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Trilho do Vale de Paúl (Cova – Pombas), descida vertiginosa nas brumas do Paúl

Por Filipe Morato Gomes
Trilho do Vale do Paúl, Santo Antão
Trilho do Vale de Paúl, entre Cova e Pombas, ilha de Santo Antão

Quando decidi visitar Santo Antão, tinha por objetivo fazer caminhadas. E, entre todos os trekkings, o Trilho do Vale de Paúl (PR1 SAPL) era aquele que eu mais queria fazer. Tinha lido alguns relatos que falavam da beleza da cratera e da descida vertiginosa em direção ao fundo do vale, e tudo isso motivou-me a fazer o trilho. Não por acaso, é unanimemente considerado um dos melhores trekkings de Santo Antão.

O que eu não sabia é que, estando hospedado na povoação de Paúl, o percurso vale pela experiência completa, redondinha, com princípio e fim na pousada onde me encontrava. Do coletivo para a Ribeira Grande ao táxi montanha acima, passando pelo trekking propriamente dito, é um dia em cheio em qualquer roteiro para visitar São Vicente e Santo Antão!

Assim, neste artigo partilho a minha experiência a fazer o Trilho do Vale de Paúl, começando na cratera vulcânica conhecida como Cova e terminando na povoação de Paúl. Vamos a isso.

Transporte até à cratera vulcânica de Cova

Delgadinho, Santo Antão
Paragem em Delgadinho para apreciar a imponente paisagem montanhosa de Santo Antão

Após um farto pequeno-almoço tomado na pousada Black Mamba, onde estava hospedado, apanhei um coletivo de Paúl até à Ribeira Grande. Ao volante da Hiace estava Lenito, um jovem natural de Sinagoga muito correto e prestável.

Ali mesmo, combinei com ele levar-me da Ribeira Grande até à cratera vulcânica de Cova pela “estrada velha”, com paragem em miradouros e outros pontos de interesse. E assim fizemos.

É uma estrada belíssima, que passa por ravinas escarpadas com vista para povoações encavalitadas nas vertentes rochosas, até chegar à região de Corda, lá no alto. E é nesse troço, antes de chegar à aldeia de Corda, que fica o estreito de Delgadinho, altura em que a estrada segue pelo topo de uma crista vertiginosa com os vales da Ribeira da Torre e da Ribeira do Duque de cada lado, lá ao fundo. É um assombro!

Como combinado, Lenito parou a carrinha para que pudesse apreciar as vistas, fotografar, aproveitar tamanha beleza.

Cova, Santo Antão
Cova, a cratera vulcânica no centro de Santo Antão

A viagem prosseguiu tranquilamente, passando pela aldeia de Espongeiro, com uma e outra paragem para fotografar montanhas e vales; até que chegámos a Cova e Lenito parou no miradouro homónimo – uma estrutura que, em dias de pouca nebulosidade, oferece vistas espetaculares sobre a cratera vulcânica.

Para completar o cenário, havia nuvens em movimento que acrescentavam uma certa magia à visão da cratera, sem a obstruir totalmente. Wow!

Depois do miradouro, Lenito fez questão de percorrer de carro mais algumas centenas de metros, até ao ponto que marca o início oficial do percurso pedestre. Despedimo-nos, ele deu meia volta com a viatura e voltou à Ribeira Grande. Era então hora de começar a caminhar…

Trilho no Vale de Paúl, Santo Antão

Cova

Trilho no Vale de Paúl (Cova - Pombas)
Trilho no Vale de Paúl (Cova – Pombas)

Com céu limpo e temperatura amena, iniciei então a descida da borda da cratera rumo ao seu interior. A Cova é uma cratera circular imponente, com um diâmetro enorme, em cujo interior se vislumbram casas de habitação e muitos terrenos de cultivo que, ali, são bastante férteis.

Havia também homens a trabalhar nos campos, algum gado solitário e pastores com os seus animais. Um cenário bucólico e bem agradável para início de caminhada.

Trilho no Vale de Paúl (Cova - Pombas)
Trilho no Vale de Paúl (Cova – Pombas)
Trekking Cova - Pombas
Trekking Cova – Pombas

Às tantas, já do lado oposto da cratera, o trilho começou a subir lenta mas continuamente. Ao longe, viam-se nuvens baixas serem arrastadas a grande velocidade, como se houvesse uma ventoinha a empurrá-las para cima.

De repente, a subida terminou e, assim que cruzei a crista do monte para o outro lado, fui atingido por um frio gelado trazido pelo vento. Diante dos meus olhos estava o Vale de Paúl – mas totalmente invisível. Com exceção de um pedaço de trilho à minha frente, não se via absolutamente nada. Só as densas nuvens voando do fundo do vale…

Vale de Paúl

Vale do Paúl, Santo Antão, Cabo Verde
Nevoeiro cerrado no Vale de Paúl, Santo Antão

E assim, com temperaturas bastante inferiores e um nevoeiro cerrado, iniciei a descida do Trilho do Vale de Paúl ao longo de um caminho em ziguezague e incrivelmente íngreme pela vertente da montanha. Felizmente, o piso era bastante regular, facto que facilitava em muito a progressão e não exigia ainda mais dos joelhos. Mas não era nada fácil.

Felizmente, a paisagem era absolutamente magnífica (apesar da curta visibilidade). Era como se estivesse dentro de um dos livros da trilogia As Brumas de Avalon, da escritora Marion Zimmer Bradley, que devorei na adolescência.

Caminheiros no Vale do Paúl
Caminheiros no Vale de Paúl (a fazer o trilho no sentido ascendente!)

Às tantas, estava eu a contemplar a paisagem quando avistei um casal de caminheiros a fazer o trilho em sentido contrário. Venciam a assustadora inclinação deste troço do Trilho do Vale de Paúl a um ritmo impressionante. Talvez fossem atletas e estivessem a treinar, não sei – mas foi a única explicação que me ocorreu para alguém fazer o percurso no sentido ascendente!

À medida que a altitude ia diminuindo, a visibilidade ia aumentando e fui podendo apreciar ainda melhor a beleza do Vale de Paúl. Até que comecei a avistar as primeiras casas, lá ao fundo. Era Chã de Manuel dos Santos, o fim oficial do percurso marcado PR1 SAPL.

Chã de Manuel dos Santos

Chã de Manuel dos Santos, Paúl
Ao longe, Chã de Manuel dos Santos, no Vale de Paúl
Plantação de cana-de-açúcar em Santo Antão
Plantação de cana-de-açúcar perto de Chã de Manuel dos Santos, Santo Antão

Antes de chegar a Chã de Manuel dos Santos, no entanto, a paisagem sofreu uma curiosa mutação: comecei a atravessar plantações de cana-de-açúcar. Sendo janeiro, as canas estavam na última fase de crescimento antes de serem apanhadas, bastante altas, tornando a paisagem momentaneamente mais fechada. O cenário estava lindo. Mesmo sem o céu estar pintalgado de azul!

Chã de Manuel dos Santos, Paúl
Chã de Manuel dos Santos, Paúl

Feliz ou infelizmente, não me delonguei muito em Chã de Manuel dos Santos. A aldeia até me pareceu ter algum movimento. Havia gente na rua, com quem aqui e ali fui trocando palavras de circunstância, mas o meu objetivo estava um pouco mais adiante, no lugar de Chã de João Vaz.

Por esta altura, já passava da uma da tarde e, apesar das barras de cereais que levara para o trekking, já sentia vontade de parar para descansar e, mais do que isso, para comer qualquer coisa. E foi com esse desejo em mente que prossegui viagem.

Chã de João Vaz

Trapiche para fazer grogue
Antigo trapiche para fazer grogue

Ora, é precisamente no lugar de Chã de João Vaz que fica O Curral, um restaurante tradicional cabo-verdiano com excelentes referências. Tinha-me sido recomendado por Liana, a dona italiana da pousada Black Mamba, como sendo um sítio perfeito para almoçar durante o Trilho do Vale de Paúl. E assim fiz.

Provei três pratos locais (a dividir por duas pessoas), incluindo um curioso caldo de cachupa, uma feijoada vegetariana e umas batatas com ovo deliciosas. Tudo acompanhado por um sumo de frutas e bissap (hibisco).

Contas feitas, foi uma excelente aposta. Um almoço delicioso e recomendável.

Trilho Vale do Paúl
Vale de Paúl

De estômago recomposto, indaguei sobre se haveria alguém a fazer grogue em Chã de João Vaz, mas era ainda demasiado cedo. A cana-de-açúcar ainda não tinha sequer sido apanhada (como eu tinha visto pouco antes), e “só lá para março” iriam começar a produção, disseram-me.

Ainda assim, restou-me parar num trapiche adaptado para o turismo, onde era possível provar vários tipos de grogue e se vendiam as respetivas garrafas. Provei um dos grogues, é certo, mas o que eu gostaria era de ver o processo de fabrico propriamente dito. Mas isso terá de ficar para um eventual regresso a Santo Antão…

Pombas

O que visitar em Santo Antão: Paúl
Chegada a Pombas, ilha de Santo Antão

Continuei a caminhar pelo Vale de Paúl.

Em jeito de tortura, passaram alguns coletivos com lugares livres, mas optei por não apanhar nenhum e prosseguir a caminhada. A descida por estrada era fácil, não faltavam assim tantos quilómetros e as pernas ainda estavam a responder – apesar do desgaste da descida! E, não menos importante, a minha ideia era “fechar o círculo” voltando a pé até à pousada Black Mamba, de onde saíra de manhã cedo.

Com essa mentalidade, segui estrada abaixo até à Cidade das Pombas, sem pressas. Quando por fim cheguei à pousada, sentia aquela sensação vitoriosa do dever cumprido. Tinha sido um dia em cheio a caminhar ao longo de um dos mais belos percursos pedestres de toda a ilha de Santo Antão. Maravilhoso!

Tudo somado, não deixe de incluir o Trilho do Vale de Paúl na lista com o que fazer em Santo Antão. Vai ver que não se arrepende.

Ficha técnica do trekking Cova de Paúl – Pombas (PR1 SAPL)

  • Tipo de percurso: Linear.
  • Início/Final: Cova/Cidade das Pombas (contando com o trilho oficial mais o trajeto por estrada até Pombas).
  • Distância: 13 km.
  • Duração: 5 horas.
  • Nível de dificuldade: Intermédio. Fazendo no sentido Cova – Pombas, o percurso é sempre a descer, pelo que, apesar de tranquilo do ponto de vista cardiovascular, exige grande esforço dos joelhos.
  • Acessibilidade: De “aluguer”. Ver “como chegar”, abaixo.

Outros trilhos a fazer em Santo Antão

A ilha de Santo Antão está recheada de percursos pedestres maravilhosos. Para quem gosta de caminhar recomendo a leitura do artigo sobre trekking em Santo Antão. Mas, em resumo, aqui ficam outras sugestões de trilhos na ilha:

Guia prático

Como chegar a Cova (início do trekking)

Não havendo coletivos a fazer esta rota, para chegar a Cova é preciso ir de carro privado (táxi) a partir da Ribeira Grande, numa viagem ao longo da “estrada velha” que serpenteia pelas montanhas de Santo Antão e oferece vistas maravilhosas. É nessa estrada que fica o muito fotografado estreito de Delgadinho. Conte pagar 1.000 escudos cabo-verdianos pelo transporte entre Ribeira Grande e Cova.

Em resumo, apanhei um coletivo de Paúl para Ribeira Grande (100 CVE por pessoa), de lá um táxi para Cova (1.000 CVE pelo carro) e depois fiz tudo a pé até Paúl (Cidade das Pombas).

Dicas para fazer o trilho no Vale de Paúl

  • Leve roupa quente e um corta-vento para as montanhas (de preferência vista-se por camadas). Nos locais de maior altitude pode estar muito mais frio do que imagina.
  • Leve água e alguns alimentos (fruta, sanduíches, barras de cereais, frutos secos).
  • Use botas de trekking, com proteção para os tornozelos e boa aderência. Caminhar no terreno pedregoso e com grandes declives requer boa proteção para os tornozelos, razão pela qual recomendo o uso de botas de montanha.
  • Neste trilho dificilmente se enganará no caminho; mas, ainda assim, instale a app Maps.me e descarregue o mapa de Cabo Verde. Para mim, o Maps.me é salvador nas caminhadas em Santo Antão, ao passo que o Google Maps é praticamente inútil.
  • Faça um seguro de viagem, porque azares acontecem quando menos se espera. Eu recomendo a IATI Seguros (se usar este link tem 5% de desconto).

Onde ficar em Santo Antão

Antes de mais, veja o artigo sobre os melhores hotéis onde ficar em Santo Antão para todas as dicas relativas ao alojamento na ilha. Em resumo, para o meu estilo, o hotel Black Mamba, instalado numa propriedade muito bem cuidada na povoação de Paúl, é um dos melhores hotéis onde ficar em Santo Antão. Ainda em Paúl, recomendo também a pousada Oasis Paul Residencial.

Caso prefira montar a sua base na Ponta do Sol, considere o B&B Coração Ponta do Sol, seguramente uma das melhores hospedagens da ilha de Santo Antão.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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