Arrebatador – é o que me ocorre dizer sobre o Trilho Ponta do Sol – Cruzinha, na ilha cabo-verdiana de Santo Antão. É de uma beleza assombrosa, um percurso pedestre exigente quanto baste mas verdadeiramente extraordinário. São mais de 15 km de puro deleite visual, boa parte do tempo caminhando entre o mar e escarpas vertiginosas. Mesmo medindo as palavras, tenho para mim que o Trilho Ponta do Sol – Cruzinha é, seguramente, um dos melhores trekkings de Santo Antão. Wow!
No topo da minha lista de caminhadas épicas continua o trilho Pico Velho – Narizes do Teide, em Tenerife, mas este Trilho da Ponta do Sol pouco lhe fica atrás. É maravilhoso. Não sei porquê, lembrei-me várias vezes de Tenerife – essa Meca do trekking nas ilhas Canárias. Aliás, salvo as devidas diferenças na vegetação, o trekking Ponta do Sol – Cruzinha fez-me lembrar um pouco o trilho Afur – Taganana. Mas é ainda mais espetacular!
Ora, serve este artigo para partilhar a minha experiência a fazer o Trilho da Ponta do Sol, começando na vila homónima e terminando na aldeia de Cruzinhas. Não deixe de o incluir na lista com o que fazer em Santo Antão. Vamos a isso.
Trilho da Ponta do Sol
Ponta do Sol
Após estudar o perfil da caminhada (ver gráfico no “Guia prático”, no final do artigo), decidi começar o trekking na Ponta do Sol. Assim, e após um pequeno-almoço no Black Mamba, onde estava hospedado em Paúl, apanhei um coletivo até à Ribeira Grande (a estrada marginal é fenomenal); e de lá outro coletivo até à Ponta do Sol, povoação edificada numa fajã no norte de Santo Antão.
Lá chegado, e depois de dar um pequeno passeio pelo centro da vila, dirigi-me até ao cemitério local, ponto de partida para o ansiado percurso pedestre. O dia prometia ser duro mas maravilhoso!
O trilho Ponta do Sol – Cruzinha começa com uma subida um pouco íngreme, em jeito de boas-vindas para o que me esperava ao longo do dia. Felizmente, o piso estava bem cuidado e com poucas irregularidades, facto que facilitava – e muito! – a progressão.
À saída da Ponta do Sol, é possível observar um vasto conjunto de pocilgas instaladas na escarpa virada ao mar. É em espaços como aqueles, bem diferentes das pocilgas que conheço, que são criados os porcos de Santo Antão.
E assim fui deixando a Ponta do Sol para trás…
Fontainhas
Os primeiros três quilómetros, em direção à aldeia das Fontainhas, foram quase sempre a subir. E foi só quando a aldeia começou a aparecer no horizonte que a subida deu lugar a uma curta descida rumo ao pequeno aglomerado urbano.
Do outro lado da montanha, dava para ver o trilho serpenteando escarpa acima, com minúsculos pontos em movimento ao longo do percurso pedestre. Nesta fase do percurso, a paisagem é arrebatadora. Ainda não tinha passado uma hora de caminhada e já estava totalmente rendido ao trilho Ponta do Sol – Cruzinha, unanimemente considerado um dos melhores trilhos de Santo Antão (ou mesmo o melhor!).
Aproximei-me um pouco mais das Fontainhas e, aí sim, pude apreciar a aldeia em todo o seu esplendor. Wow!
Os habitantes locais gostam de enfatizar que a edição espanhola da revista National Geographic em tempos elegeu Fontainhas como uma das “aldeias com melhores vistas” em todo o mundo. É um orgulho.
Mas, distinções à parte, a verdade é que é uma aldeia incrivelmente bonita, perdida no meio das montanhas mas com o mar em pano de fundo, numa envolvência de cortar a respiração. Não sou facilmente impressionável em viagem, mas a aldeia das Fontainhas merece todos os elogios. É tudo muito, muito bonito.
À passagem pela aldeia, cruzei-me com alguns moradores, fiquei à conversa com um ou outro e parei vezes incontáveis para fotografar. A paisagem é mesmo espetacular, neste que é um dos troços mais fascinantes do Trilho Ponta do Sol – Cruzinha. E a beleza haveria de continuar até ao Corvo, a próxima aldeia no percurso.
Corvo
À saída das Fontainhas, cruzei-me com o senhor João. Estava a percorrer o caminho em direção ao Corvo, acompanhado pela sua mula. Trocámos umas palavras de circunstância e deixei-o passar, uma vez que o seu ritmo era infinitamente mais veloz do que o meu. Sim, o trilho é usado pelos habitantes locais.
Depois de uma subida relativamente curta, comecei então a descer um troço muito íngreme em direção ao Corvo. Para quem vem em sentido oposto, é uma subida de respeito, ao ponto de lhe chamarem a Via-Sacra, com as respetivas marcações evocativas das 14 estações (ou passos) da Via-Crúcis, o “trajeto percorrido por Jesus, carregando a cruz até ao Calvário, onde faleceu”.
Foi ali, à chegada ao Corvo, escapando à subida da Via-Sacra, que tive a certeza de ter escolhido o melhor sentido para fazer o Trilho da Ponta do Sol.
Na verdade, cruzei-me com vários turistas, maioritariamente franceses, a fazerem o trekking em sentido contrário. Desconheço os motivos, mas julgo que terá mais a ver com o problema dos transportes em Cruzinha do que com o grau de dificuldade do trilho.
Mas ali estava a aldeia do Corvo, encaixada no fundo do vale, com as casas encavalitadas na escarpa e os socalcos construídos pelo Homem para a prática da agricultura. Mais um pedaço maravilhoso da caminhada (o troço entre um pouco antes das Fontainhas e um pouco depois do Corvo é, provavelmente, a parte mais bonita do percurso).
Deixando o Corvo para trás, o próximo objetivo era então chegar à aldeia de Formiguinhas, onde sabia da existência de restaurantes locais onde poderia almoçar. A partir dali, o trilho seguia sempre junto ao mar e, com essa motivação gastronómica adicional, fui caminhando até chegar ao povoado de Formiguinhas.
Formiguinhas
Estrategicamente colocada a meio do percurso, a aldeia de Formiguinhas é a paragem ideal para quem quer retemperar forças com uma refeição cabo-verdiana. Não achei a aldeia nada de especial, pelo menos quando comparada com as Fontainhas ou com o Corvo, mas por essa altura o corpo pedia descanso, uma coca-cola gelada e algo para aconchegar o estômago.
E assim parei no restaurante Izabel. Foi-me sugerido comer frango, algo que aceitei naturalmente. Descobri depois que também havia peixe, que eu teria preferido, mas não percebi se o comensal pode escolher ou se a ementa vai variando consoante a disponibilidade. Mas pouco importa. Comi bem e recuperei energias para o resto do trajeto. Saí do restaurante e pus-me a caminho.
Aldeia abandonada
Deixar Formiguinhas para trás era sinónimo do fim das grandes elevações no Trilho da Ponta do Sol. A partir daí – e até Cruzinha -, o percurso mantinha-se quase sempre junto ao mar, com pequenos altos e baixos que iam fazendo mossa, não por serem muito íngremes mas pelo acumular de quilómetros nas pernas.
O trilho passou ainda por uma aldeia abandonada aparentemente chamada Chã de Mar, de que restam algumas casas em ruínas, antes de passar junto à chamada Praia d’Aranhas. Por essa altura, com o sol a ficar cada vez mais inclemente sem a proteção matinal da escarpa, já só pensava na chegada a Cruzinha. Estava cansado, mas imensamente feliz.
Praia d’Aranhas
Nesta fase do trekking, fui ultrapassado por um casal em passo muito acelerado. Apesar da tentação de tentar acompanhar os mais rápidos, preferi manter o meu ritmo relaxado. Até porque havia uma subida pequena mas extenuante que já não estava à espera, numa estrada em ziguezague com declive acentuado.
Adiante, o areal da praia d’Aranhas parecia igualmente tentador para refrescar o corpo do cansaço acumulado, mas sabia de antemão que as correntes são fortes e traiçoeiras, pelo que prossegui a caminhada por um descampado já afastado das escarpas até uma estrutura que avistara pela primeira vez durante o almoço em Formiguinhas.
Tratava-se do hotel Questel BronQ Resort, estrategicamente localizado algumas centenas de metros antes de Cruzinha, com vistas desafogadas para o oceano Atlântico. Sei de alguns caminheiros que acabam o trilho ali mesmo, mas não era esse o meu plano, pelo que prossegui por um caminho de areia rumo ao povoado.
Cruzinha
Pouco depois, chegava finalmente a Cruzinha. Ali, voltava a haver uma estrada asfaltada a ligar a aldeia ao resto da ilha, pelo que Cruzinha estava mais desenvolvida.
Cruzei-me com alguns moradores, estive com um grupo de Paúl em festa (era sábado) e apreciei a arte urbana que embeleza as fachadas dos edifícios. E comecei a procurar forma de voltar à Ribeira Grande. Foi nessa altura que vi uma carrinha estacionada com o motorista ao volante.
Fui então falar com o motorista. Depois de alguma conversa amigável, explicou que estava a fazer um tour com um casal estrangeiro, mas, como eles não se importavam de me dar boleia, aceitou levar-me até à Ribeira Grande. O meu problema de transporte no final do trilho estava resolvido!
Entre o cemitério da Ponta do Sol e a povoação de Cruzinha demorei exatamente 5 horas e 45 minutos, incluindo a paragem para o almoço. Note que há quem continue a caminhar até Chã de Igreja, mas acho um erro descomunal, uma vez que essa parte do trilho, por estrada, não tem grande interesse.
Regresso à Ribeira Grande
E assim, de alma cheia, entrei na carrinha e comecei a fazer a viagem de regresso, com direito a um par de paragens para apreciar a paisagem, incluindo num miradouro cujas vistas me ficaram gravados na memória: a vista sobre o Vale da Ribeira da Garça e suas aldeias.
Alguns quilómetros adiante, cheguei finalmente à Ribeira Grande, onde apanhei um coletivo de regresso a Paúl, a minha base para as caminhadas em Santo Antão. Era o final de um dia em cheio, com alguma sorte à mistura no transporte final. Percorrer o Trilho Ponta do Sol – Cruzinha tinha sido uma experiência maravilhosa. É lindo! Recomendo vivamente a todos os que visitem Santo Antão.
Versão curta do trilho: Fontainhas – Ponta do Sol
Para quem quer conhecer a maravilhosa aldeia das Fontainhas mas não se sente capaz de fazer um trilho tão longo, saiba que há uma alternativa muito interessante.
Uma vez que, atualmente, a estrada já chega a Fontainhas, pode pagar um táxi para a viagem de Ponta do Sol até Fontainhas, fazendo o regresso a pé. Nesse caso, e após uma pequena subida inicial, o percurso será sempre a descer até Ponta do Sol, pelo que a dificuldade não é grande (são pouco mais de 3 km de passeio). Fica a sugestão, caso não queira fazer a totalidade do percurso Ponta do Sol – Cruzinha.
Ficha técnica do trilho Ponta do Sol – Cruzinha (Santo Antão)
- Tipo de percurso: Linear.
- Início/Final: Ponta do Sol/Cruzinha.
- Distância: 15,50 km.
- Duração: 5 a 6 horas.
- Nível de dificuldade: Intermédio. Eu pensei que fosse mais duro, mas acabei por aguentar muito bem. Tem muito desnível acumulado mas, tirando um ou outro ponto mais difícil, acaba por se fazer razoavelmente bem. Note, no entanto, que o percurso é bastante longo e, depois de Fontainhas, não há ponto de fuga… tem mesmo de continuar até ao fim!
- Acessibilidade: De “aluguer”. Ver “como chegar”, abaixo.
Outros trilhos a fazer em Santo Antão
A ilha de Santo Antão está recheada de percursos pedestres maravilhosos. Para quem gosta de caminhar recomendo a leitura do artigo sobre os melhores trilhos de Santo Antão. Mas, em resumo, aqui ficam outras sugestões de trekking em Santo Antão:
- Trilho Tarrafal – Monte Trigo
- Trilho do Vale de Paúl
- Trilho Corda – Coculi
- Trilho Pinhão – Lombo Branco – Sinagoga
Guia prático
É melhor fazer o Trilho da Ponta do Sol em que sentido?
Como referido, eu optei por fazer no sentido Ponta do Sol – Cruzinha e creio ter sido a melhor opção. A principal vantagem de começar em Ponta do Sol é que se faz a parte mais difícil do trilho no início, evitando uma subida brutal antes de chegar a Fontainhas no final (caso comece em Cruzinha). Ou seja, creio que é mais fácil fazer nesta direção. Veja a imagem abaixo e perceberá.
A principal desvantagem de fazer no sentido Ponta do Sol – Cruzinha tem a ver com o regresso no final do trilho. Será praticamente impossível conseguir um coletivo em Cruzinha a meio da tarde, pelo que muito provavelmente terá de pagar um táxi até Ponta do Sol ou Ribeira Grande (4.000-4.500 CVE). Mas tente partilhar a viagem com outros caminheiros para diminuir o custo.
Como chegar a Ponta do Sol (início do trekking)
Assumindo que começa em Ponta do Sol, como eu recomendo, o acesso a Ponta do Sol é facílimo. Uma vez em Ribeira Grande, há imensos coletivos a ligar as duas povoações (a viagem custa 50 escudos cabo-verdianos por pessoa). Deve apanhar o transporte para Ponta do Sol exatamente aqui.
Se, por algum motivo, preferir começar a caminhada em Cruzinha, há coletivos de manhã cedo a partir da Ribeira Grande (450 CVE por pessoa).
Dicas para fazer o Trilho da Ponta do Sol
- Leve roupa quente e um corta-vento (de preferência vista-se por camadas). Mesmo sendo quase sempre junto ao mar, pode estar mais frio do que imagina.
- Leve muita água e alguns alimentos (fruta, sanduíches, barras de cereais, frutos secos).
- Use botas de trekking. O piso é quase sempre bom, mas eu prefiro calçado com proteção para os tornozelos e boa aderência, razão pela qual recomendo o uso de botas de montanha.
- Instale a app Maps.me e descarregue o mapa de Cabo Verde, ou leve um sistema de GPS com os ficheiros GPX. Com exceção da parte final, perto de Cruzinha, é virtualmente impossível enganar-se no trilho. Dito isto, para mim, o Maps.me é salvador nas caminhadas em Santo Antão, ao passo que o Google Maps é praticamente inútil.
- Faça um seguro de viagem, porque azares acontecem quando menos se espera. Eu recomendo a IATI Seguros (se usar este link tem 5% de desconto).
Onde ficar em Santo Antão
Antes de mais, veja o artigo sobre onde dormir em Santo Antão para todas as dicas dos melhores hotéis e regiões onde se hospedar. Em resumo, para o meu estilo, o hotel Black Mamba, instalado numa propriedade bem cuidada na povoação de Paúl (Cidade das Pombas), é um dos melhores hotéis onde ficar em Santo Antão. Ainda em Paúl, recomendo também a pousada Oasis Paul Residencial.
Mas, caso prefira ficar em Chã de Igreja no final do trilho – coisa que muitos viajantes optam por fazer! -, saiba que há três excelentes opções a considerar. São elas o Questel BronQ Resort, localizado antes de chegar a Cruzinha; o extraordinário Palmeira da Cruz EcoLodge, com instalações e serviço muito acima da média para Santo Antão (para mim é o melhor hotel da região); ou ainda o Ecolodge Kasa d’Igreja, já perto do lugar de Chã de Igreja.
Seja como for, e dado o dinamismo recente da ilha, confirme no link abaixo se entretanto surgiram outras opções de alojamento em Chã de Igreja.
Pesquisar hotéis em Chã de Igreja
Gastronomia e onde comer
Dada a duração do trilho, a existência de pequenos restaurantes no lugar de Formiguinhas, sensivelmente na metade do percurso, é um facto muito bem-vindo. Permite almoçar e retemperar energias.
A esse respeito, saiba que existem dois restaurantes em Formiguinhas chamados Sónia e Izabel. Eu comi no Izabel e recomendo, mas creio que não haverá grandes diferenças entre os dois. Não telefonei a reservar, até porque não fazia ideia das horas a que ia chegar a Fontainhas, e consegui mesa sem problema. Mas acredito que em dias mais movimentados possa ser difícil ter vaga.
Seguro de viagem
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