Do calor desesperante do Turquemenistão, com rectas de noventa quilómetros, cansaço e falta de água, ao calor abrasador do Uzbequistão, com cidades de uma beleza indescritível, uma cultura riquíssima e preços de turista, o início da Ásia Central mostra-se diferente, muito diferente dos locais por onde passámos até então.
Depois do Irão… bem, depois do Irão vem a “Coreia do Norte” da Ásia Central: o Turquemenistão. Um visto de turismo para o país só é possível se acompanhado por um guia, caso contrário, um visto de trânsito e com sorte, conforme a nacionalidade ou o país onde quisermos tirá-lo! Conhecemos muitos viajantes que tiveram de voar do Uzbequistão para o Irão, ou outro qualquer país, por não terem conseguido a entrada no Turquemenistão. Nós, conseguimos o visto de cinco dias – um visto de trânsito – em Teerão. Tínhamos portanto, cinco dias para atravessar os quinhentos quilómetros de fronteira a fronteira, tendo pela frente, pelo menos, uns quatrocentos de deserto. Lindo!
Hora e meia para sair do Irão, uma hora para entrar no Turquemenistão e estávamos nós, com um “areal” sem qualquer sentido pela frente. Bem-vindos à terra de Niyeazov, o eterno presidente que ergueu estátuas em ouro de si próprio que rodam à medida que o sol se movimenta, que ordenou que lhe chamassem Turkmenbashi – o líder do Turquemenistão – que se inspirou num slogan Nazi: “Halk, Watan, Turkmenbashii” (Povo, Nação, Eu), que escreveu um livro com a sua própria versão da história do país: Ruhnama (Livro da Alma), que é obrigatório ler para passar desde exames de escola a exames de condução. O livro foi até lançado para o espaço e vai dar a volta ao planeta durante os próximos 150 anos. Niyazov disse, aliás, que quem lesse o livro 100 vezes garantia um lugar no céu.
À parte disso, este país sem qualquer sinalização na estrada, demonstrou-se o mais difícil da nossa viagem até ao momento. Como não tínhamos mapa e dada a ausência de sinais, no primeiro dia, depois de fazermos uma recta de 90 quilómetros, descobrimos que nos tínhamos enganado. Em vez de pedalarmos para este, pedalámos para oeste. Conclusão: andámos uns cinquenta quilómetros pata trás.
Os dias seguintes foram terríveis. Com temperaturas a rondar os 45º, a acordar todos os dias às 4 da manhã e a deitarmo-nos às 11, sem descansarmos bem, sem nos alimentarmos bem – a gastronomia na Ásia Central é a mais pobre do mundo -, pois tudo o que havia era com carne e gordura a boiar, desde a sopa às espetadas, do arroz, ao iogurte (imagine-se!), a carregarmos umas quinze garrafas de litro e meio de água que ferviam após os primeiro trinta quilómetros e eram de difícil ingestão, a percorrermos cada dia dezenas de quilómetros sem que víssemos uma única sombra, um único café, uma única casa. Terrível. A juntar a tudo isto, a Tanya ficou doente nos três últimos dias e eu nos dois últimos. Fracos, sem energia, sem comer, sem dormir, sem água, sem sombra e com o vento abrasador sempre de frente, o pior cenário estava montado.
Chegar à fronteira com o Uzbequistão foi um alívio e, doentes, dormimos mesmo ali, depois de passarmos o portão. Sujos, desesperados e com uma vontade imensa de tomarmos um bom banho, comermos e descansarmos até o corpo doer.
No terraço do café onde dormimos nessa noite, demos asas aos nossos desejos: batatas fritas com ketchup, acompanhadas duma bela salada e chá verde. Quando acordámos, estávamos bem melhores, mas não com vontade de fazermos mais do que a cidade seguinte, Alat. Foi para lá que pedalámos, mais lentos do que nunca, e antes das 11 horas da manhã já gozávamos do nosso quarto de “hotel” e dum banho gelado. Tivemos um primeiro passeio de reconhecimento do terreno, fizemos umas compras e voltámos ao nosso quarto para dormirmos o dia todo.
“Parabéns a você, nesta data querida…” e, se não era assim, era parecido, mas em uzbeque. No dia que pedalámos de Alat para Bukhara, fazia anos. Não podia ter sido melhor, a escolha. Bukhara, juntamente com Samarcanda – para onde viajámos depois – e Khiva – que ficou fora do nosso circuito – são as três pérolas da Ásia Central. Cidades importantíssimas na Rota da Seda, os seus centros históricos são Património Mundial pela UNESCO. Se passear em Bukhara nos transmite uma sensação estranha, pois tudo é concentrado num só lugar e parece novo, limpo, cuidado de mais, parecendo que foi construído há cem anos, quando tudo remonta a um milénio atrás, já Samarcanda tem os seus monumentos mais dispersos, sendo atravessados por grandes estradas construídas pela União Soviética, grandes jardins, longas avenidas pedonais, numa organização que, para nós, não faz qualquer sentido – mas que talvez fizesse para a URSS.
Pela segunda vez ficámos num hostel e ali ficámos por mais três noites, passando a maior parte do tempo a falar com outros viajantes, alguns de mochila às costas mas, a maior parte deles, de bicicleta. Muitos, mesmo muitos. Foi uma experiência diferente, já que em nove meses de viagem só utilizámos o hotel uma dezena de vezes. Ter um quarto só para nós, com casa de banho e chave na porta, foi uma experiência radical. A repetir.
Quanto aos monumentos, às madraças, às mesquitas, aos arcos, aos mausoléus, tudo é grandioso, único, imponente, inspirador, surpreendente. O trabalho humano é impressionante, a riqueza não tem limites, a cor é de pasmar.
Saímos de Samarcanda em direção a Shahrisabz, a cidade natal de Timur, o maior guerreiro e financiador das artes que a história da Ásia Central já conheceu. Samarcanda é hoje o que é graças a Timur, que fez dela a capital. Já Shahrisabz, uma centena de quilómetros a sul, foi a cidade que dedicou à família. Fora do normal circuito turístico, das viagens Lonely Planet, como nós lhe chamamos, é necessário pedalar aos 1.700 metros para começar a descer para a cidade. Se a subida se faz sempre entre os 10 e 13 graus de inclinação, já a descida, com a mesma inclinação, é alucinante. Chegados à cidade, esta mostra-se uma agradável surpresa. Com o seu mercado agitado, com uma série de madraças, mesquitas, o arco que era o maior da Ásia Central e até o mausoléu de Timur, mandado construir por si próprio que nunca chegou a ser utilizado, pois aquando da sua morte, a montanha tinha tanta neve que impossibilitou a passagem da caravana que o levava. Foi enterrado em Samarcanda, onde ainda hoje se encontra.
No dia seguinte, enquanto descansávamos da nossa jornada e tentávamos que o sol descansasse também, um casal passa por nós de bicicleta. Aos gritos, aperceberam-se que estávamos ali encostados e minutos depois, já “piquenicávamos” e trocávamos experiências! Pedalámos os quatro dias seguintes com eles, na estrada que nos haveria de levar ao Tajiquistão, muito lentamente, partilhando as refeições, os gelados, os momentos de cansaço, o suor, as coca-colas terríveis com as quais sonhamos enquanto pedalamos com 45 graus centígrados. Uns dias mais duros que outros, com etapas de montanha com estradas em péssimas condições, chegámos finalmente a Dushanbe, a capital do Tajiquistão, onde pensamos permanecer por uns dias, descansando, “engordando” e fazendo aquilo que, por vezes, é mais complicado fazer numa viagem: nada.
A etapa seguinte? A grande e mítica Pamir Highway.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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