima, não se vai arrepender de ficar uma semana na Fajã de Santo Cristo.
Como bónus, saiba que a Casa da Lagoa tem um caiaque que pode usar na lagoa.
Procurar alojamento na Fajã da Caldeira de Santo Cristo
O que levar
Se ficar na Casa da Lagoa ou noutro local onde possa cozinhar, recomendo que leve mantimentos para cozinhar, incluindo massas, arroz, enlatados e um ou outro produto fresco, em função da existência ou não de arca ou frigorífico (informe-se junto do seu alojamento). Dessa forma não estará dependente de O Borges, o único restaurante da Fajã de Santo Cristo.
Se tem crianças, tenha em atenção que coisas como micro-ondas não existem sem eletricidade e, por isso, programe-se em conformidade. Da mesma forma, na Casa da Lagoa não havia varinha mágica para passar a sopa (apenas no horário em que o gerador estivesse ligado, naturalmente, ao início da noite), mas o bom velho passe-vite resolveu o problema (alternativamente, n’O Borges ofereceram-se para a tarefa, caso quiséssemos).
Independentemente de cozinhar ou não, leve fruta, legumes e bolachas. Não vale a pena levar água.
Não menos importante, leve livros. Vai ter tempo para ler!
Nota: evidentemente, como estava a viajar com crianças não levei todo o material às costas durante a caminhada. Ao invés, enquanto fazíamos a caminhada levaram-nos a bagagem de moto quatro até à Casa da Lagoa, onde pernoitei. Paguei 50€ por esse serviço.
Seguro de viagem
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