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Praia (Cabo Verde) por quem lá vive: Soraia Deus

Arte urbana na Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde
Arte urbana na cidade da Praia, ilha de Santiago

Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até à cidade da Praia, na ilha cabo-verdiana de Santiago, pela mão da Soraia Deus. A Soraia tem 41 anos, é Diretora de Comunicação e Conteúdos na Agência Caboverdiana de Imagens, alimenta o blog 23 Quilos à Justa e está a trabalhar e a viver na Praia há 15 anos. Desafiei-a a partilhar as suas experiências na Praia; bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Santiago e conhecer um pouco melhor a ilha.

É um olhar diferente e mais rico sobre a cidade da Praia – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da ilha de Santiago estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 69º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.

Conteúdos do Artigo

Na cidade da Praia com Soraia Deus (entrevista)

Viver na Praia: Soraia Deus
A Soraia na cidade da Praia, ilha de Santiago

Define a Praia numa palavra.

É difícil, tendo em conta que na Praia cabem muitas palavras – cabe, na verdade um dicionário inteiro delas! Mas talvez sintetizando seja diversidade.

A Praia é uma boa cidade para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar a Cabo Verde, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.

De uma forma rápida a resposta é sim. A Praia é uma cidade boa para se viver. É segura, tem liberdade, paz social, tudo é próximo e acessível. Claro que esta resposta advém de 15 anos de adaptação que não foram muito complexos, mas obviamente tiveram os seus desafios.

Quando cheguei, havia toda aquela “áurea” de entusiasmo em torno da mudança, da chegada a África, de um novo projeto profissional que estava a começar. Havia também a ideia preconcebida em relação à África lusófona, o encanto do “very typical” que com o tempo compreendi que era importante desconstruir para sentir a cidade por dentro.

Posso dizer que chegámos (um grupo de 10 portugueses) à noite, quando a iluminação torna tudo mais bonito e, no dia seguinte, sentimos um pouco o choque de ver uma cidade cinzenta, completamente em construção, desordenada, pouco apelativa do ponto de vista arquitetónico.

Portanto, não foi propriamente amor à primeira vista, mas a cidade da Praia acaba por conquistar-te com o tempo. Vai-se revelando à medida que nos embrenhamos nela.

E o que mais te marcou na cidade da Praia?

Jamais esquecerei esse primeiro impacto do “dia seguinte” à nossa chegada. Mas o que mais me marcou e ainda marca é esse magnetismo que a Praia tem, não sendo uma capital estonteantemente bonita consegue marcar-te pela forma como te abraça.

Como caracterizas os cabo-verdianos?

Crianças na cidade da Praia, Cabo Verde
Crianças na cidade da Praia, Cabo Verde @Pedro Moita

Confesso que evito sempre definições generalistas porque acredito que cada ser humano tem as suas particularidades e não se define pela nacionalidade. Mas, tentando dar uma resposta aproximada daquela que é a minha perceção, diria que os cabo-verdianos, por serem ilhéus, são pessoas que gostam de receber; são hospitaleiros; por norma bem-dispostos; e com um estilo de vida que valoriza as relações pessoais, a amizade e a solidariedade.

São também bastante criativos. Aliás, essa é uma característica que o mundo lhes tem reconhecido – com razões para tal.

Como terminarias esta frase: “Não podem sair da Praia sem…”

Praia Kebra Kanela, ilha de Santiago
Praia Kebra Kanela, cidade da Praia

Ai, tanta coisa, mas cá vamos: sem comer ı (assim se escreve em crioulo); sem dar um mergulho na Kebra Kanela, a praia da cidade, e sem ouvir música cabo-verdiana ao vivo num dos muitos bares da cidade.

Vamos tentar fazer um roteiro de três dias na Praia. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.

Comecemos bem cedo no mercado municipal do plateau, o centro histórico. Vale a pena “despertar” aqui entre os cheiros, cores e sabores deste espaço, entre os pregões das vendedoras de legumes, da azáfama das peixeiras ou do assédio das senhoras que vendem “ramedi terra”, as plantas medicinais que servem para curar, literalmente, tudo (dizem elas).

Uma vez no mercado, o visitante está no local certo para explorar o centro histórico da Praia, a igreja matriz, o cruzeiro, as ruas e ruelas com edifícios coloniais, as lojas de artesanato.

Viver na Praia: Mercado Municipal
Mercado Municipal da Praia, ilha de Santiago

Faça uma pausa para retemperar energias na Kaza Katxupa, um espaço em pleno coração do centro histórico que vale a pena conhecer, e onde, além do mais famoso prato de Cabo Verde, pode experimentar outras iguarias tradicionais.

Reserve a tarde para os museus do centro histórico. O Museu Amílcar Cabral, dedicado à mais proeminente figura nacional, o “pai” da Independência de Cabo Verde; e o Museu Etnográfico, onde pode ficar a conhecer os hábitos, costumes e tradições da cidade e do país de forma geral.

À noite, marque mesa no Quintal da Música, um dos mais antigos restaurantes da cidade da Praia que tem uma agenda diária e permanente de atuações ao vivo. Nomes como Mayra Andrade, Mário Lúcio, Tcheka, Élida Almeida deram os primeiros “passos” musicais neste lugar histórico.

Não é raro encontrar Tito Paris, Dino d’Santiago, Lura ou qualquer outro nome famoso da música de Cabo Verde a cantar ali [no Espaço Kaku Alves], só porque lhes apetece.

Para o segundo dia, proponho uma manhã dedicada à arte urbana. Comece no bairro da Achada Grande Frente, um dos maiores da capital e onde, através de uma ONG, foi implementado um projeto de valorização do bairro que o tornou num incrível museu de arte urbana a céu aberto. Passeie pelas ruas da Achada Grande, conviva com os moradores, habituados aos turistas, e vá descobrindo murais de nomes como Falko One, Ananda Nahu, Bankslave ou Vhils.

Não deixe de visitar a sede da Tabanka, uma forte tradição da comunidade.

Siga depois para o bairro da Terra Branca, onde irá encontrar a Rua d’Arte, um projeto de pintura artística que começou pelas mãos do artista plástico Tutu Sousa ao qual se uniram outros, ao longo do tempo. O resultado é uma rua colorida, onde todas as casas foram artisticamente pintadas.

Desça depois até à zona costeira de Kebra Kanela, almoce por ali e deixe-se ficar a desfrutar da praia durante a tarde.

Cidade Velha de Santiago
Vista da Cidade Velha de Santiago

Para o terceiro dia, proponho sair da cidade e ir até à vizinha Cidade Velha, a cerca de 15 quilómetros da Praia. A Cidade Velha foi a primeira capital de Cabo Verde e é desde 2009 Património Mundial. Vai encontrar vários monumentos que simbolizam a prosperidade da cidade no passado, mas também o seu papel enquanto entreposto no comércio de escravos. Visite a Sé Catedral, o Forte de S. Filipe, passeie pelo pelourinho, pela Rua Banana (a primeira construída pelos portugueses em África).

Com alguma sorte, consegue assistir à atuação do famoso grupo de batucadeiras da Cidade Velha (no centro cultural).

Termine o dia junto à baía, talvez com uma cerveja Strela (a marca nacional) na mão, a contemplar um dos mais belos pores-do-sol de Cabo Verde.

Estando a viver na Praia (ilha de Santiago), tens alguma recomendação especial a fazer aos viajantes?

Bairro Achada Grande Frente, na Praia
Bairro Achada Grande Frente, na Praia

Quem pretende visitar a cidade da Praia tem de vir de mente aberta e entender que esta não é uma cidade contemplativa, nem cheia de espaços de interesse turístico. É uma cidade de experiências, e delas depende a satisfação da viagem.

Por isso, o mais importante é vir com espírito de descoberta e estar disponível para se desviar dos roteiros mais turísticos e ir redescobrir as melhores surpresas, à margem deles. Às vezes, uma simples conversa com um praiense acaba num convite para almoçar na sua casa, ou para assistir à tocatina que os amigos vão fazer à noite.

A cidade da Praia é muito informal e é essa espontaneidade que a torna tão rica e inesperada. Por isso, o mais importante é vir de mente aberta.

Não sendo uma cidade insegura, não deixa de ser uma capital urbana. Por isso, nunca é demais reforçar as habituais recomendações de segurança, como evitar andar à noite a pé e ter alguma cautela com objetos de valor.

Tens algumas dicas para se poupar dinheiro na cidade da Praia?

A Praia não é uma cidade muito cara, mas também não é totalmente barata. Por ser quase tudo importado, a restauração torna-se um pouco mais dispendiosa. Por isso, para estadias mais demoradas, talvez ajude escolher um airbnb para ficar e fazer algumas refeições em casa.

A cidade tem uma boa rede de autocarros para circular entre bairros, evitando assim os táxis que não têm preços fixos e em alguns casos cobram mais caro aos turistas.

Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel na Praia?

Plateau, cidade da Praia
Vista do plateau, o centro histórico da cidade da Praia

Os melhores hotéis – e também os mais caros – ficam na zona da Prainha (junto ao mar), mas há outros bairros bastante seguros e com boas unidades hoteleiras e também apartamentos em regime de airbnb.

Destacaria o Palmarejo, uma zona residencial relativamente nova e tida com uma das zonas “nobres” da cidade; a Achada de Santo António, um bairro simpático, com zonas de comércio, restaurantes e bares, muito próximo da principal praia, a Kebra Kanela; ou o Plateau, o centro histórico da cidade. Veja onde ficar na ilha de Santiago ou pesquise no link abaixo.

Procurar hotéis na Praia

Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar na ilha de Santiago?

Já aqui falei da katxupa (ou cachupa) – obrigatória, principalmente a katxupa refogada que se come ao pequeno-almoço, acompanhada de ovo estrelado e linguiça nacional.

Depois há a moreia frita, presente em quase todos os bares e restaurantes das zonas costeiras da ilha. Os famosos pastéis de milho de São Domingos, uma localidade a menos de 10 quilómetros da Praia, e o couscous com mel de cana-de-açúcar.

Para beber, vale a pena experimentar o ponche de mel ou de maracujá. Para apreciadores, o grogue (aguardente de cana-de-açúcar, bastante forte) é uma experiência obrigatória.

Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?

Existem vários sítios descontraídos para almoçar ou jantar na cidade da Praia, onde pode experimentar a gastronomia local.

  • Para moreia frita a Julieta, na Achada de Santo António, é um clássico.
  • No mesmo bairro, no restaurante As Campanas pode experimentar pratos típicos da ilha do Fogo.
  • O Poeta continua a ser um lugar de referência e com uma das melhores vistas da cidade.
  • E não precisa ser vegan para experimentar os pratos da Tambake – uma mercearia de produtos orgânicos com espaço de degustação que é a prova de que a comida vegan também é deliciosa, além de saudável!
  • Por último, o Secreto Ibérico um restaurante de sabores hispânicos, é um dos espaços mais descontraídos e “boa onda” da capital, que vale a visita se quer sentir um pouco da movida praiense.

Escolhe um café e um museu.

O melhor café da cidade é servido na livraria Nho Eugénio. Um espaço cosmopolita que junta venda de livros com exposições de artes plásticas e um lounge bar. Acompanhe o café com o brownie – não se vai arrepender!

Quanto a museus, recomendo a Casa Museu Amílcar Cabral, que revisita a vida deste herói cabo-verdiano através de uma exposição interativa muito rica e interessante.

Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite?

Vida noturna na Praia: Quintal da Música
Quintal da Música, Praia

Efetivamente a Praia não é uma cidade com muitas discotecas, nem bares dançantes – e com a pandemia menos ainda. No entanto, em tempos normais, a cidade tem uma agenda de festas e eventos que vale a pena acompanhar, com atuações de música ao vivo, festivais, concertos e festas animadas por alguns dos mais conceituados DJs de Cabo Verde.

De forma permanente encontrará diversão nos bares com música ao vivo.

Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras na cidade da Praia? E o que comprar?

Estando a viver na Praia há tanto tempo, gosto sempre de sugerir o artesanato local. Por um lado, porque reflete a vivência e a cultura da cidade e, por outro, apoia quem o produz.

Há um espaço no Parque 5 de Julho onde um coletivo de artesãos vende brinquedos tradicionais, objetos em côco, em cabedal, entre outros produtos feitos à mão. Na zona histórica encontrará também lojas de artesanato com trabalhos de cestaria e cerâmica que vale a pena conhecer e comprar.

Também pode fazer uma visita ao Sucupira, o maior mercado a céu aberto de Cabo Verde. Mas prepare-se para entrar num emaranhado de bancas e banquinhas onde se vende um pouco de tudo. Não é difícil perder-se lá dentro!

Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” da Praia; pode ser uma loja, um cafezinho, um restaurante, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.

Fica-me difícil destacar só um espaço que seja “a minha cara”, mas, sendo uma apaixonada pela música de Cabo Vede, destaco o Espaço Kaku Alves, um bar de música ao vivo inserido numa zona tradicional da cidade da Praia.

Foi criado por um músico que foi guitarrista de Cesária Évora durante quase toda a sua carreira. O Kaku, além de bom amigo, é um excelente anfitrião, que faz do espaço a casa onde recebe com simpatia e amizade. Ali se juntam aos fins de semana músicos de renome de Cabo Verde em tocatinas espontâneas e sem pré aviso. Não é raro encontrar Tito Paris, Dino d’Santiago, Lura ou qualquer outro nome famoso da música de Cabo Verde a cantar ali, só porque lhes apetece.

Viver na Praia: as crianças de Cabo Verde
O sorriso contagiante das crianças cabo-verdianas @Pedro Moita

Obrigado, Soraia. Vemo-nos quando regressar a Santiago

Guia prático

Como chegar a Santiago

A partir de Lisboa, a TAP tem voos diretos para o Aeroporto Internacional Nelson Mandela (RAI), na ilha de Santiago, várias vezes por semana. Já apanhei preços promocionais a rondar os 200€, ida e volta, mas os valores mais comuns ultrapassam os 350€.

Pesquisar voos para Santiago

Onde ficar na cidade da Praia

A Soraia garante que os melhores hotéis da Praia estão na zona da Prainha (junto ao mar), pelo que talvez valha a pena procurar por aí. Encontre os hotéis disponíveis usando o link abaixo.

Pesquisar hotéis na Praia

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

4 comentários em “Praia (Cabo Verde) por quem lá vive: Soraia Deus”

  1. Adorei as sugestões, por serem úteis e bastantes elucidativas; foi uma excelente viagem pela cidade da Praia.

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  2. Obrigada Soraia Deus por nos permitir uma viagem à Cidade da Praia, como diz muito bem é uma cidade de experiências. Foi o que fiz durante 15 dias que estive aí. Estive alojada num aparthotel que tinha um restaurante no r/c. As pessoas eram muito amáveis, a comida era ótima e senti-me sempre muito segura. Deslocava-me a pé, porque estava perto de Palmarejo na zona das Universidades, onde ia todos os dias, comia na cantina e logo fiz amizades que duram até hoje. Vale a pena fazer esta experiência em Cabo Verde na Cidade da Praia. Grata. Muitas felicidades.

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  3. Olá! Sou de Natal/Brasil. Apenas passei por Cabo Verde para fazer conexão até Lisboa. Gostei muito das informações aqui apresentadas pois nos transmitem segurança e verdade por ser de uma pessoa que mora na localidade, isso é muito importante! Quando essa pandemia de verdade acabar eu acho que irei sim visitar Cabo Verde.

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  4. Gosta de ir viver para a Cidade da Praia e se possível arranjar trabalho, casa, etc.

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