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Fajã da Caldeira de Santo Cristo (não há palavras que lhe façam justiça!)

Por Filipe Morato Gomes
Surf na Caldeira de Santo Cristo
Surfistas à entrada da lagoa da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, São Jorge

A Fajã da Caldeira de Santo Cristo, muitas vezes chamada apenas de Fajã de Santo Cristo, é um dos lugares mais bonitos da ilha de São Jorge, nos Açores. Disso não tenho dúvidas. Mas será sensato alertar que não é um destino para toda a gente.

Isto porque a fajã é muito isolada (o acesso faz-se a pé ou de motorizada), não tem eletricidade e as condições são muito básicas; pelo que terá de abdicar de coisas tidas como garantidas no seu dia a dia. Se isso o assusta, não vá; se isso o entusiasma, vai adorar visitar a Fajã da Caldeira de Santo Cristo. Vamos a isso.

Visitar a Fajã da Caldeira de Santo Cristo

Vista da Fajã de Santo Cristo, São Jorge
A primeira visão da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, durante o trilho homónimo

Cheguei em família, percorrendo o trilho da Caldeira de Santo Cristo (PR1SJO) a partir da Serra do Topo. Estou plenamente convencido de que essa é a melhor forma de chegar à fajã. A pé! Avistar a lagoa pela primeira a partir do miradouro, continuar a descer junto à costa com a fajã desvendando-se aos poucos, até que aparecem as primeiras casas, a igreja, a lagoa… são momentos difíceis de verbalizar.

“Mágica” é a palavra que me ocorre quando tento definir a minha estadia na Fajã da Caldeira de Santo Cristo. Nada diz, bem sei, mas nem sempre o escriba consegue ultrapassar a armadilha dos lugares comuns. Fiquei fascinado com a beleza e tranquilidade; com o facto de ter desligado completamente da voragem cibernética; com o prazer das coisas simples, como acender uma vela para iluminar a casa, passar a sopa com passe-vite, ler um livro no terraço, brincar com legos ou passear de caiaque na lagoa com os meus filhos. Back to the basics, portanto.

Lagoa da fajã de Santo Cristo, São Jorge
Os primeiros mergulhos na lagoa da Fajã da Caldeira de Santo Cristo

Durante dois dias, desliguei completamente do trabalho no blog. Sem acesso à Internet, não havia emails para responder, posts para publicar, nada. É certo que poderia adiantar textos e editar fotos – e fi-lo, esporadicamente -, mas nem isso me retirou a sensação de não ter obrigações a cumprir. Como se a calmaria da Fajã da Caldeira de Santo Cristo fosse um creme hidratante que, penetrando por todos os poros sem pedir licença, me deixou corpo e mente num estado de tremenda paz. Foi a primeira vez em muito tempo que me senti de férias. E soube-me muito, muito bem.

Teria ali ficado uma semana!

Sim, a Fajã da Caldeira de Santo Cristo não é um local de passagem. A fajã premeia todos aqueles que ousam nela se delongar. O silêncio da noite; as manhãs de caiaque na lagoa; as cores quentes do anoitecer; a neblina matinal; a simpatia das gentes; a tranquilidade da solidão.

Bem sei – e repito – que tamanho isolamento e falta de comodidades faz com que uma estadia na fajã não seja para todos. Para mim, no entanto, foi o ponto alto do meu curto roteiro em São Jorge.

Turistas na Fajã de Santo Cristo
A pequena povoação da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, São Jorge

Cheguei a pé, dizia. A bagagem tinha sido entregue na Casa da Lagoa, incluindo víveres para cozinharmos um almoço tardio. Por algum motivo – fosse a orografia, a vegetação ou o antigo elevador -, a primeira visão da Fajã da Caldeira de Santo Cristo fez-me lembrar a Fajã dos Padres, na ilha da Madeira. Há qualquer coisa de muito especial em ambas.

Digestão feita e, apesar do cansaço, ainda fomos nadar para a lagoa. Sem surpresa, as águas tranquilas da lagoa tornaram-se o epicentro da estadia familiar na Fajã da Caldeira de Santo Cristo. Pelos miúdos, creio que tínhamos passado o tempo todo dentro de água. Depois, foi jantar, descansar, passar tempo em família na nossa casa à luz de velas assim que o gerador se calou.

No dia seguinte, voltei à lagoa com os miúdos logo pela manhã. Carregámos o caiaque até lá e fui pagaiando com um e com outro, explorando a lagoa tranquilamente, observando aves e peixes. Ao fim da manhã, começaram a chegar mais pessoas à fajã. Eram os caminheiros que vinham da Serra do Topo. Uns continuavam o trilho sem se delongarem; mas outros ficavam na lagoa a nadar e relaxar, antes de prosseguirem o trekking até à Fajã dos Cubres. Feliz ou infelizmente, poucos se manteriam ali para dormir.

Casa na Fajã da Caldeira de Santo Cristo
Uma casa tradicional na Fajã da Caldeira de Santo Cristo

À tarde, momento dedicado aos adultos: fomos ao restaurante O Borges, ao lado de casa, provar as famosas amêijoas oriundas da lagoa. Não me recordo de ter provado amêijoas tão grandes como as de São Jorge, e O Borges é sem dúvida um dos locais mais recomendados. Infelizmente, estavam demasiado salgadas no sabor e no preço (o mesmo viria a acontecer no restaurante O Amílcar, na Fajã do Ouvidor), pelo que tenho dificuldade em recomendar sem reservas.

Depois de outra noite bem passada, era chegada a altura de deixar a Fajã da Caldeira de Santo Cristo. Iríamos prosseguir para a ilha do Faial, onde vive o meu irmão, para matar saudades e deixar os primos brincarem sem relógio. Seguimos encavalitados nas malas e mochilas que o senhor Luís, morador na fajã, prendeu com esticadores à sua moto quatro, comigo a tentar fotografar em andamento, entre os solavancos da lindíssima estrada de terra batida que nos levaria à Fajã dos Cubres, onde o asfalto já marca presença.

Enquanto esperava pelo transporte até ao porto de Velas, sentia-me numa espécie de transe, absorvendo tudo aquilo que a Fajã da Caldeira de Santo Cristo me tinha dado. É sempre arriscado fazer afirmações definitivas, como quando escrevi que a Carriagem é a praia mais bonita de Portugal. São subjetivas, valem o que valem (muito pouco) e, à medida que vou conhecendo novos lugares, nem eu próprio sei se continuo a concordar com o que então escrevi. São coisas que saem no impulso emocional – como um wow traduzido em palavras.

Seja como for, a Fajã da Caldeira de Santo Cristo é seguramente um dos locais mais especiais de São Jorge, dos Açores, de Portugal. Sim, a fajã é mágica! – e disso não tenho dúvidas.

Onde ficar na Fajã de Canto Cristo: Casa da Lagoa
O nosso pequeno terraço na Casa da Lagoa

Guia para visitar a Fajã da Caldeira de Santo Cristo

Como chegar

Eliminando a via marítima, não acessível ao comum dos visitantes, só há duas formas de chegar à Fajã da Caldeira de Santo Cristo: a pé ou de moto 4. Como disse, eu cheguei a pé, vindo da Serra do Topo ao longo do percurso PR1SJO – um trilho pedestre que recomendo vivamente.

Esta opção implica naturalmente combinar transporte até ao início do trilho. Em simultâneo, os donos do alojamento onde tinha ficado em Urzelina arranjaram quem me transportasse a bagagem, de moto 4, para a Fajã da Caldeira de Santo Cristo. Dessa forma, quando cheguei à fajã a bagagem já lá estava.

Uma opção mais barata é levar apenas pequenas mochilas com roupa para 2-3 dias, às costas. Nesse caso não precisa de contratar o transporte da bagagem para a Fajã da Caldeira de Santo Cristo.

Para sair da fajã, os proprietários da Casa da Lagoa organizaram o transporte da bagagem (e de quem mais coube na moto 4) até a Fajã dos Cubres. A partir daí, um carro levou-nos até ao porto marítimo em Velas, onde apanhámos o barco para o Faial.

Quer à ida, quer no regresso, o custo normal do transporte (bagagem e/ou passageiros) ronda os 50€.

Ficar ou não ficar na Fajã da Caldeira de Santo Cristo?

O isolamento da Fajã da Caldeira de Santo Cristo faz com que não seja um destino para todos. Assim, fique hospedado na Fajã de Santo Cristo se gostar de locais básicos e dispensar os luxos quotidianos; se procura tranquilidade e a vida a um ritmo lento e com algum isolamento; se quer “desligar” por uns dias da azáfama do dia a dia. As crianças vão adorar!

Ao invés, não pernoite na Fajã de Santo Cristo se procura animação e muita gente; caso não se imagine a viver sem eletricidade (ou com eletricidade apenas algumas horas por dia) – logo, sem televisão, micro-ondas ou frigorífico a funcionar em pleno; caso não dispense acesso de qualidade à rede móvel e à Internet.

Se encaixa neste último perfil, não fique a dormir na fajã; ao invés, percorra o trilho da Caldeira de Santo Cristo (PR1SJO) até ao final, na Fajã dos Cubres, em vez de ficar a dormir na Fajã de Santo Cristo.

Onde dormir

Não há muito onde ficar na Fajã de Santo Cristo e, provavelmente, ainda bem que assim é. O alojamento mais popular é a Caldeira Guesthouse (surf camp), onde inicialmente efetuei uma reserva, e pareceu-me bastante bom. Só não fiquei lá porque encontrei uma casa que me pareceu mais apropriada para uma família com crianças, chamada Casa da Lagoa. Trata-se de uma casa tradicional açoriana, bem enquadrada na paisagem e com todas as comodidades para uma família ou grupo de amigos até seis pessoas, com toda a privacidade e a possibilidade de cozinhar. Foi uma opção fantástica, que recomendo.

Ficámos apenas duas noites (tivemos medo de “apanhar seca” na Fajã de Santo Cristo e só reservámos duas noites), mas saímos de lá com vontade de ficar muito mais tempo. Se se encaixa no perfil acima, não se vai arrepender de ficar uma semana na Fajã de Santo Cristo.

Como bónus, saiba que a Casa da Lagoa tem um caiaque que pode usar na lagoa.

Procurar estadia na Fajã da Caldeira de Santo Cristo

O que levar

Se ficar na Casa da Lagoa ou noutro local onde possa cozinhar, recomendo que leve mantimentos para cozinhar, incluindo massas, arroz, enlatados e um ou outro produto fresco, em função da existência ou não de arca ou frigorífico (informe-se junto do seu alojamento). Dessa forma, não estará dependente de O Borges, o único restaurante da Fajã de Santo Cristo.

Se tem crianças, tenha em atenção que coisas como micro-ondas não funcionam sem eletricidade e, por isso, programe-se em conformidade (eu sei, é óbvio, mas temos tendência a esquecer as coisas básicas quando as temos por garantidas). Da mesma forma, na Casa da Lagoa não havia varinha mágica para passar a sopa (mesmo que apenas no horário em que o gerador estivesse ligado, ao início da noite), mas o bom velho passe-vite resolveu o problema (alternativamente, n’O Borges ofereceram-se para a tarefa, caso quiséssemos).

Independentemente de cozinhar ou não, leve fruta, legumes e bolachas. Não vale a pena levar água.

Não menos importante, leve livros para a Fajã da Caldeira de Santo Cristo. Vai ter tempo para ler!

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.