
Tinha 27 anos quando visitei a Expo’98, em Lisboa. Foi um momento épico, em que viajei intensamente sem sair do país, de pavilhão em pavilhão, fascinado por um mundo que, até então, era para mim quase desconhecido.
O sucesso do evento foi de tal ordem que as filas para visitar as exposições mais interessantes eram enormes, o que obrigava a esperar. E a ter muita paciência. Mas a recompensa por essa espera, salvo raras exceções, valia a pena. Do Japão à Croácia, o interior dos pavilhões era quase sempre bonito e verdadeiramente inspirador.
Ora, na feira havia um passaporte que os visitantes podiam comprar. A ideia era, após visitar o pavilhão de um determinado país, carimbar o passaporte com um visto desse país. Era uma espécie de recordação da viagem pela Expo’98. A ideia era boa.
Acontece que presenciei várias vezes o seguinte cenário: um visitante chegava junto do pavilhão e reparava que a fila para entrar estava enorme; em vez de ficar na fila à espera de entrar e visitar as exposições e experiências interativas oferecidas no seu interior, ia direto para junto do carimbo, carimbava o passaporte e ia-se embora para o pavilhão seguinte.
Essa imagem nunca mais me saiu da cabeça (até já a abordei num texto sobre coisas que eu diria a quem planeia fazer a primeira grande viagem).
Ora, por estes dias recebi um pedido de entrevista para uma dissertação de mestrado intitulada Viagens e Viajantes – Colecionar e Contar Territórios. Nas perguntas, falava-se de “quantificar e colecionar viagens” e pretendia-se graduar de um a cinco “fatores” considerados “importantes” para “classificar viajantes”. Fazer um ranking de viajantes, portanto. Sem querer discutir o mérito da dissertação, que pode evidentemente ser de grande qualidade, confesso que aquilo me incomodou.
Andava há algum tempo para escrever sobre o ênfase que se dá aos carimbos no passaporte e ao número de países visitados, em detrimento das experiências. Decidi que era altura de o fazer. E de repetir, alto e bom som, que viajar não é uma competição!
Ranking de viajantes
Talvez seja um problema meu, mas incomoda-me a quantidade de vezes que me perguntam quantos países já visitei. Como se isso fosse o mais relevante. Como se os números fossem mais importantes do que as experiências. Como se aquele número mágico de países visitados definisse o meu lugar num ranking de viajantes – seja lá o que isso for.
Eu entendo a curiosidade que viajar desperta. E bem sei que há pessoas para quem os números são fundamentais. Viajantes para quem os carimbos no passaporte são um objetivo assumido. Ou gente que passa quatro ou cinco dias em Maputo e diz que “Moçambique está feito”.
E isso, na verdade, não tem mal nenhum. Não me identifico, mas não tem mal nenhum.
Viajar é um ato individual e cada um deve encarar a viagem da forma que se sentir melhor. Mas que fique claro: uma pessoa que já esteve em 50 países não é necessariamente mais viajada do que outra que esteve em apenas 20.
É por isso que nunca senti grande motivação para alimentar plataformas como o Most Traveled People ou Nomad Mania (antigo The Best Travelled). Criei os perfis há vários anos, mas não os utilizo regularmente. As plataformas têm com certeza inúmeras coisas boas. Desde logo, servem como registo das viagens de cada um; depois, aproximam, de alguma forma, a comunidade de viajantes. Mas temo bem que tenham como efeito principal transformar esses mesmos viajantes em colecionadores de países, territórios e lugares UNESCO. E incentivar a competição entre eles.
Admito que possa estar enganado, mas a ideia desagrada-me.
Um exemplo: há uns tempos, uma dessas plataformas lançou um inquérito para definir metodologias para contar países e territórios. Uma das questões em discussão era se uma passagem em trânsito num aeroporto deveria ou não contar como uma visita ao país. Nem queria acreditar quando recebi um email com os resultados.
A hipótese de alguém considerar que estar num aeroporto significava visitar o país já seria suficientemente ridícula; mas a verdade é que uma percentagem relevante de inquiridos – principalmente entre os mais experientes – respondeu afirmativamente. Fiquei ainda mais desiludido.
É certo que – repito – viajar é um ato individual e cada um deve encarar a viagem da forma que se sentir melhor. Eu, por exemplo, admiro mais quem viaja devagar.
Admiro quem não conta países. Admiro quem viaja sem sequer dizer que o fez (contradições sobre as quais, sendo blogger de viagens, tenho refletido). Admiro quem volta aos lugares, às pessoas, aos sabores. Admiro quem volta aos mesmos países para descobrir outros recantos, locais diferentes; e viver novas experiências. Admiro quem investe tempo para conhecer a fundo um destino, com tempo, em vez de “conhecer” dez países num mês. Admiro, no fundo, quem encara a viagem como um ato de descoberta, de enriquecimento pessoal; e não como colecionismo.
Por tudo isso, não respondi à entrevista.
Por tudo isto, quando nos conhecermos cara a cara, peço-lhe que não me pergunte ao fim de 30 segundos quantos países já visitei.
Pergunte-me pelas pessoas mais fantásticas que conheci. Pergunte-me pela gastronomia mais saborosa que já provei. Pergunte-me pelo nascer do sol nos Kaluts. Pergunte-me por que chorei em Phnom Penh. Pergunte-me pela emoção de ver tartarugas a desovar na Costa Rica. Pergunte-me pelos momentos em que não fiz nada num café de Tóquio. Pergunte-me pela história por trás de uma determinada fotografia. Pergunte-me por um deserto, um templo, uma praia, uma montanha…
Só depois disso, se realmente tiver curiosidade, me pergunte pelo número de países que já visitei (mas não se admire se eu não souber o número exato). Combinado? É que viajar não é mesmo uma competição.
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