Ao longo dos anos, visitei inúmeros museus espalhados pelo mundo, incluindo alguns emocionalmente difíceis de encarar. Falo de museus de escravatura, museus de guerra ou outros que retratem acontecimentos traumáticos para a vida humana.
São os chamados Museus de Heranças Difíceis (ou Museus de Memórias Difíceis), que retratam passados ou acontecimentos traumáticos, regra geral caracterizados pela violência e opressão ou por eventos trágicos, de onde quase sempre saio profundamente abalado, em silêncio e de lágrimas nos olhos.
Eis, pois, alguns dos museus mais marcantes que tive oportunidade de visitar um pouco por todo o mundo. Um deles é um projeto museológico muito simples, pelo que a seleção não é, naturalmente, uma lista com os melhores museus de guerra do mundo ou algo do género. Até porque nunca visitei o Memorial do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém, nem o Memorial & Museu Nacional do 11 de Setembro, tidos como emocionalmente devastadores.
É, apenas e só, uma compilação de oito museus que me tocaram de forma vincada e muito dolorosa.
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Museus de Guerra e outros museus que me emocionaram
- 1.1 Museu do Genocídio Tuol Sleng, em Phnom Penh (Camboja)
- 1.2 Museu da Paz, em Hiroshima (Japão)
- 1.3 Museu de Auschwitz (Polónia)
- 1.4 Memorial e Museu do Genocídio, em Yerevan (Arménia)
- 1.5 Tarrafal, na ilha de Santiago (Cabo Verde)
- 1.6 Museu da Guerra, em Ho Chi Minh (Vietname)
- 1.7 Museu de Fotografia do Tsunami, em Telwatta (Sri Lanka)
- 1.8 The Cambodian Landmine Museum, Siem Riep (Camboja)
Museus de Guerra e outros museus que me emocionaram
Museu do Genocídio Tuol Sleng, em Phnom Penh (Camboja)
Instalado no complexo de uma antiga escola primária, o antigo Security Office 21 (S-21) era tido como o mais secreto órgão do regime Khmer, especificamente desenhado para interrogatórios e extermínio de oponentes ao regime. Pouco antes de o ter visitado, tinha conhecido o Museu da Guerra em Saigão e julgava estar preparado para tudo. Estava enganado.
Numa crónica sobre os Khmer Vermelhos, escrevi o seguinte:
Fecha-se os olhos e quase se consegue imaginar um normal período letivo com crianças a pular alegremente, constantes gritarias inocentes, uma bola de futebol pontapeada por candidatos a futuros craques, uns quantos joelhos esfolados por quedas sem importância e alguns namoricos precoces. Fecha-se os olhos e parece que os miúdos estão ali, por todo o lado, como se a escola não tivesse, de facto, encerrado. Abre-se os olhos e as grades de ferro nas janelas dissipam qualquer ilusão. Entra-se nas antigas salas de aula e o terror torna-se assustadoramente palpável.
Percorri as divisões do museu em fúnebre silêncio, e raras vezes me terei incomodado tanto com o que vi num museu, incluindo pinturas que pretendem retratar episódios vividos na prisão. É incrivelmente doloroso.
Museu da Paz, em Hiroshima (Japão)
Estávamos em agosto de 1945. Dia seis. Manhã cedo, uma bomba atómica explodiu pela primeira vez na História da Humanidade. O alvo foi a cidade japonesa de Hiroshima.
A energia libertada pela fusão do urânio e do plutónio gerou ondas de intenso calor com um poder destrutivo tal que boa parte da malha urbana de Hiroshima ficou reduzida a pó. No hipocentro da bomba nuclear, a chamada Cúpula Genbaku escapou, milagrosamente, de pé. É hoje o Memorial da Paz de Hiroshima, para que o mundo não esqueça.
Entre os visitantes, o ambiente era quase sempre pesaroso, embora aqui e ali se ouvissem risos e brincadeiras que me pareceram despropositadas. Eu observava, sem nada dizer. Estava tranquilo e não me sentia afetado.
Foi já perto do final da exposição que comecei a vacilar.
Estava sentado a ouvir testemunhos dos sobreviventes, que relembravam aquela manhã. O que fizeram. Como se salvaram. Porque escaparam. Relatos em vídeo, na primeira pessoa. Gente com rugas na cara, na altura meninos e meninas. Terei ouvido três ou quatro testemunhos e, aí sim, a emoção começou a tomar conta de mim. Mas o pior foi uma frase deixada no dia anterior no livro de visitantes: “Me desculpe pelo ocorrido“.
Museu de Auschwitz (Polónia)
Visitei o Museu de Auschwitz há tanto tempo que parece ter sido noutra vida. Mas jamais esqueci a pilha de cabelos humanos, de dentes de ouro, de sapatos velhos. Situado nas instalações do antigo Campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau, o museu é um grito silencioso contra uma das maiores barbáries da História da Humanidade. Para que o mundo não esqueça.
O campo de concentração nazista alemão de Auschwitz tornou-se para o mundo um símbolo do Holocausto, de genocídio e terror. Foi criado pelos alemães, na metade do ano de 1940, na periferia de Oświęcim, cidade polaca que foi anexada ao Terceiro Reich pelos nazistas. A cidade recebeu o nome alemão de “Auschwitz”, que foi usado também para determinar o nome do campo: Konzentrationslager Auschwitz.
O motivo direto da criação do campo foi o aumento de polacos presos pela polícia alemã, causando assim a superlotação nas prisões. Inicialmente, este seria mais um dos campos de concentração criados pelo sistema de terror nazista, desde o começo dos anos trinta. Esta função foi cumprida pelo campo durante todo o período da sua existência, inclusive quando – a partir de 1942 – começou gradualmente a se tornar o maior centro de extermínio em massa dos Judeus.
in auschwitz.org
É imperativo visitar.
Memorial e Museu do Genocídio, em Yerevan (Arménia)
Tendo visitado múltiplas vezes o bairro arménio em Esfahan, no Irão, tinha já visto outro museu que abordava o tema do Genocídio Arménio. Mas nada que se compare com a densidade do museu existente em Yerevan. Na altura, escrevi:
Construído na colina de Tsitsernakaberd, o complexo é um memorial dedicado às vítimas do chamado Genocídio Arménio levado a cabo pelas forças otomanas, entre os anos de 1914 e 1923 – e que a Turquia nunca reconheceu.
Não me vou alongar em palavras, porque há momentos em que prefiro o silêncio.
Está tudo dito!
Veja o que fazer em Yerevan.
Tarrafal, na ilha de Santiago (Cabo Verde)
Um campo de concentração é sempre um campo de concentração. É impossível ficar indiferente, ainda para mais quando os responsáveis pelas atrocidades são meus concidadãos.
O complexo prisional do Tarrafal terá sido inspirado nos campos de concentração nazis, tendo como objetivo não declarado a eliminação dos opositores políticos ao regime fascista de Portugal. As condições de encarceramento eram deploráveis, com os presos a serem sujeitos a uma alimentação muito deficitária e à execução de trabalhos forçados; além da ausência quase total de medicamentos.
As palavras, atribuídas ao diretor do Campo de Concentração do Tarrafal, Manuel dos Reis, dizem quase tudo: “Quem vem para o Tarrafal, vem para morrer.”
Veja também o artigo sobre um dia no Tarrafal.
Museu da Guerra, em Ho Chi Minh (Vietname)
Visitar o War Remnants Museum, algo como Museu de Memórias da Guerra de Ho Chi Minh, não é uma experiência agradável. De todo.
Uma vasta coleção de fotografias da chamada Guerra do Vietname, do tempo em que os fotógrafos circulavam sem restrições nos teatros de operações, impressiona pela frieza com que conta aos visitantes a história de um conflito tão ilógico quanto sangrento. Mostra rostos com nome. Nomes com vida.
Quase se sente o cheiro do napalm ao percorrer as salas do museu. A revolta invade o corpo do mais insensível dos visitantes ao ver os efeitos nas populações do nefasto Agente Laranja, usado pelas tropas americanas. Ou ao conhecer com detalhe atrocidades como o infame massacre de My Lai onde, em poucas horas, soldados americanos destruíram aldeias inteiras e executaram barbaramente centenas de civis desarmados, incluindo velhos, mulheres e crianças de tenra idade.
Veja também a crónica As marcas que o tempo não apaga.
Museu de Fotografia do Tsunami, em Telwatta (Sri Lanka)
Em 2018 regressei ao Sri Lanka e visitei o simples mas emotivo Museu de Fotografia do Tsunami, em Telwatta (Sri Lanka).
Naquele fatídico dia 26 de dezembro de 2004, Kamani viu a sua casa ser completamente destruída pelo tsunami. Tal como quase todas as outras da aldeia de Telwatta. Por intuição, e apesar de não fazer ideia do que se estava a passar quando a primeira onda – mais pequena – atingiu a aldeia, começou a fugir. Andou mais de um quilómetro para o interior e sobreviveu. Mas muitos dos seus familiares e vizinhos não.
Andou anos sem saber o que fazer para combater a dor acumulada; até que, em abril de 2007, criou o Museu de Fotografia do Tsunami com a ajuda de uma amiga holandesa. Em jeito de memorial; em jeito de homenagem a todas as vítimas; para alertar não apenas para as catástrofes naturais mas, principalmente, para as que têm mão humana; para que nunca se esqueça.
É um espaço muito simples, mas nem por isso menos digno ou importante.
The Cambodian Landmine Museum, Siem Riep (Camboja)
Quando conheci Aki Ra, disse-me não saber ao certo a sua idade: “talvez 32, talvez 35”. Quando os seus pais foram assassinados pelos Khmer Vermelhos, foi levado e forçado a aprender a colocar minas e a abrir caminho por entre campos minados na frente de uma coluna militar Khmer.
Anos mais tarde, ao serviço da ONU na desminagem do solo cambojano, descobriu a sua missão de vida: “o único objetivo da minha vida é tornar este país seguro para o meu povo”. Começou então a viajar por conta própria dentro do Camboja para retirar, desativar e inutilizar minas existentes um pouco por todo o país.
Decidiu assim criar o Museu das Minas Terrestres para chamar a atenção para o grave problema que as minas constituem ainda hoje. Aí exibe exemplares por si desativados. E muito outro equipamento militar encontrado nos campos.
É o lado esquecido de Angkor Wat.
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