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Do Pico Velho ao Narizes do Teide, um dos melhores trekkings que já fiz na vida

Por Filipe Morato Gomes
Vulcão Teide
Caminhando com o vulcão Teide em pano de fundo

Poucas vezes as lágrimas me vieram aos olhos ao observar uma paisagem, mas foi exatamente isso que aconteceu no Parque Nacional do Teide, enquanto percorria o chamado Sendero 9 (Trilho 9). O percurso vai do miradouro do Pico Velho ao miradouro Narizes do Teide, sempre a descer por caminhos de lava e pedras soltas. Duríssimo – mas uma das mais belas caminhadas que fiz até hoje. É, sem dúvida, o melhor trekking de Tenerife!

Palavras destas valem o que valem, e cada um apaixona-se por coisas distintas. Uma paisagem deslumbrante para uns pode ser uma perda de tempo para outros. Tal como as praias de Tenerife, que uns viajantes veneram e outros dispensam. Pela minha parte, que adoro caminhar em ambientes vulcânicos, a ilha de Tenerife – e o Parque Nacional do Teide em particular – é uma espécie de paraíso.

Note que não sou, de todo, um caminhante hard-core. Daqueles que fazem centenas de quilómetros em autonomia e com desníveis acentuados. Mas gosto muito de trekkings, de preferência que não impliquem muitas subidas acentuadas (é onde sinto maiores dificuldades).

Trekking de Tenerife
Eu, percorrendo o melhor trekking de Tenerife

O trilho do Pico Velho ao Narizes do Teide – feito no sentido descendente – parecia, pois, a caminhada perfeita para fazer em Tenerife. É certo que está classificado como de “dificuldade extrema”, mas isso deve-se fundamentalmente à perigosidade do piso (em boa parte do percurso caminha-se, literalmente, sobre lava).

Neste post, partilho pois a minha experiência no Trilho 9, desde o miradouro do Pico Velho até ao miradouro Narizes do Teide, acompanhado pelo amigo Bruno Mendes. É, como disse, o melhor trekking de Tenerife.

Em jeito de resumo, o dia foi assim: subimos no Teleférico do Teide até aos 3.550 metros, junto ao topo do vulcão. Depois, em jeito de aquecimento, decidimos fazer o curtíssimo Trilho 11 até ao miradouro La Fortaleza. Logo de seguida, voltámos ao local do teleférico e começámos o Trilho 12, que termina no miradouro do Pico Velho – o local exato onde começa o incrível Trilho 9. Vamos a isso.

Trekking Teide – Pico Velho (Trilho 12)

Trilho 12: Teide - Miradouro do Pico Velho
Caminhando ao longo do pequeno trilho 12, que liga o Teleférico do Teide ao miradouro do Pico Velho, ponto de início do Trilho 9

Não sei bem porque razão esta secção do percurso tem um nome distinto; mas quem quiser fazer o Trilho 9 no sentido descendente tem obrigatoriamente de percorrer o pequeno Trilho 12. E ainda bem, porque se trata de uma parte do caminho muito fácil e visualmente arrebatadora.

Os caminhos estavam bem delimitados com muretes de lava; o piso, apesar de irregular, era estável e não oferecia dificuldade de maior. E as paisagens vulcânicas já eram deslumbrantes. Era, por assim dizer, uma introdução suave ao ambiente do Teide, perfeito para quem pretende ter um cheirinho da paisagem e voltar ao teleférico. Para nós, isso estava fora de questão – íamos mesmo descer até ao asfalto, quase uma dezena de quilómetros adiante (ou mais, se nos perdêssemos – mas já lá vamos).

Nessa fase inicial, ainda nos cruzámos com alguns turistas, mas eram raros os que vinham preparados para uma caminhada mais séria. Chegados ao miradouro do Pico Velho, parámos por alguns minutos a absorver a beleza envolvente; mas era impossível ignorar os dizeres da placa que anunciava o Trilho 9, nosso principal objetivo do dia: “dificuldade extrema”. O céu, esse, como que desafiando a placa, vestia de um azul grandioso, anunciando bonança. Estava tudo preparado para uma jornada épica montanha abaixo.

O Trilho 12 é linear e tem apenas 0,7km de extensão.

Trekking Pico Velho – Narizes do Teide (Trilho 9)

Trekking Pico Velho - Narizes do Teide
A belíssima primeira fase da descida, após o miradouro do Pico Velho

Após o miradouro, o trilho toma então a denominação não homologada de Trilho 9. Atravessámos um campo de lava, rude e belo, ziguezaguando pelas rochas vulcânicas montanha abaixo.

O piso exigia constante atenção – um pé em falso e a possibilidade de torcer um pé ou um joelho seria enorme. A progressão fazia-se muito lentamente, e o olhar ia oscilando entre a concentração no piso e a indescritível beleza vulcânica do Teide. Estava siderado, embasbacado, com uma vontade incontrolável de fotografar. E às tantas aconteceu!

Apeteceu-me parar.

Olhei em redor, o Bruno seguia bem à minha frente e desapareceu atrás de uma rocha de lava. Por momentos, foi como se estivesse sozinho, embrenhado num silêncio comovente, com o Parque Nacional do Teide a meus pés. Era eu e o Teide, apenas isso.

Ao fundo, o pequeno areal junto ao Pico Velho, depois a cratera; até lá, o caminho serpenteava um rio de lava e pedra-pomes; atrás, o imponente vulcão do Teide. O céu azul. O vento a bater na cara. A máquina fotográfica em baixo, rendido que estava à magnitude daquela paisagem. E então, sem qualquer aviso, os olhos humedeceram-se e emocionei-me, sozinho, sem aparente motivo para além do privilégio e gratidão de ali estar. Seria a beleza das coisas simples?

Pico Velho, Teide, Tenerife
A cratera do Pico Velho, no coração do Parque Nacional do Teide, Tenerife (3.100 metros)

Adiante, o Pico Velho. À chegada às suas imediações, havia um pequeno desvio que seguia até à boca da cratera – que fizemos para apreciar o vulcão de perto. Partilhei com o Bruno a comoção imprevista e ele, numa frase-pergunta feita de palavras simples mas que encerra em si todo um modo de vida, retorquiu: “e não é para isso que viajamos?”.

Por esta altura, tinha já visto talvez uma dezena de caminheiros, mas não estava preparado para a imagem seguinte: um senhor, com ar de septuagenário e equipado como se estivesse numa prova de trail, fazia o Trilho 9 em sentido inverso, a subir… a correr! Fiquei boquiaberto, e todas as dores nos pés, joelhos e músculos passaram instantaneamente.

Vista a cratera do Pico Velho, prosseguimos a caminhada montanha abaixo. Foi a partir daí que as coisas começaram a correr mal.

Trekking Pico Velho - Narizes do Teide, Tenerife
Belíssima secção do Trilho 9, nas imediações do Pico Velho (Teide)

Em resumo, perdemo-nos duas vezes. Na primeira, ainda estou para perceber onde falhámos; mas o resultado foi catastrófico. Começámos a descer uma encosta sem qualquer trilho evidente, rabo no chão para não resvalar montanha abaixo devido ao piso de pedra e cascalho; até que tomámos a decisão de voltar atrás e, recorrendo aos nossos melhores dotes de cabra-montês, subimos de novo a encosta a pulso. Teremos perdido uns 45 minutos, no mínimo. E muita energia!

A segunda foi mais caricata. Numa bifurcação de caminhos, havia uma placa a indicar “Sendero 9”; mas estava tão desbotada que não dava para perceber para qual dos lados apontava. Na dúvida, decidimos seguir um casal de caminhantes que ia um pouco adiante, facto que se revelou um erro crasso. O caminho certo era o outro!

Quando olhámos para o GPS para confirmar, era demasiado tarde para voltar atrás. E assim fizemos quase todo o restante trilho a corta-mato, facto que aumentou em muito a dificuldade da caminhada e exigiu um enormíssimo controlo emocional para não sucumbir à frustração.

Trekking no Teide
Fase do trilho junto a uma das crateras no Teide

Percebemos que o trilho correto estava a algumas centenas de metros de distância, para lá de uma montanha. Tentar cortar caminho até ao trilho certo pareceu-nos má opção. E fomos seguindo por trilhos alternativos.

Na verdade, houve alturas em que parecia haver, de facto, caminhos alternativos. Havia marcas de calçado no piso de terra. Marcas na lava. E assim fomos seguindo as marcas e a intuição. Numa dessas fases, segui por aquilo que parecia mesmo um trilho. Por essa altura já sabia não estar no Trilho 9 mas, com a moral em alta por ter encontrado um caminho, seguimos a bom ritmo por entre a vegetação rasteira, tendo como companheiro um rio de lava.

Às tantas, novo revés. Tornou-se evidente que circundar totalmente o rio de lava iria acrescentar vários quilómetros à caminhada, pelo que, avaliando prós e contras, decidimos arriscar atravessá-lo. É fisicamente muito exigente caminhar em piso tão irregular e, por esta altura, os pés estavam já a pedir clemência, mas arriscar pareceu a melhor opção. O rio de lava ainda haveria de dar alguma “luta” mas, desta vez, tínhamos acertado na decisão.

Trekking Teide
Ponta final do trilho, já bem perto do parque de estacionamento junto ao miradouro Narizes do Teide

E assim fomos desbravando caminho pela lava, sem trilho, e eu só pensava na ironia dos letreiros que, no início da caminhada, pediam para “não sair do trilho”. Foi quando avistámos à distância uma placa que só poderia ser do Trilho 9, já bem perto da estrada.

Confirmado o achado, o resto da caminhada foi feita quase em êxtase. O miradouro Narizes do Teide estava a pouco mais de um quilómetro de distância. O Trilho 9 tinha sido mais exigente do que imaginara; mas, ainda assim, absolutamente deslumbrante. Não há, na verdade, palavras suficientes para descrever a beleza da paisagem em redor do vulcão do Teide. É rude e bela ao mesmo tempo; assombrosa; avassaladora. Jamais esquecerei o trilho “9”. O Teide. Tenerife. Jamais!

Chegados ao parque, o casal francês que nos induziu em erro abordou-nos. Tinham percebido o sucedido e, ao verem que não tínhamos carro no parque, decidiram dar-nos boleia para irmos buscar o nosso carro: “é o mínimo que podemos fazer”, gracejaram.

O Trilho 9 é linear e tem 9,3km de extensão. O desnível positivo acumulado é de pouco mais de 100 metros; e o negativo ultrapassa os 1.500 metros.

Mapa dos Trilhos do Teide

Mapa de trilhos do Parque Nacional do Teide
Mapa de trilhos do Parque Nacional do Teide (o Teleférico do Teide deixa o viajante naquela interseção entre os trilhos 10, 11 e 12)

Veja também o roteiro de 2 dias no Teide e conheça os melhores trilhos de Tenerife.

Guia prático

Como chegar a Tenerife

Atualmente há pelo menos três companhias aéreas com voos diretos entre Portugal e Tenerife. São elas a Ryanair, com voos do Porto para o Aeroporto de Tenerife Sul (TFS); e a Vueling e a TAP, com voos de Lisboa para o Aeroporto de Tenerife Norte (TFN). Veja como comprar voos baratos e pesquise as melhores tarifas usando o link abaixo.

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Como organizar a caminhada

Não sendo um trilho circular, precisa de decidir onde quer deixar o carro. Ou deixa o carro no parque de estacionamento Narizes do Pico e pede boleia até ao Teleférico do Teide antes da caminhada; ou deixa o carro junto ao teleférico e, no final, pede boleia até ao carro. Eu escolhi a segunda opção.

Sugestão de roteiro, passo a passo

  1. Sair muito cedo e deixar o carro fora do parque de estacionamento do Teleférico do Teide (por segurança, caso só consiga regressar após as 18:00, quando as cancelas do estacionamento são encerradas). Veja o local exato a que me refiro no mapa abaixo.
  2. Subir numa das primeiras viagens de teleférico disponíveis (reserve online com antecedência).
  3. Faça o trilho 11 (até ao Miradouro La Fortaleza) em jeito de aquecimento.
  4. Caso tenha reservado o Trilho 10 até ao topo do Teide, faça-o agora. Lembre-se que está a uma altitude considerável, pelo que modere o esforço.
  5. Faça o trilho 12 e continue pelo 9, até ao parque de estacionamento do miradouro Narizes del Teide (conte com pelo menos 5 horas para esta fase).
  6. Peça boleia de regresso ao Teleférico do Teide.

Outras dicas para caminhar no Teide em segurança

  • Leve roupa quente (de preferência vista-se por camadas), incluindo luvas e gorro. O Teleférico do Teide deixa-o a 3.550 metros de altitude e, lá em cima, está sempre frio e vento.
  • Leve muita água e alguns alimentos (fruta, sanduíches, barras de cereais, frutos secos).
  • Não faça o Trilho 9 sem botas de trekking. Caminhar sobre lava requer boa proteção para os tornozelos, razão pela qual recomendo o uso de botas de montanha.
  • Instale a app Maps.me e descarregue o mapa de Tenerife, ou leve um sistema de GPS. No portal Web Tenerife consegue descarregar ficheiros GPX e KLM com o trilho marcado (veja aqui) que, em caso de dúvida, o poderão ajudar a tomar a direção correta. Eu tinha feito isso mas, por descuido, mesmo assim enganei-me.
  • Caso queira fazer o curto mas exigente trilho até ao topo do Teide (Trilho 10), saiba que tem de efetuar uma inscrição gratuita no site da Rede de Parques Nacionais. Não se esqueça de imprimir o comprovativo em papel e levá-lo consigo nesse dia.
  • Faça um seguro de viagem, porque azares acontecem quando menos se espera. Eu recomendo a IATI Seguros (se usar este link tem 5% de desconto).

Onde ficar

Escrevi um texto para o ajudar a escolher a melhor região onde ficar em Tenerife, no qual recomendo, com especial ênfase para quem gosta de fazer caminhadas, que se hospede na zona Norte da ilha. Sugiro que o leia atentamente; ou, se preferir, pesquise desde já um hotel em Tenerife usando o link abaixo.

Além de todas as sugestões do post – cuja leitura recomendo, saiba que é possível dormir uma noite – apenas uma noite! – no refúgio do Teide, a 3.260 metros de altitude, facto que permitirá explorar a zona do vulcão com outra profundidade. Eu não o fiz porque, quando descobri esta possibilidade, estava já completamente esgotado para as minhas datas. Assim, veja as datas disponíveis na página oficial e reserve com muita antecedência. No dia seguinte terá de deixar o refúgio até às 7:30 da manhã.

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Filipe Morato Gomes
Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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