
Penetrando na selva amazónica ao longo do rio Araguari, facilmente se percebe porque dela dizem ser a farmácia do índio. Rio acima rumo ao Parque Natural das Montanhas do Tumucumaque acompanhado por um índio tikuna, bebemos do saber ancestral dos chefes indígenas da Amazónia. Sejam bem-vindos ao Amapá, o “mais bem preservado Estado do Brasil”.
Turismo no Amapá?
Fala-se em Amazónia brasileira e só por milagre o interlocutor se lembrará do Amapá. O mais certo é o pensamento voar para Manaus, no Estado do Amazonas, com seus belíssimos, eco-chiques e merecidamente populares hotéis de selva.

Apesar da foz do maior rio do mundo estar localizada na divisória entre o Pará e o Amapá, apesar deste último albergar o maior parque de floresta tropical do planeta – o Parque Natural das Montanhas do Tumucumaque -, o turismo tarda em abraçar um Brasil distante dos grandes centros de decisão e menos abastado como o Amapá. “Nosso quintal é a floresta Amazónica”, dizem os amapaenses, com razão. O mundo é que ainda não sabe.
Cruzei-me com Alan Kronemberg à chegada ao pequeno aeroporto de Macapá, enquanto a passadeira rolante debitava bagagens e mercadorias. A sua mochila gasta, as botas militares e o porte atlético anunciavam um homem de espírito aventureiro, apaixonado pela Natureza e, naturalmente, ex-militar do exército brasileiro. Vinha ao Amapá com um objectivo bem definido: embrenhar-se no Tumucumaque e relatar numa revista de viagens de aventura o que ali vivenciasse. Precisava apenas de um barco e de um homem experiente para o levar: Norberto era a sua escolha.
O nome de homem branco escondia o que as feições desvendavam sem esforço: Norberto – aliás, Mañuco, seu nome de nascença – é índio. Pertence à tribo tikuna, é oriundo do norte do Estado brasileiro do Amazonas, a “sete dias de viagem de Manaus”. Garante que já calcorreou uma boa parte da grande selva sul-americana, na Colômbia, no Peru e no Brasil. A floresta sempre foi o seu habitat, é lá que se sente em casa.
Nas ruas de Macapá, capital do Estado do Amapá onde nos encontrávamos, porém, era como se a sua alma de índio estivesse aprisionada em roupas e sapatos de homem branco, e o seu olhar perdido indicava o desconforto: os quarteirões pareciam todos iguais, faltavam pontos de referência – uma seringueira altiva, um formigueiro do tamanho de gente, as curvas de um riacho – e os carros faziam mais barulho que macacos altercados.
Estava num mundo que não gosta nem compreende – ele, a quem chamam justamente “senhor jungle”. Nesse dia, era eu e Alan que guiávamos Norberto numa caminhada urbana em busca de uma loja com material em falta para a expedição. Fora da selva urbana, tudo seria bem diferente.
Na Amazónia com um índio da floresta
Uma enorme tarântula, negra e peluda como a maioria das tarântulas, esperava por nós à entrada de uma cabana de madeira sem portas nem janelas que nos iria servir de abrigo durante a noite, para lá de Porto Grande. Ela e “seu” Benê, morador temporário de uma casinha sob estacas, guardando o que há-de ser uma belíssima pousada de selva junto ao rio Araguari.
O sol alaranjado tinha já desaparecido por trás da copa das árvores, as águas do Araguari corriam tranquilas a poucos metros de distância, Benê tentava sintonizar um velho televisor alimentado por um barulhento mas indispensável gerador a gasóleo, cozinhámos, dormimos cedo. No dia seguinte iríamos entrar definitivamente na selva amazónica, subindo o rio.
Norberto falava da escassez de gente e da abundância de vida selvagem, rio acima. “Uma onça pintada é dificil encontrarmos, mas cobras venenosas há muitas”, antecipou com naturalidade.
Manhã cedo, muito cedo, já o dia estava luminoso. Passou-se um café bem quente para aquecer corpo e espírito, lavaram-se as faces no rio, calçaram-se botas de combate, afiou-se a única catanas disponível e era tempo de verdadeiramente penetrar no breu sinistro da floresta tropical.
Partimos a pé. As clareiras iam ficando para trás, uma escuridão tomou conta do campo visual por baixo da copa das árvores.
A farmácia do índio
Os olhos de Norberto sorriam. Movimentava-se com a naturalidade de um animal selvagem embrenhado na selva. Por vezes permanecia imóvel, esticava as orelhas como um cão de guarda, prescrutava por entre a vegetação mexendo apenas o pescoço e os olhos (o que quer que ele avistasse era invisível para o homem branco), depois avançava de novo. Nós seguimos os seus passos, tão silenciosos quanto possível, com mais adrenalina do que medo a correr nas veias.
A cada árvore, planta ou cipó diferente, era com uma incontida satisfação que Norberto partilhava um saber de experiência feito sobre a flora amazónica e suas múltiplas aplicações e propriedades terapêuticas.
Ficamos a conhecer a paxiúba, uma palmeira que se desloca à medida que novas raízes vão crescendo e as velhas apodrecem, utilizada pelos índios para construir utensílios diversos; o cipó titica para artesanato e mobiliário; a árvore sapopema, cujo tronco oco é utilizado pelos índios para comunicação à distância; uma árvore cujo cheiro é indistinguível do medicamento vick vaporub, usada naturalmente para combater a gripe; a breu, árvore de porte médio que produz um óleo, tipo querosene, usado pelos índios para iluminação e para remendar buracos no casco das canoas; a ayuasca, um poderoso purgante e alucinogénio que “limpa o corpo de todo o mal”, purificando-o, com recurso a vómitos, náuseas e diarreias; o cipó escada-de-jabuti para o fígado; o cipó unha-de-gato para dores de estômago; o cipó verónica para “a mulher se assear” e combater infecções; e a árvore marapuama – a “madeira potente” -, cuja casca e raízes são utilizadas quer como afrodisíaco e remédio contra a impotência sexual, quer para combater o reumatismo. Não há dúvida que a Amazónia é, de facto, a “farmácia do índio”.
Andávamos há um par de horas no interior da floresta, nas margens do rio Araguari, bem fora dos limites do Tumucumaque, quando Norberto, de peito descoberto e olhar brilhante, nos falou da ligação do índio à Natureza. Estávamos a ouvir, de viva voz, o saber ancestral dos chefes tikuna, numa espécie de aula prática improvisada de antropologia indígena.
Parou junto ao tronco de uma árvore de porte invejável (seriam precisos uns oito homens para a abraçar), encontrou o nosso olhar e explicou: “Quando um índio nasce, o seu cordão umbilical é cortado com um pedaço de bambu bem amolado, e enterrado atrás da maior árvore da floresta. Desde aí, o índio está unido à Natureza e por isso se orienta na selva, conhece as plantas e os animais…”
Estava explicado: ele faz parte da Amazónia; nós não.
Uma lancha “voadeira” haveria de chegar mais tarde, para subirmos o rio Araguari.
Subindo o rio Araguari, amazónia adentro
Benê conhece bem as diatribes do Araguari. Numa época em que a água escasseava e o nível do rio estava perigosamente baixo, as pedras submersas constituiam perigo bastante para a sua presença ser exigida ao leme da expedição.
A água escura e a chuvada que entretanto se abateu sobre as nossas cabeças, tornavam os pedregulhos invisíveis e apenas perceptíveis pelos ligeiros repuchos de água provocada pela corrente que os abraçava. Mesmo quando nada aparentava indicar o perigo, Benê – e também Norberto -, parecia saber que as pedras estavam lá.
Não vive muita gente nas margens do rio. Algumas cabanas de madeira, a maioria sobre estacas precavendo a época das chuvas em que o rio transborda o seu leito, rodeadas por uma densa vegetação e espaçadas largas centenas de metros entre si, ou pirogas amarradas a árvores são singelos sinais da presença humana no Araguari.
Ficaremos a dormir em casa do “Preto”, anunciou Norberto, quando nos cruzámos com duas meninas remando com eficiência uma piroga rio abaixo. Raiane, a mais velha, não teria mais que 10 anos. “Aquelas são suas filhas”, disse, virando o olhar para a pequena embarcação.
“Preto” é um “ribeirinho” jovem e simpático, morador numa dessas casas sobre estacas das margens do rio Araguari, comunidade de Areinha, vários quilómetros a montante do local de onde partíramos. Ganha a vida construindo canoas, directamente esculpidas em troncos de árvores que cuidadosamente esculpe e molda e pinta e põe na água já em forma de canoa.
“Preto” vive com a mulher e os cinco filhos, mas havia sempre mais gente na casa envolta em densa floresta tropical. Raiane e seus irmãos mais novos desossavam o crânio cozinhado de um pequeno animal – seria uma paca? -, manuseando um facalhão medonho e chupando a carne com ar deleitado. “Preto” consertava um jamanxi, espécie de mochila indígena feita com um entrançado de cipó titica.
Clemilson, outro jovem da família, preparava material de pesca para o dia seguinte. As mulheres acendiam uma fogueira a pensar no jantar, composto por carne de caça e raízes de mandioca.
E eu ajudei Isaura, a mais nova das filhas de “Preto”, a fazer alguns dos seus deveres escolares – coisa que a petiz raramente fazia -, quando vi os seus cadernos rabiscados e me apercebi que frequentava uma escola, a um par de horas de distância.
À noite, um gerador alimentado pelo gasóleo retirado da lancha permitiu à quase dúzia de pessoas que se juntou no exterior da casa assistir a um filme, cujo título não registei. Registei, isso sim, a meia-lua que os corpos desenharam sentados no chão em volta da televisão, alegres e imóveis, de olhos fixos no aparelho, enquanto, lá em baixo, o Araguari corria lentamente, iluminado por uma lua mágica. Era o final de um dia a roçar a perfeição.
Quando o corpo foi descansar numa rede montada num recanto da sala cedido por “Preto”, a alma de viajante só pensava no Tumucumaque.
Ainda subiríamos o rio Araguari um pouco mais em direcção ao parque, conheceríamos caboclos ribeirinhos, provaríamos o sabor de enormes tucuraré pescados na hora, mas tudo parecia já demasiado efémero.
Daí a pouco tempo, Alan e o índio Norberto – aliás, Mañuco – prosseguiriam viagem Tumucumaque adentro; eu voltaria à civilização.
Guia de viagens ao Amapá
Este é um guia prático para viagens ao Amapá, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis da região e sugestões de atividades no estado.
Como chegar ao Amapá
Não é linear chegar de Portugal a Macapá, capital do Estado do Amapá. De entre todas as opções aéreas, a mais vantajosa em termos de conforto e duração é voar para Brasília com a TAP e daí para Macapá com a TAM, fazendo escala em Belém do Pará. Tenha cuidado com o local de embarque no aeroporto de Brasília, pois as portas de embarque mudam imprevisível e frequentemente.
Alternativamente, pode ficar mais barato voar de França para Cayenne, capital da vizinha Guiana Francesa, a bordo de um dos muitos charters que fazem esta ligação e dai seguir por terra para o Amapá. Há, porém, que ter em conta a fraca condição das estradas entre Oiapoque e Macapá.
Onde ficar
Em Macapá, o Ceta Ecotel distingue-se dos seus pares pelas preocupações ecológicas, pela tranquilidade da envolvência e pela simpatia e profissionalismo de Adriano, o proprietário. Fica um pouco afastado do centro da cidade, mas a distância justifica-se pela qualidade da proposta hoteleira. Se preferir ficar no centro, opte pelo muito elogiado Hotel do Forte ou pelo Magnu’s Plaza Hotel. O Guará Apart Hotel recomenda-se para estadias familiares, pois dispõe de pequenos apartamentos com kitchnette.
Para um pouco mais de luxo, próximo de Porto Grande, o novíssimo Thassos Hotel é seguramente um dos mais agradáveis refúgios turísticos do Amapá. Fica localizado nas margens do rio Araguari, no município de Ferreira Gomes, a 120 quilómetros da capital.
Agências de viagens receptivas
A oferta de viagens no Amapá nas agências de viagens portuguesas é nula, pelo que se sugerem contactos directos com operadores receptivos, especialmente se pretende efectuar roteiros menos convencionais. Neste caso, contacte Gilson Torres, da Guará Turismo, agência que pode organizar interessantíssimas viagens de aventura para locais como Oiapoque, no norte do Estado, e até para o recôndito Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, na Amazónia profunda. Melhor ainda, Gilson tem flexibilidade para montar programas à medida de cada um, contando para isso com a colaboração do índio Norberto, “jungle man” (jungleman14@hotmail.com), que orienta os viajantes pela selva Amazónica.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Outros destinos a visitar no Brasil
Se está a pensar visitar Macapá, talvez tenha interesse em saber um pouco mais sobre o que ver e fazer noutras cidades, ilhas e destinos turísticos do Brasil.
Arraial d’Ajuda・Belém do Pará・Belo Horizonte・Cabo de Santo Agostinho・Caraíva・Costa do Descobrimento・Fernando de Noronha・Ilha do Marajó・Lençóis Maranhenses・Manaus・Olinda・Parintins・Porto Seguro・Recife・Salvador・São Paulo・Trancoso (Bahia)