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Kasbah, o genuíno coração de Argel

Por Filipe Morato Gomes
Zona alta do kasbah de Argel
Vista na zona alta do kasbah de Argel

Uma das principais atividades que queria fazer em Argel era visitar o kasbah, centro histórico que a UNESCO incluiu na lista de Património Mundial na Argélia no ano de 1982. Não sem surpresa, por isso, dediquei boa parte do meu tempo na capital argelina a explorá-lo. Primeiro, sozinho, caminhando apenas pelo chamado baixo kasbah; depois com Kenza, uma jovem guia local argelina, nascida e criada no interior do kasbah, que ali organiza visitas guiadas.

Ora, no dia em que eu podia visitar o kasbah com Kenza comemorava-se o Dia Internacional da Mulher; e, nesse dia, Kenza tinha agendada uma visita com um grupo de 28 mulheres argelinas.

Pedi a Kenza para me deixar acompanhar o grupo, mas as mulheres recusaram (queriam “estar entre mulheres”). Insisti, dizendo a Kenza que era a minha única oportunidade de visitar o kasbah com ela; ela insistiu junto das mulheres que, por fim, aceitaram a minha presença (fazendo questão de referir que o faziam apenas pelo facto de eu ser estrangeiro). Por tudo isso, acabou por ser um tour diferente do “normal”; mas talvez ainda mais interessante.

A minha visita ao kasbah de Argel

Visitar Argel: kasbah
A zona do baixo kasbah, que visitei sozinho no dia anterior a conhecer Kenza

“O kasbah de Argel exerceu uma influência considerável na arquitetura e no urbanismo no norte da África, na Andaluzia e na África subsariana nos séculos XVI e XVII. Essas influências são ilustradas no caráter específico das casas e na densidade da estratificação urbana, um modelo de assentamento humano onde o estilo de vida ancestral e os costumes muçulmanos se misturaram com outros tipos de tradições.”, in UNESCO.

Era naquele ambiente antigo do kasbah que me iria embrenhar, acompanhado por Kenza e todas as outras mulheres do grupo. O ponto de encontro ficava na zona alta de Argel, às portas do kasbah, mas foi já com mais de uma hora de atraso que o grupo chegou. Tempo suficiente para espreitar o que resta da muralha que outrora circunscrevia a cidade; e de conversar com Kenza sobre a vida na Argélia, incluindo os turistas que a procuram para os tours no kasbah.

“As pessoas perguntam-me se a Argélia é perigosa, e eu respondo-lhes ‘estamos aqui tranquilos, não estamos?’; perguntam-me se eu não sou obrigada a usar hijab e eu respondo que não, e que não sou menos crente por não o fazer; mas o que mais me ofende é quando me perguntam se eu posso sair de casa livremente”. Kenza falava como se essa pergunta a irritasse verdadeiramente; “e eu respondo-lhes: estou aqui contigo, não estou?”. Ao ouvi-la, na minha cabeça eram inevitáveis as comparações com as minhas primeiras viagens ao Irão.

Visitar kasbah Argel
Visitando o kasbah de Argel

Quando começámos finalmente a percorrer as ruas do kasbah com o grupo, saltou-me imediatamente à vista a degradação dos espaços públicos. Havia muitas fachadas em mau estado; ruelas labirínticas pouco cuidadas; homens que pareciam controlar os movimentos do grupo (poderia ser apenas curiosidade, mas não parecia); e, o mais desagradável de tudo, muito lixo pelos cantos. Ao ponto de uma moradora com quem me cruzei ter literalmente pedido “desculpa” pelo lixo das ruas.

Ainda assim, estava fascinado com o kasbah de Argel. É um lugar cheio de história.

Ofícios tradicionais no kasbah de Argel
O senhor Khaled Mahiout, artesão de madeira no seu atelier

Talvez por causa do atraso inicial, Kenza seguia demasiado rápida para o meu gosto. Ainda assim, sempre que possível entrei em ateliers e lojas de artesãos locais; como o caso de Khaled Mahiout, um artista argelino que trabalha a madeira para construir peças decorativas. “Está com o grupo? Ah… a guia nunca passa aqui”, lamentou-se.

Kenza foi contando a história do kasbah mas, para ser honesto, eu estava mais interessado em absorver o ambiente e fotografar as ruas. Foi-nos mostrando as fontes, mesquitas como a Sidi Abdallah e demais recantos do kasbah; até que nos levou a almoçar a casa de uma família, seus amigos – algo diferente das experiências turísticas comuns e que me deu muito prazer. Bingo!

Casa no kasbah de Argel
Pátio interior de uma casa tradicional no kasbah de Argel, onde almocei

Fui recebido com enorme simpatia por uma senhora argelina e pela sua filha, cujos nomes infelizmente não fixei. Assim que entrámos em sua casa, o grupo de mulheres transfigurou-se. Numa das salas, começaram a cantar e a dançar; e pediram por intermédio de Kenza que eu não entrasse lá. Era o momento em que queriam mesmo “estar entre mulheres”.

Naturalmente, respeitei; mas o ambiente de festa era perfeitamente audível na sala ao lado, onde entretanto me fui instalar, aguardando pelo almoço.

Visita guiada ao kasbah de Argel
Visita guiada ao kasbah de Argel

Após uma pratada de rechta (noodles) com galinha, nabo e grão-de-bico, era então altura de continuar a explorar o centro histórico de Argel. Entre ruelas e mesquitas, lá acabámos por descer por uma escadaria que nos levou à zona baixa do kasbah.

O objetivo era visitar o palácio Dar Aziza, um palácio mourisco do século XVI localizado na zona baixa do kasbah de Argel e que, atualmente, alberga a Agência Nacional de Arqueologia e Proteção de Sítios e Monumentos Históricos do país. Foi a última paragem na visita guiada de Kenza pelo kasbah.

A tarde ia já a meio quando nos despedimos em frente à mesquita Ketchaoua, que se encontrava fechada. Tinha sido uma bela visita – e uma excelente forma de iniciar o meu roteiro de viagem na Argélia.

Mais fotos do kasbah de Argel

Kasbah
Escadaria que me levou de regresso à zona baixa do kasbah
Dar Aziza, Argel
Pátio interior do palácio Dar Aziza, no kasbah de Argel
Visitar o kasbah
Desconheço o que é este edifício, mas a porta estava aberta e o seu hall de entrada chamou-me a atenção
Visita guiada ao kasbah
Kenza, a guia local, dando explicações sobe uma fonte usada para abastecimento de água dos habitantes do kasbah

Guia para visitar o kasbah de Argel

Como organizar a visita

É perfeitamente possível visitar o kasbah de Argel sozinho. Não é perigoso, mas admito que se possa sentir desconfortável em algumas zonas do alto kasbah. Se o fizer, recomendo que apanhe um táxi até ao alto kasbah, e a partir daí vá descendo (é menos cansativo).

Se preferir visitar o kasbah com um guia, recomendo que contacte Kenza, uma argelina nascida e criada no kasbah que organiza visitas guiadas por apenas 3.000 dinares argelinos por pessoa. As visitas costumam começar por volta das 10:00, duram umas três ou quatro horas, e incluem um almoço numa casa tradicional (não é um restaurante, é uma casa onde vivem pessoas amigas da Kenza).

Sendo um grupo de três ou quatro pessoas, em alternativa pode fazer o mesmo com “Couchou”, outra guia de Argel com excelentes referências. O problema é que custa 100€, mas tem carro e é flexível quanto ao programa do tour.

Onde ficar

Para quem gosta de ficar em apartamentos, recomendo sem reservas o airbnb onde fiquei no centro de Argel (entretanto desativado). Se preferir um hotel, recomendo o City Hotel Alger, muito bem localizado para quem quer explorar o centro. Numa zona mais nobre da cidade, o Lamaraz Arts Hotel é um dos mais elogiados hotéis de Argel (tem quatro estrelas); mas eu gosto ainda mais do moderno AZ Hôtel Kouba.

Seja como for, vá pesquisando hotéis em Argel usando o link abaixo, uma vez que, com o incremento gradual do turismo, é natural que outros bons hotéis vão surgindo nas centrais de reservas online.

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Filipe Morato Gomes
Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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