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Um alerta de tsunami visto por mãe e pai (#35)

Alerta de tsunami
O que fazer depois de um alerta de tsunami?

11 de abril de 2012. Um violento sismo (mais um!) ocorre ao largo de Banda Aceh, na Indonésia, numa espécie de réplica atrasada do maremoto ocorrido em dezembro de 2004. Mais precavidas que então, as autoridades lançam um alerta de tsunami para evitar a repetição da tragédia. Este é o relato dessas horas de incerteza, vividas de forma distinta pela mãe (angustiada pela possibilidade da filha ver o que ela viu em 2004) e pelo pai (que, estando longe, se sentia impotente para ajudar a ter a sua família em segurança).

Alerta de tsunami visto pela mãe (em Bali)

Praia de Sanur, Bali. Tínhamo-nos refugiado em casa, a seguir ao almoço, para nos protegermos do calor. A Pikitim desenhava e fazia fichas da escola, a internet não tinha sinal e a televisão estava desligada. Às cinco da tarde, fomos ter com os avós a uma padaria em plena praia, onde a ligação wi-fi é boa. Sentei-me, abri o e-mail e li a última mensagem. Dizia: “Luísa, foi um emitido um alerta de tsunami. Espero que esteja tudo bem. Um beijo, Tiago”, e remetia para uma notícia do portal Sapo. Carreguei no link e comecei a ler a notícia que me tinha sido enviada por um dos fundadores da Nomad, a agência para quem o Filipe estava a liderar a viagem “Segredos da Pérsia”.

Lembro-me de ficar petrificada. E comecei a pensar em voz alta, dirigindo-me ao avô da Pikitim. “Parece que foi emitido um alerta de tsunami, houve outro sismo brutal em Banda Aceh”. Não tinha acabado a frase e já o telefone começava a tocar. Era o Telmo, o tio da Pikitim, a perguntar por onde andávamos e a contar o que tinha sucedido. Biólogo marinho, habituado a mar e a consultar tabelas meteorológicas e sismográficas (vive nos Açores), explicou o que se tinha passado e alertou-nos para a página na internet onde deveríamos atualizar a informação. E que não deveria acontecer nada na costa onde estávamos, pelo menos dentro de hora e meia a duas horas. Depois disso, ninguém sabia.

Levantei-me da mesa e fui perguntar aos funcionários da padaria se sabiam de alguma coisa. Não, nada. Estavam a sabê-lo por mim. Tentei visualizar, mentalmente, onde tinha visto planos de evacuação de praia em caso de tsunami – uma realidade constante nas praias da Tailândia e em algumas da Malásia, pelo menos. E na Indonésia, já os teria visto? Não me consegui lembrar. Fui para a pousada acender a televisão e o alerta de tsunami era “breaking news” em todos os canais.

A CNN tinha no ar a correspondente em Jacarta, a dizer que ainda não se sabia de nada; a Sky News tinha já um especialista em sismos e tsunamis, dizendo que ainda não se tinha conseguido perceber se se iria formar uma onda ou não; a BBC estava a retransmitir imagens do tsunami devastador de 2004 (que o pai nunca conseguiu mostrar a ninguém). Era impossível não pensar nele: o epicentro voltou a ser ao largo de Banda Aceh, a intensidade apenas umas décimas abaixo (o de 2004 atingiu os 9,0 na escala de Richter; o daquele dia estaria nos 8,6).

Essas imagens também não saíam da minha retina. Começou a apoderar-se de mim o pânico de ter de reviver as situações que presenciei em 2004, primeiro na Tailândia, depois no Sri Lanka. Não temia pela minha vida ou dos que estavam comigo – tínhamos tempo de fugir. Receava, isso sim, que tivesse de reviver aquelas imagens de destruição e, sobretudo, tinha um medo profundo que a Pikitim vivesse esses momentos, que visualizasse a capacidade destruidora da natureza da pior forma.

Os avós também não estavam tranquilos, apesar de sempre terem conseguido disfarçar a angústia. A avó conseguiu manter a Pikitim ocupada e alheada, o avô começou a arrumar as malas – não fosse necessário ter de sair dali. Eu mantinha-me colada à televisão, sempre à espera que algo acontecesse. Ou que as sirenes começassem a tocar ou que o alerta fosse retirado. Nem uma coisa nem outra. E a tranquilidade e displicência com que todos agiam estava a mexer-me com os nervos.

“Foi muito longe, em Sumatra, não chega aqui”, disse-me um habitante de Sanur. Pois, pois. Da outra vez também era muito longe e eu lembrava-me bem até onde tinha chegado. “Não chega aqui, da outra vez também não chegou. Estas coisas más acontecem em Sumatra porque lá há muitos terroristas”, dizia-me outro.

O Filipe ligou do Irão no momento em que eu me sentia uma barata tonta, sem saber o que fazer. Sair de Sanur, quando todos à minha volta parecem ignorar o que se passa? Ou ficar mais uma hora à espera que algo aconteça e, quem sabe, nessa altura poderá ser já tarde de mais? Perguntei aos avós da Pikitim se ficavam mais descansados se nos metêssemos num táxi e fossemos jantar “a um local mais alto”. Disseram que sim. Era o que eu precisava de ouvir.

No momento em que nos metíamos no táxi em direção a Ubud – não há como regressar a um local familiar quando procuramos alguma tranquilidade – parecia que estava mais ansiosa que nunca. Apetecia-me gritar a todos, dizer “Fujam daqui!”. Ao mesmo tempo que tinha consciência de que havia em mim, naquele momento, pouca racionalidade. Só tive a frieza para dizer com a naturalidade possível à Pikitim que iríamos voltar a Ubud porque queríamos comer pela última vez o pato assado no restaurante de que ela tinha gostado tanto.

Sentia que estava a ser irracional – não havia de ser eu a única a estar certa, por estar atenta e preocupada quando todos pareciam ignorar o que se tinha passado. Mas sabia que era melhor afastar-me da costa para conseguir “respirar”. Só o conseguiria fazer quando me certificasse que a Pikitim não teria nunca de ver pessoalmente aquilo que eu e o pai dela vimos em 2004.

Respirei quando chegámos a Ubud, 30 minutos e uma pequena fortuna em táxi depois. O alívio veio no final do jantar quando o Telmo (sempre ele, o nosso anjo da guarda!) nos avisou que o alerta tinha sido retirado. Podíamos regressar descansados. E a Pikitim não chegou a aperceber-se de nada. Prefiro explicar-lhe na teoria o que é um tsunami do que ela aprendê-lo da pior forma.

Alerta de tsunami – visto pelo pai (no Irão)

Shiraz, Irão. Chego ao hotel sem saber de nada, acedo à lenta internet e, mal tenho tempo de começar a ler notícias e já outros me informam que houve um sismo perto de Banda Aceh. E que há um alerta de tsunami. Dizem-mo por uma razão óbvia, mas passa-me ao lado. Abro o correio e respondo mecanicamente a um email perguntando se as meninas estão bem, respondendo que “devem estar”, claro, e que “eu estou no Irão”. Só depois me “cai a ficha”.

Tenho um grupo pronto para sair do hotel em Shiraz, para explorar a cidade dos poetas integrada no programa da viagem Segredos da Pérsia. O tempo é escasso.

Pesquiso o Público online. Há, de facto, um alerta de tsunami na Indonésia, na Tailândia e em outros países da região. O sismo ocorreu ao largo de Banda Aceh, com intensidade de 8,6 na escala de Richter e epicentro menos profundo que o de 2004. Foi um abalo violento e potencialmente devastador, não há como negar. Bali é longe, penso. Não, Bali não é assim tão longe. Porra, que Bali é ali ao lado! Corro ao telefone, ligo para a Luísa e encontro uma mulher com voz aflita, assustada, sem saber o que fazer. E eu longe. Diz-me que se houver uma onda ela chegará “dentro de uma hora, hora e meia” – informação do meu irmão, biólogo marinho que vai acompanhando a situação no Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores -, e que o pessoal em Bali está como se nada fosse. E eu longe. A possível tragédia desta vez tem hora marcada, e isso é estranho.

Vêm à memória as imagens de dezembro de 2004, a morte em Kao Lak e a agonia dos vivos no Sri Lanka. Só que desta vez é pior, porque estou longe. E porque hoje há uma filha perto da praia. A minha filha. Fico tenso. A impotência de nada poder fazer é angustiante. Da outra vez, imbuído daquele inexplicável espírito de missão jornalística, queria estar na praia a fotografar, em cima do acontecimento, à espera de réplicas, perto do perigo. Quanto mais perto melhor! Hoje, aconselho a Luísa a sair do litoral, porque mais vale prevenir do que ser notícia. Infelizmente, não posso fazer muito mais. Estou longe, e tenho um grupo pronto para sair do hotel.

Volto ao computador. Ludibrio os filtros iranianos e acedo à bloqueada BBC. Mas esta limita-se a confirmar que há alerta de tsunami e que as autoridades estão vigilantes. Bolas! Poucas notícias dizem mais que o óbvio, nenhuma antecipa cenários, resta esperar a onda. As autoridades indonésias estão em alerta, o que por si só é uma evolução face a 2004. Ninguém quer a repetição da tragédia.

O pessoal do grupo tenta ajudar. Liga-se a transmissão ao vivo da Al Jazeera num iPad, mas a ligação é tão fraca que não permite ver televisão. Não sei mais nada. E é mesmo hora de sair do hotel.

Decido não estar sempre a telefonar para não preocupar quem tem de tomar decisões no terreno, em Bali. Procuro um mapa da Indonésia. Analiso o mapa com as circunferências das ondas de choque a partir do epicentro do sismo, e convenço-me que é impossível qualquer onda provocada pelo maremoto chegar a Bali, quanto mais a Sanur, na costa sudeste da ilha. Saio com o grupo para as visitas programadas aos jardins de Shiraz e ao túmulo do poeta Hafez, aliviado mas ansioso.

Tenho a certeza que não vai acontecer nada de mal mas, no fundo, não tenho a certeza de nada. Ao longo do que resta da tarde, ajo com a normalidade possível, da forma mais profissional que consigo – mas a minha cabeça não está no Irão.

Espero pela hora da suposta onda e telefono outra vez. Fico a saber que a família decidiu regressar a Ubud “para jantar” e que vão pagar uma fortuna de táxi. Suspiro de alívio. A última coisa em que penso é no dinheiro. Ubud fica no interior da ilha de Bali, suficientemente alto para ser 100% seguro. Pouco depois, passa a hora da desgraça anunciada. E nada acontece. Foram apenas momentos de angústia. Já posso sorrir à distância; a família está bem.

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Sobre o Diário da Pikitim

Este post pertence a uma série que relata uma volta ao mundo em família, com 10 meses de duração. Um projeto para descomplicar e mostrar que é possível viajar com crianças pequenas, por todo o mundo. As crónicas da viagem foram originalmente publicadas na revista Fugas e no blog Diário da Pikitim.

Veja também o artigo intitulado Viajar com crianças: 7 coisas que os pais devem saber.

Filipe Morato Gomes
Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

2 comentários em “Um alerta de tsunami visto por mãe e pai (#35)”

  1. Quando se é pai ou mãe, o medo está sempre ao virar da esquina. Graças a Deus, tudo correu pelo melhor. A Luísa raciocinou muito bem. Agora é respirar fundo… e continuação da boa viagem.

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  2. Oi :D sou nova aqui. Caracas! Isso foi tenso! Não sou de Portugal, portanto, não estranhe meu jeito de falar (ou escrever, no caso) rsrsrs e desculpa se eu tô atrasada (e muito!) pra comentar :( é que só vi agora, mas imagino que deve ter sido barra pra vocês, inda mais tendo criança pequena aí. E o melhor é que, com a ingenuidade dela, a Pikitim nem se apercebe disso… ;) só soube que vocês a levaram para Ubud (que é um lugar maravilhoso e lindo) e comeram ali. Deve ter pensado que foi SÓ um passeio lá, nada além disso. Mas não sei se vocês contaram pra ela, depois. De qualquer maneira, o bom é que ela não se apercebeu disso na hora! Ah, nada como a ingenuidade infantil… :) tchau!

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