
Esta entrevista tem já alguns anos, mas muitas das respostas continuam 100% atuais. A Estrela saiu da ilha do Príncipe em janeiro de 2024.
Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até à Ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe, pela mão da Estrela Matilde. A Estrela é bióloga e está a viver no Príncipe desde janeiro de 2013. Convidei-a a partilhar connosco as suas experiências num local tão isolado, bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar a Ilha do Príncipe.
É um olhar diferente e mais rico sobre a pequena Ilha do Príncipe – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da ilha, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 32º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.
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Na Ilha do Príncipe com a Estrela Matilde (entrevista)
- Define Ilha do Príncipe numa palavra.
- Digamos que o Príncipe não é o mais comum destino para morar. Como foste aí parar?
- A Ilha do Príncipe é um bom local para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia que trazias.
- O que mais te marcou na Ilha do Príncipe?
- Como caracterizas os são-tomenses?
- Como terminarias esta frase: “Não podem sair da Ilha do Príncipe sem…”
- A maioria das pessoas que visita São Tomé e Príncipe escolhe a ilha de São Tomé e o Ilhéu das Rolas, muito por causa dos pacotes vendidos pelas agências de viagens. Convence-os a visitar a Ilha do Príncipe.
- Tens alguma praia preferida na ilha?
- A Ilha do Príncipe é um bom destino para quem gosta de mergulhar? Quais os melhores locais de mergulho e o que podem os mergulhadores encontrar?
- Qual a melhor época para assistir à desova das tartarugas? Alguma recomendação especial?
- Vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias na Ilha do Príncipe. Indica-nos as coisas para um turismo ativo que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
- Consideras São Tomé um destino barato? Ainda que as opções sejam limitadas, partilha algumas dicas para poupar dinheiro na Ilha do Príncipe.
- Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. No caso do Príncipe, que opções aconselhas?
- Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar?
- Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
- Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras na ilha?
- Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” da Ilha do Príncipe; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, uma praia, um trilho, algo que seja mesmo “a tua cara”.
- Guia prático
Na Ilha do Príncipe com a Estrela Matilde (entrevista)
Define Ilha do Príncipe numa palavra.
Duas palavras: Gaiola Dourada.
Não me interpretes mal, é o sítio mais bonito do mundo. Se existir o paraíso, o Príncipe é a estação antes. Mas sente-se a dupla insularidade na pele, todos os dias.
Digamos que o Príncipe não é o mais comum destino para morar. Como foste aí parar?
Entre um mestrado a finalizar e os recibos verdes a fazerem-me olhinhos, surgiu um email dum professor com uma oferta urgente. Precisavam de um assistente ambiental no Bom Bom Island Resort, para terminar um processo de certificação ambiental, por 6 meses. Não era bem a minha área, sou bióloga de campo e sempre trabalhei nisso, mas era uma experiência em África e não a podia desperdiçar. Enviei o CV, ligaram-me a marcar entrevista e no dia após apresentar a minha tese de mestrado fui à entrevista: “Parabéns, daqui a 2 semanas vais para África.” Foi um choque – até aí, o mais perto que tinha estado de África era o Algarve.
A Ilha do Príncipe é um bom local para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia que trazias.
Já tive experiências fora do ninho. Fiz Erasmus no sul de Itália (Calábria) e fiz o meu trabalho de fim de curso em Barcelona. Mas a minha experiência era confortável, na Europa. São Tomé é Príncipe é um outro “nível”.
Não fazia ideia do que esperar. A verdade é que, por muito que se descreva e se explique, nunca é suficiente. Este é um daqueles sítios que só se compreende realmente depois de aqui estar.
Tinha aquela imagem de África que todos temos: savanas, bichos grandes, tribos e um calor de mer… Mas foi tudo tão rápido que nem pensei bem. Só pensava que ia ser quente, e por isso aperaltei-me dos calções mais curtinhos que tinha (coisa pouco inteligente, porque vim trabalhar como responsável ambiental num resort de luxo, onde é suposto haver algum bom gosto no vestuário).
A Ilha do Príncipe acaba por nem ser bem África. É um paraíso, muito sinceramente. São 140 quilómetros quadrados de verde, muito verde… e mar, muito mar. Não há savanas, nem bichos grandes, nem tribos, mas tudo o que tem é muito especial.
Tens 7.000 pessoas a viver no centro e norte da ilha (2.000 na cidade e o resto nas comunidades), e o sul é virgem e inabitado. A floresta tem mais força que o homem, e isso é bonito de ver.
Acabo por ser uma privilegiada por viver numa África abençoada. Não há fome, não há doenças graves, não há miséria que choque. Há, claro, pessoas pobres, como no mundo inteiro, mas quando têm fome esticam a mão para uma árvore de fruta-pão, assam-na numa fogueira improvisada e têm uma refeição calórica e saborosa.
No entanto, fiquei desiludida com algumas coisas. Eu sou uma alentejana adoradora de sardinhas e frutas da época. Chocou-me o facto de haver tão pouca fruta. Nos trópicos?! Nunca pensei. Em São Tomé há alguma, mas no Príncipe há alturas em que não há nada (até bananas é difícil de encontrar). Os legumes também são escassos e a variedade conta-se por uma mão e é tudo tão caro que me arrepia: 3 tomates (aqui não se vende ao quilo mas sim à unidade) com pouco sabor e tamanho custam 20.000 STD (quase 1€). E vende-se 3 feijões-verdes de cada vez que custam quase 1€ também.
As coisas são caras em São Tomé, porque a maioria é importada de Portugal. No Príncipe são três vezes mais caras do que em São Tomé, porque ainda têm aquela viagem de 8h (ou 12h consoante o tempo) de barco até ao Príncipe. Em São Tomé há alguma produção de legumes e fruta, mas paga-se bem o preço da “exportação” até ao Príncipe. No Príncipe planta-se pouco. Dizem que chove demasiado que mata tudo, mas também acho que não há ainda muita vontade de trabalhar na agricultura.
Os poucos supermercados existentes começam agora a ter mais do que uma prateleira e já se começam a ver coisas como leite de pacote, cereais, produtos de higiene e manteiga (estupidamente caros, mas já se encontra).
O peixe é fantástico. Não há sardinhas, pronto, mas o peixe é muito bom e barato. A escassez de carne de qualidade (não tenho muita vontade de comer carne local) acaba por nos fazer ter uma alimentação mais saudável, do ponto de vista proteico, mas falta-nos as vitaminas das frutas e vegetais. É o que sinto mais falta. Disso e de sushi (que já há em São Tomé, yeeeee).
Mas tem sido uma aprendizagem constante. Aprendemos a viver sem energia (a energia desliga-se na ilha todos os dias às 24h00 e a meio da tarde, e só vem de manhã). Quando os barcos não chegam – porque se avariam ou se afundam ou há mau tempo – ficamos dias e dias sem energia e às vezes sem mantimentos. Temos que engolir em seco, aguentar e comer peixe com banana a todas as refeições. Estou a exagerar, claro, mas já ficámos bastantes dias sem energia e é sempre complicado (mas nunca podemos desesperar senão não nos aguentamos a viver na Ilha do Príncipe).
Aprendemos realmente a viver sem ter onde gastar dinheiro. Sem ir ao café, sem ir jantar fora, sem ir ao cinema, ao teatro ou a qualquer evento cultural – não há. Jantar fora é ir a uma barraca comer peixe assado à mão. Cinema só em casa quando há energia. Concertos são de tarrachinas, funanás e kizombas e não há grandes hipóteses de conhecer gente que já não conheças.
A taxa de rotação na ilha é grande, porque esta dupla insularidade nem sempre se aguenta, e chega uma altura em que este paraíso cheira a enxofre. Por outro lado, quando vamos a Portugal, absorvemos tudo como esponjas. E tudo, até uma simples maçã tem tanto, mas tanto sabor…
O que mais te marcou na Ilha do Príncipe?
Acho que convém dizer que foi o facto de ter conhecido aqui o meu namorado. Fica sempre bem dizer que encontrei o meu príncipe na Ilha do Príncipe… dá uma história bonita. Mas a verdade é que todos os dias alguma coisa me marca. Esta ilha está-nos sempre a cicatrizar, e às vezes dói. Mas estar acompanhada aqui faz toda a diferença. É um sítio complicado, uma ilha difícil, às vezes desesperante. Estranha-se… mas depois entranha-se de uma maneira que já não sai.
Marcou-me principalmente a facilidade com que te sentes “em casa”. São 7.000 pessoas e todas são importantes, incluindo tu. Todos sabem quem tu és, no momento em que pisas a ilha. Inicialmente és só a “Branca”, ou então chamam-te o nome da pessoa que estava antes de ti, já que nos acham muito parecidos. Mas depois, e não é preciso muito tempo, todos sabem o teu nome, de onde vens e o que estás a fazer. O sentido de vizinhança é muito grande, e acabas por também sentir que fazes parte de uma grande família de 7.000 pessoas. E tu também começas a conhecer cada pessoa, as histórias, as dificuldades, as alegrias… fazes parte da ilha e tornas-te moncó. Eu já me sinto assim.
Marca-me também o facto de estar a fazer alguma diferença. Marca-me o facto daquilo que eu explico ou ensino, mesmo que seja a separar os resíduos ou a proteger uma espécie, é ouvido e aprendido. Não com a facilidade com que seria em Portugal, porque as bases são outras, mas fica lá. No imediato não te apercebes que fica, tens a sensação que estás a “falar chinês”, mas depois, pouco a pouco, apercebes-te que ficou alguma coisa. E isso é muito gratificante.
Acredito muito no projeto da empresa HBD na ilha. Desenvolver sustentavelmente a Ilha do Príncipe através do turismo, e tem sido uma experiência fantástica. Tornar o sonho utópico de um milionário que se apaixonou pela ilha (Mark Shuttleworth) em realidade, e fazer da Ilha do Príncipe um exemplo de desenvolvimento sustentável no mundo é uma oportunidade incrível.
O meu primeiro trabalho, o tal de 6 meses, foi tornar o Bom Bom Island Resort no primeiro hotel com a certificação Biosphere Responsible Tourism em África. Foi um feito do qual me orgulho muito. Fui convidada a ficar, e cá estou. Sou a responsável ambiental da empresa, estou no momento a trabalhar na certificação do nosso outro hotel em São Tomé, o Omali Lodge Boutique Hotel, e tento garantir que todos os impactos dos projetos na ilha são identificados, mitigados e compensados. Chamam-me “Eco-Chata” aqui, porque realmente não me calo com as minhas eco-cenas. Faz parte do pacote Estrela Matilde. I am here, I am green…
Além de tudo isso, faço parte da equipa de gestão da Reserva da Biosfera da Ilha do Príncipe, e temos projetos muito interessantes na ilha e tenho a oportunidade de trabalhar em parceria com a UNESCO, uma oportunidade fantástica. O projeto Water & Recycle, por exemplo, tem sido um exemplo prático do impacto que pequenas ideias podem ter. Um projeto utópico de limpar o plástico da Ilha do Príncipe resultou na recolha de 100.000 garrafas de plástico em 4 dias, e na entrega de 2.000 garrafas da Biosfera. E isto foi só o começo…
Como caracterizas os são-tomenses?
Há uma coisa importante a perceber, é que os são-tomenses são muito diferentes dos principianos (ou moncós, como os de São Tomé chamam aos do Príncipe). A Ilha do Príncipe é uma espécie de aldeia flutuante que está lá longe há muito tempo, quase abandonada, e as pessoas lá ficaram, no leve-leve (expressão que explica o normal funcionamento das coisas: “devagar-devagar”), enquanto São Tomé já foi apresentado ao mundo.
As pessoas no Príncipe não têm as facilidades, os apoios e os acessos que São Tomé tem. O desenvolvimento aqui ficou parado e os apoios a nível regional são sempre mais escassos. Mas, por outro lado, as pessoas são mais puras, estão menos contaminadas pelos fatores negativos do desenvolvimento.
Um exemplo: em São Tomé, todas as crianças (e adultos também) que nos vêem na rua dizem “Branco, doce. Branco, dinheiro”, continuamente, porque se habituaram que branco é sinónimo de doce e de dinheiro. E isto faz sentido, porque o turista que visita São Tomé ainda acha que faz sentido andar no meio das comunidades a atirar rebuçados como se estivessem num zoo. As pessoas trazem doces e outras coisas (algumas mais úteis), mas não têm noção do impacto social que tem a distribuição arbitrária na rua. Não têm noção que uma criança que recebe um doce do nada vai aprender que sempre que esticar a mão e pedinchar vai receber alguma coisa – e vai incorporar esse comportamento. Essa criança vai chegar a casa e ter mais 5 irmãos que também querem o doce mas não receberam porque não estavam na rua. E, além disso, não precisam de doces… têm canas-de-açúcar à farta e não têm dentistas.
É uma das coisas que queremos evitar no Príncipe – isso ainda não acontece. Como empresa de turismo, recebemos donativos, pedimos que tragam material escolar, roupas, sapatos, medicamentos, mas fazemos a entrega a instituições que fazem esse trabalho social e que garantem que a entrega é justa e feita a quem mais precisa. Trabalhamos nomeadamente com a igreja, por ser uma entidade global e com uma abrangência maior, mas muitas vezes temos material escolar enviado por clientes e vamos pessoalmente a cada escola entregar a cada aluno o material, porque se o mesmo for entregue só na escola, sabemos que não vai chegar a todas as crianças. Temos uma socióloga são-tomense que trabalha connosco e que nos ajuda a garantir que os nossos impactos sociais nas comunidades são positivos.
(acho que já me desviei da temática…)
Como terminarias esta frase: “Não podem sair da Ilha do Príncipe sem…”
Que difícil! Há tanta coisa única no Príncipe que é obrigatório:
- Ir jantar à Rosa Pão. A Rosa Pão é uma associação cultural e recreativa que criámos na ilha. Fizemo-nos sócios de uma senhora local, a Rosita, recuperámos um bar local e fizemos um espaço diferente. Passamos vídeos para crianças, fazemos noites de karaoke, temos matraquilhos e gin tónico, queremos começar a dar aulas de guitarra e recebemos turistas com refeições locais. Não é um negócio para dar dinheiro, é para trazer coisas e fazer coisas na ilha. A nível pessoal, tentamos dar o nosso contributo social e cultural na Ilha do Príncipe;
- Comer o concon da Bela (é um peixe muito feio que se come assado com banana assada);
- Mergulhar nas águas cristalinas;
- Visitar os miradouros;
- Entrar numa roda de Deixar;
- Visitar a roça Sundy, das poucas que está bem tratada.
A maioria das pessoas que visita São Tomé e Príncipe escolhe a ilha de São Tomé e o Ilhéu das Rolas, muito por causa dos pacotes vendidos pelas agências de viagens. Convence-os a visitar a Ilha do Príncipe.
(Gostei desta)
A Ilha do Príncipe não tem comparação com nada no mundo. Nem com São Tomé. É única, as paisagens são únicas, as pessoas são únicas e até o clima é diferente. Todos os que vêm ao Príncipe, normalmente ficam só dois dias e o resto em São Tomé – e arrependem-se. É uma ilha que nos entra na alma e que nos faz repetir constantemente “no way, no way”, porque realmente parece inventada. Ir a São Tomé e não vir ao Príncipe é morrer na praia.
Tens alguma praia preferida na ilha?
A minha praia preferida é a praia Boi. Tem uma aura especial, uma cor especial. Mas a verdade é que, apesar de estar na Ilha do Príncipe há quase dois anos, ainda me falta ver muita coisa.
Ainda não subi aos picos. Ainda não acampei na floresta. Ainda não fui aos rios profundos no sul. Ainda não conheço toda a ilha, e é esse o meu objetivo.
A Ilha do Príncipe é um bom destino para quem gosta de mergulhar? Quais os melhores locais de mergulho e o que podem os mergulhadores encontrar?
Eu também mergulho e, felizmente, já tive a oportunidade de mergulhar no Príncipe. Juntámos um grupo de 10 pessoas e convidámos uma equipa de São Tomé para nos dar os dois cursos de mergulho no Príncipe (Open Water e Advance). Foi uma experiência intensiva e fantástica. Mergulhámos de noite no meio de peixes-agulha florescentes e vimos tartarugas, barracudas assustadoras, raias, polvos que se camuflam, peixes-balão que incham quando nos vêem e moreias de bocarras enormes.
No entanto, não há qualquer escola de mergulho no Príncipe e, como tal, mergulho em São Tomé onde há já várias escolas com equipamento. Em São Tomé há imensos navios naufragados que são hoje hotspots de biodiversidade marinha e que valem a pena conhecer. Tal como aglomerados rochosos, como o Ilhéu Santana, que podemos passar por baixo debaixo de água.
Acho que São Tomé e Príncipe não é dos melhores sítios do mundo para mergulhar, mas é único e vale muito a pena por isso.
Qual a melhor época para assistir à desova das tartarugas? Alguma recomendação especial?
A desova das tartarugas inicia-se em setembro e dura até fevereiro. A partir de novembro / dezembro até março (depende da espécie e do clima), é possível assistir a alguns nascimentos, mas a melhor altura será o novembro / dezembro, onde a probabilidade de ver uma desova é maior.
Recomendo que se respeitem as regras e bons comportamentos a ter na praia. A desova das tartarugas é um processo natural, lento, moroso… as pessoas não podem ter pressa, exigir ver o que quer que seja, porque é tudo uma questão de sorte e da vontade do animal, não nossa. Podemos ver ou não, e isso faz parte da observação da vida selvagem.
É muito importante saberem que, apesar de ser tentador partilhar fotos no facebook, o flash é proibido e, além de prejudicar as tartarugas que são muito sensíveis à luz, podem perturbá-las e afastá-las de colocar os ovos.
Só nos podemos aproximar depois de a tartaruga começar a desovar, porque nessa fase entra numa espécie de transe e acaba por não nos ligar muito. Até lá, qualquer perturbação é suficiente para ela abandonar a praia e não desovar.
Convém também não tocar nos animais, nem nos ovos, principalmente se tivermos cremes, repelentes ou afins, porque podem ter consequências graves na saúde dos animais.
É um acontecimento marcante, que nos maravilha a todos. Não se pode forçar, apressar ou interromper. Somos só observadores, não podemos ser atores.
Vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias na Ilha do Príncipe. Indica-nos as coisas para um turismo ativo que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.
DIA 1
Primeiramente, começar com o alojamento no Bom Bom Island Resort, que implica mergulhos diários e matinais às 6h00 da manhã, e com muito snorkelling em águas cristalinas (não é publicidade, é o único hotel da ilha além das pensões locais).
Depois, um tour até à roça Sundy, para conhecer a casa senhorial ainda preservada, e o local onde Sir Arthur Eddington comprovou a teoria da relatividade de Einstein. Aí podem ver as cavalariças ainda em pé, edifícios sinónimo de poder e, como tal, imponentes. Ainda se encontram algumas locomotivas antigas, que hoje servem de suporte às parabólicas. Numa visita pela roça, pode-se conhecer as senzalas onde a comunidade vive e assistir às senhoras a ralar coco ou a quebrar o cacau. E participar numa roda de puíta, onde se dança e tocam tambores quase em transe.
Depois, sai-se pela Ponta do Sol onde está o pôr-do-sol mais bonito, e vai-se até à roça São Joaquim, que tem a vista mais fantástica para o sul inexplorado e para os picos João Dias Pai e João Dias Filho. Aí, desce-se por uma das estradas mais bonitas da ilha rumo à roça Porto Real, onde se pode ser o velho hospital da roça (ainda funcionava há 20 anos), hoje engolido pela floresta. Pode-se ainda espreitar a casa senhorial e as oficinas, agora abandonadas mais ainda imponentes.
Sugiro um almoço na cidade, a provar um molho no fogo, prato típico da Ilha do Príncipe, que leva peixe seco, salgado e muito óleo de palma.
Porque as tardes são curtas, sugiro que se volte ao Bom Bom Island Resort, no norte da ilha, para dar um mergulho ao entardecer. À noite um jantar no Ilhéu Bom Bom, depois de atravessar a ponte que separa o resort do restaurante, 300 metros de madeira onde atravessamos o mar transparente e o céu estrelado (quando não está nublado).
DIA 2
No dia seguinte, sugiro uma visita ao sul da Ilha do Príncipe. Vai-se direto até ao miradouro da Nova Estrela, onde se observa o Boné de Jóquei, um afloramento rochoso que tem esta forma. Depois vai-se até ao Terreiro Velho, roça onde é produzido o cacau de Claudio Corallo, que dá origem aos chocolates de São Tomé e Príncipe. Aí temos uma visão quase 360⁰ do verde e azul da ilha.
Depois do Terreiro Velho e passando pela Nova Estrela, continuamos para sul até à comunidade piscatória de Abade onde se pode abordar alguém e perguntar onde se arranjar peixe. Normalmente essa pessoa diz que a sua mulher pode fazer e vai a casa falar com ela, voltando com peixe frito e banana frita, que se come nos pratos emprestados, sem talheres e na praia. Devolvendo depois a respetiva loiça, pagamos o que quisermos, mas não convém dar demais.
Depois de almoçar, subimos até à roça Abade onde a vista é também fantástica. Aproveitamos a brisa no topo e somos abordados pelas gentes da comunidade, em baixo, que nos vem conhecer – haverá alguém a tecer esteiras e aprendemos também a fazer.
Depois descemos até à cidade de Santo António, a cidade mais pequena do mundo. Vamos ao mercado, com menos de 10 bancas, ao Centro Cultural, visitamos o Palácio do Governo (não se pode entrar de chinelos nem de alças), a Praça Marcelo Veiga, e damos uma volta pelas ruas e ruelas para experienciar a cidade. Jantamos cedo (com marcação prévia) na Bela, onde comemos um belo concon com banana frita, e depois voltamos ao hotel, onde ainda podemos ir tomar um copo ao bar.
DIA 3
No terceiro dia, sugiro uma visita à roça Paciência e às plantações de cacau, baunilha e café, onde se podem conhecer alguns frutos e legumes locais. Depois descemos até à Praia Burra, uma das maiores comunidades piscatórias da Ilha do Príncipe, onde podemos dar um mergulho numa baía cheia de porcos e crianças… fazem parte da paisagem! Depois subimos até Belo Monte, uma roça recém-recuperada onde podemos almoçar com algum luxo internacional e uma vista de encher o estômago. Seguimos para o miradouro da Praia Banana, onde com sorte poderemos ver uma ou outra baleia a passar. Descemos a pé, para desmoer o almoço, até à Praia Banana e tomamos um banho nas suas águas transparentes.
No final do dia vamos até à Praia Grande, a maior da ilha e sempre deserta, onde com prévia marcação com a equipa de trabalho tentaremos ver tartarugas a desovar.
Voltamos ao hotel onde podemos jantar com a comodidade necessária a uma boa noite de descanso antes da viagem no pequeno avião de 18 lugares que nos levará de volta à ilha irmã de São Tomé sobrevoando 150 km de oceano translúcido.
Consideras São Tomé um destino barato? Ainda que as opções sejam limitadas, partilha algumas dicas para poupar dinheiro na Ilha do Príncipe.
Não acho que seja um destino barato. As viagens são caras e as opções de alojamento, principalmente no Príncipe, são muito caras.
As pessoas têm que compreender que existe uma razão para tudo ser muito caro na Ilha do Príncipe. Estamos isolados, no meio do oceano, e trazer o que quer que seja – um prego ou um frigorífico – é um custo enorme e uma dificuldade muito grande.
No entanto, é possível visitar a Ilha do Príncipe de forma económica (excetuando a viagem). O que é local sai barato – isto é, ficar em sítios locais, até mesmo na Santa Casa da Misericórdia que aluga quartos baratos, por menos de 20€ ou assim, ou outras pensões do género, permitem poupar dinheiro. Nem sempre têm energia ou água quente, mas são uma opção para quem quer poupar uns trocos.
Fazendo sempre refeições locais, nos sítios menos prováveis, mas comendo sempre muito bem, poupa-se dinheiro. Por menos de 4€ come-se em qualquer lado e às vezes por muito menos come-se um peixe frito fantástico.
Alugar um veículo é caro mas necessário, porque os acessos não são nem fáceis nem rápidos. Para quem tem tempo, as caminhadas pela floresta são agradáveis, mas aconselha-se a que sejam feitas com um guia local.
Os motoqueiros são uma opção de deslocação rápida e barata, mas que nem sempre podem ir a todo o lado.
Às vezes, apesar de ser caro à partida, compensa alugar um guia com carro que permita conhecer tudo rápido, de maneira segura e eficaz. A chuva frequente é um inimigo de experiências mais descapotáveis.
Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. No caso do Príncipe, que opções aconselhas?
Claramente, o Bom Bom Island Resort. É um resort pequeno, 19 bungalows, onde podemos ter uma praia privativa e deserta. Adormecer a ouvir o mar e com um conforto fantástico. O restaurante é muito bom, peixe fresco e só produtos locais (desde as compotas ao iogurte – o iogurte local é saboroso – à pastelaria, é tudo feito em casa).
Para quem quiser poupar uns trocos, a Residencial Mira Rio, no centro de cidade, só tem 4 quartos, pequeninos mas limpinhos, e tem uma vista do Rio Papagaio reconfortante. É o único sítio da ilha que tem café expresso (de cápsulas) decente; custa 3€ mas é café, o que é um ponto muito a favor.
Veja também o artigo sobre onde ficar na ilha do Príncipe ou pesquise outras opções no link abaixo.
Pesquisar hotéis na ilha do Príncipe
Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar?
Para mim o melhor prato é o Molho no Fogo. Um caldo cor de laranja (do óleo de palma), muito gorduroso, com peixe seco, peixe salgado, maqueque (uma espécie de beringela), muito saboroso mas pouco saudável.
Gosto também muito do pintado, que é basicamente arroz com feijão. Come-se com peixe frito. Feijão à moda da terra…. O meu namorado adora funji maguita, feito com fuba e matabala e fruta-pão, muitas ervas locais. Pode-se comer com carne ou peixe. Tem um aspeto espesso e viscoso, mas é muito saboroso.
Nas roças, e no meio do trabalho de campo, assam fruta-pão no fogo; quando fica preta tiram a casca e comem o miolo com coco. É uma mistura fantástica. Na Ilha do Príncipe come-se macaco, morcegos e até gatos. Ainda não provei estas especialidades (e não o vou fazer).
As pessoas do Príncipe são descendentes de cabo-verdianos (na sua maioria), angolanos e moçambicanos e, como tal, a gastronomia tem muita influência desses países. Come-se muito calulu de galinha ou peixe, moqueca de peixe ou galinha, etc.
Para sobremesa, a banana e o coco são os reis. Há o bôbo frito, que é banana frita em óleo de coco e depois enrolada como um salame. Uma vez mais, pouco saudável, um pouco enjoativo, mas um sucesso de “exportação” do Príncipe para São Tomé.
Mas há tantos, tantos pratos aqui e em São Tomé que dava um livro de receitas (acho que já há). O elemento comum é o picante.
Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
Pode-se comer em qualquer lado, mas o importante é marcar antes e ir cedo. A comida na Ilha do Príncipe é na base diária, ou seja, não existe capacidade de armazenamento, dadas as falhas na energia, por isso é tudo do dia, fresco, acabado de sair da praia (ou do mato). Como tal, é importante ir almoçar ou jantar o mais cedo possível, perguntar o que há e experimentar (ou tentar marcar a refeição previamente).
Em suma: barracas de madeira são baratas; quando mais cimento e talheres na mesa, mais caro.
Há a Bela, como já referi, que por 25.000 STD (1€), se come um concon frito com banana frita maravilhoso (já se percebeu que gosto muito de comer na Bela…).
Na Rosa Pão come-se qualquer comida local, muito bem feita, por encomenda (como na maioria dos sítios), por 100.000 STD (4€); tal como na Juditinha, que faz uma corvina grelhada fantástica.
Na Ana, antiga Petisqueira fantasma, também se come muito bem: peixe grelhado, matabala, frango, comidas locais… o que houver do dia.
E há muitas pequenas barracas onde se come bem e barato. Depois há sítios mais à frente, onde se come por um bocadinho mais (máximo 250.000 STD, 10€), mas também muito bem: O Ramos, o Passô, o Mira Rio.
Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras na ilha?
Não fazem. Não há nada para comprar. Bom, o Príncipe é realmente um sítio que não tem lojas. O Bom Bom tem uma loja com alguns produtos locais para comprar, mas na Ilha do Príncipe não há muita coisa. No entanto, é fácil encontrar o senhor ou senhora que faz isto ou aquilo e comprar – é só perguntar a alguém.
A Reserva da Biosfera tem um projeto para certificar os produtos da Ilha do Príncipe, incentivando a criação de produtos locais, de qualidade, e por isso a oferta está a aumentar. Em São Tomé já se encontra muita coisa – lojas de artesanato, associações de produtores que fazem compotas, frutos secos, roupa, cestos, etc.
Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” da Ilha do Príncipe; pode ser uma loja, um barzinho, um restaurante, uma praia, um trilho, algo que seja mesmo “a tua cara”.
A família Pires. A Rosita é a minha mãe adotiva na ilha, a nossa sócia na Rosa Pão, aquela pessoa que vem trazer um prato de calulu a casa quando sabe que estamos doentes, ou nos arranja aquela ou a outra erva. São a nossa família aqui, com quem podemos contar para tudo. Fazem-nos ainda mais sentir em casa. É sempre difícil despedirmo-nos da família, e isso é um fator que me faz aguentar as dificuldades desta dupla insularidade e ir ficando, porque sinto que aqui posso fazer a diferença e deixar a minha marca neste pedacinho de céu. E principalmente porque, para mim, a Ilha do Príncipe ainda é o sítio mais bonito do mundo.
Obrigado Estrela, vemo-nos numa próxima viagem à Ilha do Príncipe. Fiquei com imensa vontade de voltar a São Tomé!
Guia prático
Hospedagem no Príncipe
A ilha é pequena e com poucas opções hoteleiras. Recomendo o hotel abaixo, onde trabalha a Estrela.
Reservar Bom Bom Island Resort
Seguro de viagem
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