Hoje publico a sexta e penúltima crónica de viagem escrita para as edições de verão do jornal Diário de Notícias, publicada em papel no passado dia 19 de agosto. As crónicas são publicadas até ao final do mês, sempre às segundas-feiras, na secção DN – Verão do jornal (e aqui com duas semanas de atraso).
#6 A gastronomia em viagem
O meu primeiro emprego foi em Macau. Era, na verdade, um estágio curricular numa pequena e caótica empresa ligada ao multimédia, a que tive acesso porque nenhum dos alunos com melhor média teve interesse na oferta. Para além da adaptação a uma cidade com níveis de poluição e humidade estratosféricos, a costumes muito diferentes e às grades que protegiam as janelas mesmo nos andares mais altos dos prédios, tive de me habituar a conviver com uma gastronomia totalmente distinta.
Lembro-me de frequentar um restaurante português para matar saudades e tomar um bom café, da mesma forma que me lembro de provar uns ovos de aspeto medonho comprados num mercado local que, à falta de melhor definição, eu chamava de “ovos podres”. Eram surpreendentemente saborosos e talvez tenha sido aí que comecei a perceber que, gastronomicamente falando, vale sempre a pena arriscar. Ou quase.
Sou apologista de que a gastronomia é uma parte importante da experiência de qualquer viagem. Não me refiro a refeições gourmet em restaurantes Michelin, mas à gastronomia local, simples e saborosa que não raras vezes se encontra no mais simples dos estabelecimentos ou mesmo na rua. Nada substitui provar in loco um bun cha vietnamita, o tradicional lovo das ilhas Fiji, uma salada grega no mediterrâneo, um tom yum num tasco da Tailândia, os tacos mexicanos, um koshary no Egito, um gallo pinto na Nicarágua, um dal na Índia, um sashimi fresquíssimo no Japão ou um simplório nasi goreng na Indonésia, um vatapá no Brasil, um dulce de leche na Argentina, um prato de cuscuz em Marrocos, de haggis na Escócia ou de kashk-e-bademjan no Irão. O palato agradece a experiência, mesmo que por vezes não se fique fã dos sabores ou texturas.
Já provei coisas muito estranhas – como o abdómen de formigas verdes na Austrália, ricos em vitamina C, um churrasco de morcego a bordo de uma embarcação no Rio Mekong, no Laos, ou até testículos de carneiro numa tasca iraniana – e tento sempre experimentar o que de diferente me aparece no prato. Mas a verdade é que nem sempre tenho estômago para tal. Nunca consegui, por exemplo, comer espetadas de baratas, escorpiões e diversas larvas orgulhosamente expostos nos mercados de rua de Pequim. E foi em Macau, naquela estadia de vários meses onde os “ovos podres” não me incomodaram minimamente, que enfrentei o maior dilema gastronómico da minha vida.
Certo dia, alguns colegas de trabalho macaenses convidaram-me para um jantar festivo seguido de uma inevitável noite de karaoke na Zona Económica Especial de Zhuhai, do outro lado da “fronteira” – Macau era ainda administrado por Portugal. O objetivo, soube à chegada, era degustar um sumptuoso jantar de cão. Eu era uma espécie de convidado especial e o repasto uma iguaria muito apreciada pelos convivas.
Por mais que me esforçasse, não consegui – não estive à altura da honraria e até hoje recordo esse momento com embaraço. Recusei a carne de cão e acabámos todos num tasco de rua a comer outra coisa qualquer. É das poucas coisas que nunca conseguirei experimentar.
Série de Crónicas DN – Verão 2013
- O país mais “perigoso” do mundo
- Os imprevistos em viagem
- A viagem como escola da vida
- É preciso coragem
- Viajar não é coisa de ricos
- A gastronomia em viagem
- Profissão: vagabundo
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