Para boa parte dos viajantes, Tarrafal é sinónimo de Campo de Concentração. E isso é totalmente compreensível. O Campo do Tarrafal é o mais emblemático e historicamente relevante monumento da região, ao ponto de haver planos para o incluir na lista do Património Mundial da UNESCO em Cabo Verde.
Ora, apesar do inquestionável interesse do chamado “campo da morte lenta”, a verdade é que a região do Tarrafal merece ser conhecida também por outros atributos. Da Praia do Presidente à Ponta Fazenda, do snorkelling aos passeios de barco, da gastronomia à música local, passando pela simpatia do povo cabo-verdiano, não faltam motivos para visitar o Tarrafal e conhecer as suas belezas. Sim, o Tarrafal é mais do que uma prisão. Vamos a isso.
A minha visita ao Tarrafal
O dia começou cedo. Admilson, um guia local, veio ter ao hotel Tarrafal Residence para darmos início ao nosso passeio. A ideia era irmos dar – eu e a francesa Manon, uma agradável companheira de viagem – um passeio de barco, porventura fazer snorkelling e, por fim, uma caminhada junto à Ponta Fazenda, antes do regresso ao Tarrafal.
Começámos por descer até à praia. Tinha bem vincadas na memória as imagens dos barcos de pescadores a chegar a terra e a descarregarem a pescaria; e da azáfama da venda do peixe, ali mesmo, no areal. Estranhei por isso não haver aquele movimento de pescadores, tão característico do Tarrafal, mas percebi depois que era demasiado cedo para chegarem da faina.
Ao sinal de Admilson, entrámos numa pequena embarcação e seguimos junto à costa. Era o início do passeio de barco ao largo da Baía do Tarrafal.
Aqui e ali, Admilson transmitia uma e outra informação relevante sobre as paisagens à nossa frente. Infelizmente, demasiadas vezes, preferia falar de si e dos elogios que os seus serviços como guia tinham merecido de outros turistas.
Não o fazia por mal ou por toques de excessivo egocentrismo mas, às tantas, desliguei e fui simplesmente aproveitando a paisagem.
Adiante, haveríamos de chegar a uma bela enseada com uma praia de seixos. Na água, uma dúzia de homens e mulheres com água pelo peito, enchiam baldes com areia grossa retirada do fundo do mar; que depois carregavam à cabeça até terra firme. Um trabalho duro e de baixo retorno, imagino. Mais tarde veria uma carrinha de caixa aberta a transportar a areia, julgo que destinada à construção civil.
Atracámos.
De novo em terra, a próxima etapa era uma caminhada até Ponta Fazenda, uma pequena península, tão árida quanto bela, que Admilson fez questão de nos mostrar. E ainda bem que assim foi.
Apesar do sol escaldante e da ausência de um trilho devidamente marcado, fomos explorando a extremidade da ilha guiados por Admilson. Lá do topo, a vista era avassaladora. E assim fiquei com uma outra perspetiva da ilha de Santiago, longe das atrações mais visitadas como a Cidade Velha de Santiago, a Praia ou o Campo do Tarrafal, ali tão perto. Valeu a pena!
Ao contrário do que por momentos o calor me fez desejar, a caminhada não terminou quando chegámos à “ponta” da ilha. Havia que seguir até à pequena aldeia de Fazenda, já no interior da ilha, onde teríamos à nossa espera um transporte para regressar ao Tarrafal.
A primeira parte do percurso foi feita a corta-mato; até que chegámos a uma estrada de terra batida que nos haveria de levar à aldeia. Boa parte das habitações eram muito básicas, de cimento bruto e telhados de zinco, sem vidros nas janelas. Como a casa feita mercearia onde parámos para comprar uma bebida fresca.
Assim que o jeep chegou, fomos conhecer o Centro de Artes e Ofícios de Trás di Munti. Trata-se de um projeto louvável, que visa oferecer às mulheres locais uma forma alternativa de terem um rendimento através das artes (ou seja, não dependente da pesca e dos humores do mar), como explicou a cabo-verdiana Mila, responsável pelo espaço.
De alma cheia, era altura de regressar ao Tarrafal e dar por terminado o passeio. E almoçar.
Na praça central do Tarrafal fica o núcleo local do Centrum Sete Sóis Sete Luas, onde se servem refeições boas e baratas. Sem pensar muito, eu e Manon fomos lá almoçar, antes de recolhermos aos aposentos da simples mas magnífica Tarrafal Residence para nos refugiarmos do sol. Pelo meio, parámos para tomar um café na praça, e estávamos ambos plenamente satisfeitos. Tinha sido uma manhã em cheio.
A meio da tarde, já com a temperatura menos escaldante, fomos até à principal praia do Tarrafal. Instalámo-nos no areal e fomos tomar banho naquele mar quente e transparente. Minutos depois, eu estava perplexo com a atitude dos jovens cabo-verdianos para com as mulheres estrangeiras – jovens e menos jovens – presentes na praia. Se tivesse que definir numa palavra, seria assédio. Não flirt, mas assédio. Uma lástima, portanto.
Não sendo pessoas de fazer praia, acabámos ambos por abandonar o areal ao fim de algum tempo. O objetivo era explorar um pouco melhor a povoação do Tarrafal. Fomos andando sem rumo definido, cruzámos o centro histórico, virámos aqui e ali e acabámos por descobrir uma simpática esplanada na Praia do Presidente. Foi o melhor que poderia ter acontecido.
Enquanto entroncados jovens cabo-verdianos usavam as máquinas de exercício públicas, nós por ali ficámos, sentados, desfrutando da luz quente do entardecer na companhia de uma Strela, a cerveja local.
As surpresas não tinham ainda terminado.
Mais tarde, já depois de regressarmos ao hotel para um banho refrescante, estávamos a terminar de jantar quando perguntei onde era o melhor local no Tarrafal para provar grogue. Sem hesitar, Rosa, uma das senhoras do restaurante, começou a explicar onde era um tal Café Benfica mas, antes mesmo de terminar as indicações, concluiu: “eu vou com vocês”. Perfeito!
Por coincidência, era dia de Liga dos Campeões e o café estava animado. Apesar das conversas se centrarem no jogo que tinha terminado um pouco antes, o ambiente não estava demasiado crispado. E assim acabámos os três – eu, Manon e a simpática Rosa – à conversa com os presentes, a beber grogue e Strela até o café fechar, num ambiente de familiaridade como se há muito fôssemos dali.
Não me ocorreria melhor forma de terminar aquele dia a explorar as belezas do Tarrafal.
Nota: nesta espécie de roteiro de um dia no Tarrafal pode naturalmente incluir a visita ao Campo de Concentração do Tarrafal – logo a seguir ao almoço, por exemplo. Eu, no entanto, visitei a antiga prisão na tarde anterior, razão pela qual não a incluo neste post.
Mais fotos do Tarrafal
Dicas para visitar o Tarrafal
Como chegar
A forma mais barata de chegar ao Tarrafal é viajando de “aluguer” – ou Hiace (diz-se iásse) -, as carrinhas de 12-15 lugares que servem de transporte público nas ilhas de Cabo Verde, Santiago incluída. Na Praia, partem junto ao Mercado de Sucupira e não têm horários fixos. Se tiver tempo, recomendo que pare em Assomada para visitar o seu colorido mercado; e só depois prossiga viagem até ao Tarrafal noutro “aluguer”. Se pretender visitar o Campo de Concentração do Tarrafal logo à chegada, peça para sair um pouco antes (3km) da povoação.
Alternativamente, se o seu orçamento for mais generoso pode ir da Cidade da Praia ao Tarrafal de táxi. Neste caso, recomendo que contacte Pai, um cabo-verdiano de inteira confiança (+238 9821749, telefone ou WhatsApp). Note que, na minha opinião, é preferível ficar uma noite no Tarrafal (ver os melhores hotéis abaixo); mas, se preferir ir e voltar no mesmo dia, saiba que uma viagem de táxi da Praia até ao Tarrafal custa cerca de 8.000 Escudos (ida e volta com algum tempo de paragem na Assomada, por exemplo).
Jantares musicais
Uma forma de ter um contacto mais estreito com a cultura local é organizar um jantar musical com atuação da banda residente do Centrum Sete Sóis Sete Luas do Tarrafal. Para organizar, contacte Edmara (representante do Festival Sete Sóis Sete Luas no Tarrafal) via telefone ou WhatsApp (+238 9205755). O custo de uma atuação musical ronda os 100€.
Nota: se a resposta não chegar num prazo razoável, contacte o italiano Marco Abbondanza, presidente do festival: +39 3483036624.
Onde ficar no Tarrafal
Eu fiquei hospedado numa pousada simples mas muito boa e limpa chamada Tarrafal Residence – que recomendo sem hesitar. Outras opções de qualidade incluem a elegante Casa Strela B&B Tarrafal, o Hotel Vista Mar, o hostel Tarrafal’s Meeting Point, ou a muito económica Pensão Da Mex. Note que não são resorts nem hotéis de luxo.
Veja também onde ficar na ilha de Santiago para outras opções de hospedagem.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Viajei a convite da organização Sete Sóis Sete Luas.
Olá Filipe,
O transporte público em Santiago é seguro para fazer Praia – Tarrafal?
Cumprimentos,
Ruben
Não entendi bem a pergunta, mas eu viajei com os transportes locais disponíveis (não tinha carro alugado).
Olá Filipe,
Vou estar 30 dias em Cabo Verde entre Santiago, Fogo, Maio e Brava. A questão do assédio é algo que me preocupa um pouco. Estava a pensar ficar uns dias no Tarrafal apenas a descontrair na praia, mas já não sei bem. Achas que não é seguro viajar sozinha?
Acho que não há motivos para deixar de visitar o Tarrafal, seja sozinha ou acompanhada.
Estou sozinha em Santiago! Tranquilo. Não deves é sair à noite, sozinha, durante o dia poderás circular tranquilamente.