O final é sempre difícil de contar, talvez porque seja o fim, mas também porque é um turbilhão de momentos, pensamentos, reflexões, que nos deixam perdidos, sem rumo, depois de tantos meses e quilómetros de estrada. O final é sempre a sensação de estranheza, porque é como se só aí tivéssemos chegado ao fim da viagem. O final é sempre o fim a que queremos fugir, porque nos faz relembrar e a memória traz-nos sede de mais. O final que queríamos adiar, chegou… finalmente.
E é assim que após quatro meses depois do nosso regresso, nos despedimos finalmente das pessoas que nos acompanharam no Alma de Viajante. A nossa viagem de bicicleta levou-nos longe, muito mais longe do que aquilo que ao início, confessamos, acreditámos poder ser capazes de fazer.
O facto de dizer Macau, de o traçar como nosso destino, fazia-nos pensar em algo longe, muito longe, distante de todas as imagens que tínhamos, distante de tudo, levando-nos a imaginar, só imaginar na altura, todo o desconhecido pela frente. O facto de dizer Macau, lá longe, na China, soava-nos a inalcançável. Não o foi e em dezanove meses de viagem, pedalando muito lentamente, usufruindo do prazer que só uma viagem destas nos proporciona, chegámos a 2 de maio de 2012 lá, lá longe, a Macau!
Pelo caminho e pensando agora depois deste tempo a refletir no que foi, o que menos interessa são os quilómetros, embora seja a primeira pergunta que as pessoas geralmente fazem. Isso e o dinheiro gasto, neste fascínio por números que o animal humano tem e, na minha opinião, completamente contrário à ideia de viagem.
É mais difícil fazer um milhar de quilómetros na Ásia Central do que mais de dez mil, como fizemos, na Europa, isso vos garanto! O que menos interessa é a quantidade de furos, a quantidade de países, a quantidade de monumentos visitados.
Trocaria tudo isso por um almoço com uma família no Irão, por minutos a aprender a fazer pão no Curdistão turco, pela fogueira a arder numa noite gelada na companhia dos beduínos na Jordânia! Trocaria Petra pelo chá que uma senhora nos trouxe no meio da rua quando parámos para descansar? Sem dúvida! Trocaria Halong Bay por uma festa de casamento no qual entrámos sem ser convidados no Tajiquistão e onde dançámos como se não houvesse amanhã? Sem pensar duas vezes!
Não são os monumentos que nos marcam, são os momentos. Os sorrisos. A humildade. A hospitalidade. A generosidade. O que nos marcou nesta viagem, foi terem-nos batido com a porta na cara numa Suíça que pensamos desenvolvida e termos sido convidados a dormir numa mesquita no Curdistão!
O que nos marcou foi olharem para nós como dois pobres abandonados numa Europa cheia de ideais e nos terem convidado para só mais um chá em famílias, elas sim pobres e abandonadas, no mais distante do turismo no Egito! O que nos revolta é pensarmos que no ocidente somos donos da razão e chegarmos a países dos quais temos medo e nos sentirmos pequenos por serem tão grandes no pensamento, nas ideias, na razão, na compreensão.
Foram muitos os países que passámos, mas o que mais nos tocou sem dúvida foi o Irão, por tudo, deles, e pelo nosso nada. Foi belo e costumo dizer que difícil de explicar para quem nunca lá esteve. Mas foi também o Médio Oriente, com a Síria à cabeça. Foi também o lado ausente ao turismo do Egito. Foi um Vietname interior e acolhedor. Foi um Paquistão sorridente e hospitaleiro. Foi uma China complicada, reflexo do terceiro mundo, cheia de contrastes chocantes. Foi uma Índia super povoada, super poluída, super ruidosa, super no seu sentido máximo, país que amo e detesto, país a que é preciso regressar sempre mais uma vez, por mais ódio ou amor que se sinta. Foi uma França sempre acolhedora a que regressamos sempre com o maior dos prazeres. Foi uma Tailândia de sorrisos que tanto nos faziam falta depois de meses seguidos na Índia. Foi um Macau português, pousado numa calçada portuguesa da qual tanta falta sentíamos.
Mas foram também amizades fortes que ficaram: o Sam e a Frank, com quem pedalámos em quatro países diferentes, o Jorge Vassalo que reencontrámos na Índia, o Filipe, a Luísa e a Pikitim, que encontrámos na Tailândia, o Pashu, amigo indiano de anos, o embaixador português na Índia e a sua esposa, as famílias portuguesas que nos acolheram em Delhi, o JP, homem do Porto de bigode farto e riso fácil que nos convidou para sua casa, foi a Bedhur, uma menina cor da montanha em Petra, com quem passámos os nossos dias e nos fez jurar dar o seu nome a uma filha nossa, foi o Halid, o iraniano que conhecemos no Iraque e que nos ajudou tanto no país, foi o Mohamed, no Egito, e tantos outros Mohameds por esses países muçulmanos fora, foram os desconhecidos que passaram a ser amigos, pessoas que nos fizeram compreender um pouco mais as suas tradições, as suas religiões, as questões que dividem o mundo, o medo que têm, os desejos e que descobrimos são comuns a todos nós.
Foi a fé dos muçulmanos à sexta-feira nas mesquitas por esse mundo fora, foram palavras e cantos de padres na Síria, foram horas de reflexão em mosteiros, assistir a rezas budistas, sentarmo-nos em templos hindus, partilhar as rezas, antes e depois das refeições, como se da nossa religião se tratasse, respeitando todos, sendo abertos a tudo, pelo respeito que temos que ter, que nos é obrigatório, que nos é essencial para que possamos continuar a viajar, a viver, acima de tudo!
Tudo no fim poderá parecer uma reflexão, mais do que uma viagem, mas é exatamente por isso que viajamos, para refletir, para aprender, para receber mais, muito mais, sempre demasiado! Foi este demasiado que nos obrigou a estar ausentes estes quase quatro meses após a viagem, porque o demasiado exige reflexão! Após este tempo, estamos finalmente prontos a falar, a discutir a apresentar e a escrever sobre a viagem.
Resta-nos agradecer ao Filipe e ao Alma de Viajante toda a amizade, conselhos, dicas e recetividade à nossa viagem. Um grande abraço de amigos!
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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