A Colónia Penal do Tarrafal foi criada pelo Governo português do Estado Novo, corria o ano de 1936. Fica situada no extremo norte da ilha de Santiago, em Cabo Verde, num lugar ironicamente chamado de Chão Bom.
O complexo prisional terá sido inspirado nos campos de concentração nazis, tendo como objetivo não declarado a eliminação dos opositores políticos ao regime fascista de Portugal. As condições de encarceramento eram deploráveis, com os presos a serem sujeitos a uma alimentação muito deficitária e à execução de trabalhos forçados; além da ausência quase total de medicamentos.
As palavras atribuídas tanto ao diretor do Campo de Concentração do Tarrafal, Manuel dos Reis (“Quem vem para o Tarrafal vem para morrer.”) como ao médico Esmeraldo Pais Prata (“Não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbito.”) são bem elucidativas do inferno a que seriam sujeitos os presos no Tarrafal.
Foi, pois, na companhia desses pensamentos que me dirigi à antiga prisão do Tarrafal. Na verdade, já a tinha visitado em 2007, pelo que, descontando as notórias melhorias entretanto introduzidas ao nível da preservação e musealização do espaço, sabia mais ou menos o que iria encontrar. O que não sabia é que iria fazer uma visita guiada ao Campo do Tarrafal.
Visitar o Campo de Concentração do Tarrafal
Assim que cheguei ao Campo de Concentração do Tarrafal, localizado a pouco mais de 3km do centro da vila, o jovem guia cabo-verdiano que guardava a entrada ofereceu-se para o mostrar. Sugeriu, antes de mais, que visse um pequeno filme sobre a história do antigo complexo prisional no chamado Museu da Resistência do Tarrafal. Naturalmente, aceitei a sugestão.
O museu é uma pequena sala integrada no projeto de preservação do Campo do Tarrafal, que visa “dar dignidade ao espaço e às memórias das vítimas”.
Terminado o filme, que contextualizava a existência da prisão do Tarrafal, dirigi-me então ao interior da penitenciária.
Não há, na verdade, muito a contar. O ambiente era pesado como em qualquer campo de concentração. Daqueles locais para visitar em respeitoso silêncio.
Vi as celas, a enfermaria, a cozinha e até a infame “Frigideira”, uma solitária brutal de onde os prisioneiros saíam “sujos, mirrados e desgrenhados”, parecendo “seres evadidos da cela de tortura de um manicómio”, “com vincos de martírio cavados no fundo dos rostos esquálidos”.
Vi a lista com os nomes dos prisioneiros detidos no Tarrafal, escritos numa parede em jeito de homenagem.
Mas o que verdadeiramente me impressionou foram os relatos do guia, cujo nome infelizmente não registei, sobre as degradantes condições em que os detidos se encontravam, praticamente sem comida nem medicamentos nem sequer esperança.
A dieta no Campo do Tarrafal
“A dieta no campo de concentração era uma arma e foi utilizada para humilhar os presos; para além de ser uma das principais fontes de doenças como o beribéri, escorbuto, xeroftalmia, anemia, infeções intestinais, entre outras.
A comida era sempre a mesma, de péssima qualidade, diminuta e mal confecionada. Era de tal modo intragável que os presos tapavam as narinas com bolas de pão para conseguirem ingeri-la.”, in informação exibida na antiga cozinha do campo.
Caminhei pelo espaço ajardinado entre as celas, em fúnebre silêncio, imaginando o sofrimento dos homens cujo destino terminou ali mesmo, em Chão Bom.
O Campo do Tarrafal não é bonito, mas visitá-lo é um imperativo moral. “Tarrafal, nunca mais!”.
Veja também o post sobre o que fazer no Tarrafal (além do campo de concentração).
Guia prático
Como chegar
A forma mais barata de chegar ao Tarrafal é viajando de “aluguer” – ou Hiace (diz-se iásse) -, as carrinhas de 12-15 lugares que servem de transporte público nas ilhas de Cabo Verde, Santiago incluída. Na Praia, partem junto ao Mercado de Sucupira e não têm horários fixos. Se tiver tempo, recomendo que pare em Assomada para visitar o seu colorido mercado; e só depois prossiga viagem até ao Tarrafal noutro “aluguer”. Se pretender visitar o Campo de Concentração do Tarrafal logo à chegada, peça para sair um pouco antes (3km) da povoação.
Alternativamente, se o seu orçamento for mais generoso pode ir da Cidade da Praia ao Tarrafal de táxi. Neste caso, recomendo que contacte Pai, um cabo-verdiano de inteira confiança (+238 9821749, telefone ou WhatsApp). Note que, na minha opinião, é preferível ficar uma noite no Tarrafal (ver os melhores hotéis abaixo); mas, se preferir ir e voltar no mesmo dia, saiba que uma viagem de táxi da Praia até ao Tarrafal custa cerca de 8.000 Escudos (ida e volta com algum tempo de paragem na Assomada, por exemplo).
Jantares musicais
Uma forma de ter um contacto mais estreito com a cultura local é organizar um jantar musical com atuação da banda residente do Centrum Sete Sóis Sete Luas do Tarrafal. Para organizar, contacte Edmara (representante do Festival Sete Sóis Sete Luas no Tarrafal) via telefone ou WhatsApp (+238 9205755). O custo de uma atuação musical ronda os 100€.
Nota: se a resposta não chegar num prazo razoável, contacte o italiano Marco Abbondanza, presidente do festival: +39 3483036624.
Onde ficar
Eu fiquei hospedado numa pousada simples mas muito boa e limpa chamada Tarrafal Residence – que recomendo sem hesitar. Outras opções de qualidade incluem a elegante Casa Strela B&B Tarrafal, o Hotel Vista Mar, o hostel Tarrafal’s Meeting Point, ou a muito económica Pensão Da Mex. Note que não são resorts nem hotéis de luxo.
Veja também onde ficar na ilha de Santiago para outras opções de hospedagem.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Viajei a convite da organização Sete Sóis Sete Luas.