Destino: Américas » América do Sul » Brasil » Macapá

Macapá, na linha do Equador

Por Filipe Morato Gomes

Trem no Macapá

Uma vez chegado ao Amapá, junto à fronteira com a Guiana Francesa, conheci a tranquila capital Macapá e a vila histórica de Mazagão Velho, andei num dos raros comboios de passageiros do Brasil, vi dançar marabaixo e, claro, abusei do omnipresente açaí. Um roteiro de viagem a Macapá, num Brasil fora dos roteiros turísticos comuns.

Marco Zero em Macapá, capital do Amapá

“Em Macapá, estão uns agradáveis 35 graus”. A brincadeira, em jeito de boas vindas, foi alegremente transmitida por um bem-humorado comandante do avião entre Brasília e Macapá, a capital do Amapá. Eram 10h30 da manhã do meu primeiro dia no Estado, e logo se ouviram as primeiras referências à condição geográfica de Macapá: a cidade é atravessada pela linha do Equador. Se isso significa muito sol e calor, turisticamente é um chamariz tremendo.

Fortaleza de São José de Macapá
Fortaleza de São José de Macapá

O “Marco Zero do Equador”, monumento que glorifica a localização, é uma das principais atracções turísticas da cidade e até o mais importante estádio de futebol tem a linha divisória do campo perfeitamente alinhada com o Equador. Os amapaenses relembram-no com orgulho.

Nos dias em que deambulei pelas ruas da cidade, passei de rompante no “Marco Zero” apenas por ser dia de Equinócio, pretexto para um ajuntamente popular com direito a bandas de música e discursos oficiais.

Fui depois conhecendo a inevitável Fortaleza de São José de Macapá, mandada edificar por governantes portugueses na actual avenida Beira Rio, uma artéria embelezada pela proximidade de um impetuoso Amazonas cor de barro; o Museu Joaquim Caetano da Silva, museu histórico por excelência de Amapá, possuidor de um interessante espólio arqueológico; o Museu Sacaca e a adjacente “farmácia social”; e locais como a Feira do Produtor, mercado ideal para conhecer os produtos frescos que fazem a economia local, entre os quais inúmeras espécies de peixe, legumes e frutas como a melancia e o açaí.

E havia ainda o Igarapé das Mulheres, um dos principais locais onde, diariamente, por via fluvial, o açaí chega a Macapá. Queria assistir a esse acontecimento; combinámos sair às 4h30. A noite ia ser longa.

O Marco Zero de Macapá, linha divisória dos dois hemisférios, em dia de equinócio
O Marco Zero de Macapá, linha divisória dos dois hemisférios, em dia de equinócio

Quando as raios solares se despedem de Macapá, todos os caminhos desaguam na marginal da cidade. É o local onde se concentram pequenos bares e restaurantes, muitos com música ao vivo, animação e gente vestida para impresiosnar. Fui verificar. O Amazonas batia com estrondo no paredão, misturando-se com os ritmos frenéticos do pagode e melosos do zouk, salpicando de alegria os transeuntes.

Num bar mais recatado, uma voz feminina e doce entoava MPB. Ficámos por ali.

A noite ainda ia alta quando rumei ao Igarapé das Mulheres e já os barcos tinham descarregado grande parte dos cestos repletos com bagas de açaí, que jaziam na doca, alinhados.

Homens de pele enrugada e cigarro na boca passavam o tempo à conversa, expectantes, aguardavando compradores. Outros dormiam em redes montadas no convés de barcos pesqueiros, após a faina nocturna. O ambiente era o de uma lota, mas mais calmo.

Todos os dias, antes do nascer do sol, cestos com açaí chegam de barco ao Igarapé das Mulheres, Macapá
Todos os dias, antes do nascer do sol, cestos com açaí chegam de barco ao Igarapé das Mulheres, Macapá

Em poucas horas, as bagas de açaí vendidas estarão transformadas numa das mais típicas iguarias do Amapá. No comércio de Macapá e ao longo das estradas das proximidades, poucas horas depois, uma bandeira vermelha esvoaçará ao vento indicando aos clientes a abundância de açaí, para saborear à colher, fresco e encorpado, com ou sem tapioca, com ou sem açúcar, mas sempre delicioso.

No último dia no Amapá, fiz questão de visitar Mazagão Velho, um vilarejo de origem luso-africana que terá sido fundado com a chegada de centena e meia de famílias fugidas da costa de Marrocos. Batuques ecoavam no sistema de colunas públicas instalado pelas ruas empedradas, com casinhas pintadas harmoniosamente e o ar parado de uma aldeia do interior.

“Venha ver uma coisa”, disse-me um homem quando soube da minha origem. Caminhámos até ao outro extremo da vila, atravessando, o centro e o campo de futebol, e ali estava ela, uma bandeira portuguesa quase tão velha como Mazagão, com rasgões vários e os verdes e vermelhos esbatidos, esvoaçando.

Interior do Museu Sacaca, em Macapá
Interior do Museu Sacaca, em Macapá

No avião de regresso a Portugal, enquanto via o Amazonas cada vez mais distante e infinito, soube que o meu regresso ao Amapá será inevitável. Para me assombrar com a poderosa pororoca, onda fluvial gigante que sobe o rio e atrai os mais destemidos surfistas do mundo no mês de Maio; para avistar os graciosos botos da bacia hidrográfica do Amazonas; para percorrer a “estrada de chão” rumo a Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa; para finalmente entrar no Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque; para aprender a dançar marabaixo, a mais autêntica manifestação folclórica do Amapá, herdada dos escravos negros africanos; para rever os trabalhos de casa de Isaura [ver reportagem sobre o Amapá].

De comboio no Amapá

Brasil e comboio (ou trem) são palavras há muito divorciadas. Tirando uma ou outra composição de vocação exclusivamente turística, mormente no sul do país, o transporte de passageiros em linhas de caminho-de-ferro é simplesmente inexistente em quase todo o Brasil. No Amapá, porém, a situação é diferente. Três vezes por semana, várias carruagens percorrem a distância que une Santana, nos arredores de Macapá, a Serra do Navio.

A viagem de comboio é aproveitada pelos habitantes do interior para se deslocarem à mais abastada capital e pelos macapaenses para visitarem a região montanhosa da Serra do Navio, com seu passado ligado à extracção mineira do manganês. Não há turistas, os vagões são simples e pouco confortáveis, mas o ambiente é caloroso e fraterno, tornando cada hora a bordo um verdadeiro prazer. Uma viagem ímpar no norte do Brasil.

Produtos regionais à venda na Casa do Artesão, Macapá
Produtos regionais à venda na Casa do Artesão
Vestida para dançar marabaixo
Vestida para dançar marabaixo

Guia de viagens a Macapá

Este é um guia prático para viagens a Macapá, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis da região e sugestões de atividades na capital do estado do Amapá.

Como chegar a Macapá

Não é linear chegar de Portugal a Macapá, capital do Estado do Amapá. De entre todas as opções aéreas, a mais vantajosa em termos de conforto e duração é voar para Brasília com a TAP e daí para Macapá com a TAM, fazendo escala em Belém do Pará. Tenha cuidado com o local de embarque no aeroporto de Brasília, pois as portas de embarque mudam imprevisível e frequentemente.

Alternativamente, pode ficar mais barato voar de França para Cayenne, capital da vizinha Guiana Francesa, a bordo de um dos muitos charters que fazem esta ligação e dai seguir por terra para o Amapá. Há, porém, que ter em conta a fraca condição das estradas entre Oiapoque e Macapá.

Existe um comboio matinal entre Santana, nos arredores de Macapá, e Serra do Navio, às segundas (parte de Santana às 7h00), quartas e sextas-feiras (às 10h00). O bilhete custa apenas R$5 ou R$7.

Pesquisar voos

Onde ficar

Em Macapá, o Ceta Ecotel distingue-se dos seus pares pelas preocupações ecológicas, pela tranquilidade da envolvência e pela simpatia e profissionalismo de Adriano, o proprietário. Fica um pouco afastado do centro da cidade, mas a distância justifica-se pela qualidade da proposta hoteleira. Se preferir ficar no centro, opte pelo muito elogiado Hotel do Forte ou pelo Magnu’s Plaza Hotel. O Guará Apart Hotel recomenda-se para estadias familiares, pois dispõe de pequenos apartamentos com kitchnette.

Em Serra do Navio, há uma surpreendente pousada instalada nas margens do igarapé Cachaço, um braço do rio Amaparí. Chama-se Pousada Borboleta e fica precisamente na comunidade do Cachaço, tem quartos muito bem arranjados, jardins virados para o riacho e hospitalidade garantida pelo proprietário Nilson e sua família. Um quarto custa entre 60 e 80 reais por noite.

Para um pouco mais de luxo, próximo de Porto Grande, o novíssimo Thassos Hotel é seguramente um dos mais agradáveis refúgios turísticos do Amapá. Fica localizado nas margens do rio Araguari, no município de Ferreira Gomes, a 120 quilómetros da capital.

Pesquisar hotéis em Macapá

Agências de viagens receptivas

Para trajectos mais convencionais em Macapá e arredores, é naturalmente possível fazer por conta própria, embora possa valer a pena recrutar serviços especializados caso o tempo escasseie. Agências como a Maracá Turismo cumprem com zelo a sua função em roteiros que visitem as atracções mais turísticas como Macapá e Serra do Navio – esta última acessível também de comboio. Oferecem ainda passeios de lanchas “voadeiras” nos braços do Amazonas com o objectivo de observar os botos-cinza (cerca de R$300 até oito pessoas).

Atualização: a agência Maracá Turismo foi entretanto encerrada.

Visitar Mazagão Velho

Para ir de Macapá a Mazagão Velho existem dois autocarros diários (R$10), mas o automóvel é uma opção mais flexível. Por enquanto, há que atravessar de balsa os rios Matapi e Vila Nova (travessias gratuitas), mas está a ser construída uma ponte sobre este último, facto que naturalmente diminuirá o tempo de viagem.

Gastronomia

Talvez nunca tenha ouvido falar de filhote, mas isso é coisa que depressa mudará assim que aterrar no Amapá. O peixe é das iguarias mais apreciadas pelos amapaenses e não faltam bons restaurantes onde degustá-lo das mais diversas formas, especialmente na capital Macapá. Sugere-se, nomeadamente, o restaurante Divina Arte (Rua Odilardo Silva, 1574), onde deliciosas 18 variações do filhote – que mais? – dominam o cardápio (não deixe também de provar a unha de caranguejo e o bolinho de pirarucu); o Cantinho Baiano (Rua Beira Rio, 328), com vistas sobre o rio Amazonas tão deliciosas como o filé de filhote com creme de cupuaçu, o eclético Estaleiro (Av. 1º de Maio, 52), onde os elementos náuticos, incluindo empregados vestidos de marinheiros acompanham pratos de filhote ao molho de tucupi e outras iguarias; e o Sapucaia, restaurante do Ceta Ecotel cuja sobremesa com açaí perdura na memória. Para uma refeição mais rápida, diversos restaurantes ao quilo são excelentes opções em Macapá.

Referência obrigatória para as inúmeras frutas tropicais que pululam em qualquer mesa amapaense; merece especial menção o omnipresente açaí, preparado grosso e tomado à colher com ou sem tapioca. Quando o calor apertar, visite a geladaria Doce Mão e prove os sorvetes de sabores como açaí, cupuaçu, mucajá, bacuri, tucumá, tapioca, abacaxi e castanha.

Por fim, se puder e quiser experimentar algo alcoólico e tradicional, não deixe de provar a gengibirra, bebida caseira que advém da mistura de cachaça, gengibre e açúcar, tida como boa para problemas de garganta.

O que comprar

Na Casa do Artesão vendem-se algumas das mais típicas formas de artesanato local, na qual se incluem as louças de Maruanun, as cerâmicas com manganés e produtos decorativos feitos com elementos naturais como sementes, madeira e fibras de palmeiras. Fica na Rua Beira Rio, junto à Fortaleza de São José de Macapá.

Não deixe também de passar no Centro de Plantas Medicinais e Produtos Naturais (conhecido como farmácia social) do IEPA – Instituto de Pesquisas Tecnológicas e Científicas do Estado do Amapá, onde encontrará sabonetes e medicamentos à base de produtos naturais como o creme hidratante de castanha-do-brasil, o gel de Jucá (cicatrizante e anti-séptico), unguentos de copaíba ou andiroba (anti-inflamatórios), o xarope de Urucum (asma e bronquite), a pomada de muirapuama e mururé-pajé (reumatismo e dores musculares) ou o sabonete glicerinado de faveira (tratamento de micoses). Os preços são muito baixos, dado a natureza social da farmácia (Av. Feliciano Coelho 1509, Macapá).

Seguro de viagem

A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.

Fazer seguro na IATI (com 5% de desconto)

Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.