Para assinalar os 20 anos do Alma de Viajante, ocorreu-me ir ao baú das memórias e recordar algumas das experiências mais marcantes que vivenciei em viagem. Momentos que ficaram para sempre gravados na memória, seja pela tensão emotiva da experiência, pelas pessoas que conheci ou pelo deslumbramento do momento.
Assim, de mergulhos subaquáticos à convivência com gorilas de montanha, passando pelo devastador tsunami de 2004 ou pela beleza indescritível de glaciares ou vulcões em erupção, eis uma seleção de grandes experiências que fui vivendo ao longo dos tempos (por ordem cronológica).
Estou certo de que me vou esquecer de algumas, mas vamos a isso.
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As minhas melhores experiências de viagem
- 1.1 De 4×4 pelos Lençóis Maranhenses, Brasil (2002)
- 1.2 Deserto de Gobi, Mongólia (2004)
- 1.3 Percorrer a pé parte da Grande Muralha da China (2004)
- 1.4 Visitar os templos de Angkor Wat, Camboja (2004)
- 1.5 Repórter fotográfico no pós-tsunami, Tailândia e Sri Lanka (2004/2005)
- 1.6 Mergulhar em Sipadan, no Bornéu, Malásia (2005)
- 1.7 Visitar Timor-Leste (2005)
- 1.8 Machu Picchu, Peru (2005)
- 1.9 Minas do Cerro Rico, Bolívia (2005)
- 1.10 Subir o rio Amazonas de barco, Brasil (2005)
- 1.11 Dormir no deserto do Sahara, Líbia (2007)
- 1.12 Visitar uma aldeia Himba, Namíbia (2009)
- 1.13 Cuba (2009)
- 1.14 De piroga pelo rio Araguari, Amapá, Brasil (2009)
- 1.15 Visitar Petra, Jordânia (2010)
- 1.16 Visitar Palmyra, Síria (2010)
- 1.17 Dias passados em Garmeh, Irão (2010 – 2017)
- 1.18 Explorar o glaciar Franz Josef, Nova Zelândia (2012)
- 1.19 Assistir à erupção do vulcão Yasur, Vanuatu (2012)
- 1.20 Nadar com tubarões-baleia em Ningaloo, Austrália (2012)
- 1.21 Privar com Gorilas de Montanha, Uganda (2013)
- 1.22 Testemunhar a desova das tartarugas em Tortuguero, Costa Rica (2015)
- 1.23 Kaluts, Irão (2017)
- 1.24 Festival Folclórico de Parintins, Amazónia (2017)
- 1.25 Visitar Ghardaia, Argélia (2018)
- 1.26 Visitar a Islândia (2018)
- 1.27 Trekking do Pico Velho ao Narizes do Teide, Tenerife, Espanha (2019)
- 1.28 Safari no Serengeti, Tanzânia (2019)
As minhas melhores experiências de viagem
De 4×4 pelos Lençóis Maranhenses, Brasil (2002)
Excetuando uma viagem em lua-de-mel às Maurícias, uma das primeiras grandes viagens que fiz foi aos Estados brasileiros do Ceará, do Piauí e do Maranhão. Com a ajuda de uma agência local, organizei uma viagem num jipe 4×4 para conhecer os Lençóis Maranhenses, numa época em que Barreirinhas era uma povoação minúscula e praticamente desconhecida, com estradas de terra batida e poucos turistas.
Na altura, escrevi o seguinte:
O Parque Natural dos Lençóis Maranhenses é uma dessas paisagens singulares que a Mãe Natureza pintou com infinita inspiração, e onde uma imensidão de areia imaculada se deixa periodicamente engravidar pelas águas das chuvas que caiem dos céus.
Ainda hoje, duas décadas volvidas, recordo com prazer os dias passados nos Lençóis Maranhenses. Foi das primeiras vezes em que senti o espírito libertador das viagens alternativas: conheci lugares completamente distintos daqueles a que estava acostumado e fiz amigos com quem ainda hoje comunico.
Deserto de Gobi, Mongólia (2004)
Quem me conhece sabe que a Mongólia é, ainda hoje, um dos meus países favoritos. Já lá voltei algumas vezes, na qualidade de líder de viagens, profissão a que, em tempos, chamei de melhor trabalho do mundo; mas foi na primeira incursão, sozinho e acabado de chegar da fria Sibéria, que me apaixonei perdidamente.
Na época, e além das crónicas que enviava para a revista Fugas, escrevi uma grande reportagem a que chamei, Mongólia, viagem pela terra do nada. A vastidão das estepes mongóis, os gers familiares espalhados pelas pradarias, a amabilidade do povo mongol e, claro, a experiência de viver no deserto de Gobi. Adoro!
Percorrer a pé parte da Grande Muralha da China (2004)
Costumo dizer que há um punhado de lugares no mundo que, por mais artigos, reportagens e documentários televisivos que já tenha visto a respeito, ao lá chegar serei sempre surpreendido, engolido pela beleza, imponência ou energia do local. A Grande Muralha da China é um desses lugares.
Foi durante a minha primeira volta ao mundo que percorri a pé um pedaço da Grande Muralha da China, entre Jinshanling e Simatai, num total de – creio! -, 10 km de extensão. Não cometi a ilegalidade de pernoitar na muralha – algo que dizem ser uma experiência do outro mundo -, mas deu para ir muito para lá da parte restaurada para o turismo, calcorrear zonas da Grande Muralha mais rudes e sentir-me minúsculo.
Até hoje me recordo desse dia!
Visitar os templos de Angkor Wat, Camboja (2004)
E que dizer de Angkor Wat?
Enquadrado pelo verde da floresta, o Parque Arqueológico de Angkor Wat é um aprazível regresso ao passado num espaço verde pontilhado por templos. Para se desfrutar tranquilamente. De entre os locais arqueológicos que conheço em todo o mundo, Angkor Wat é dos meus favoritos.
Relembro-me principalmente do misticismo do templo principal partilhado com monges budistas, da extraordinária magia das raízes a abraçar Ta Prohm, e das esculturas e altos-relevos do Templo de Bayon.
É mesmo dos sítios mais extraordinários que já visitei em todo o mundo!
Repórter fotográfico no pós-tsunami, Tailândia e Sri Lanka (2004/2005)
No fatídico dia 26 de dezembro de 2004, estava em Vang Vieng, no Laos. Assim que soube da notícia, após uma tarde de diversão a descer o rio de tubing e quando ninguém tinha ainda noção da verdadeira dimensão da catástrofe, fui “desviado” pelo jornal Público para cobrir a tragédia como fotógrafo. Primeiro no sul da Tailândia, onde cheguei no dia seguinte; depois na costa oeste do Sri Lanka.
Encontrei um cenário tremendo. Nunca os meus olhos tinham visto tamanho horror. A destruição de extensas praias e respetivos hotéis e resorts, reduzidos a nada com a passagem furiosa das águas. O cheiro a morte, nauseabundo, proveniente de corpos que se amontoavam por todo o lado na região de Khao Lak, 100 quilómetros a norte de Phuket. E a dor dos sobreviventes, de olhos cravados no chão, procurando quase sempre em vão um sinal de vida de familiares ou amigos. Alguns terão encontrado. Mas a maior parte procurava já apenas cadáveres, com o olhar encharcado de sofrimento e o coração visivelmente apertado. E não consigo sequer imaginar o que iria na alma daqueles que, por entre cadáveres completamente deformados, alinhados nos jardins de alguns templos feitos morgues, tentavam identificar algum ente querido.
Quem acompanha o Alma de Viajante há mais tempo, provavelmente saberá que esta foi a experiência mais difícil da minha vida. Ainda hoje não consigo pensar nesses dias sem me emocionar – foi o que aconteceu nesta entrevista recente.
No seguimento dessa experiência, escrevi uma crónica sobre uma reflexão sobre a profissão de jornalista, que vale a pena ler.
Mergulhar em Sipadan, no Bornéu, Malásia (2005)
Depois de aprender a mergulhar em Koh Tao, comecei a fazer mergulho sempre que estava em locais apropriados e o orçamento o permitia. Cheguei até a tirar o curso PADI Advanced Open Water em Nusa Lembongan, na Indonésia. Na verdade, fiquei tão fascinado com esse novo mundo que fui de propósito à ilha Mabul, ao largo do Bornéu, para mergulhar em Sipadan.
Tido como um dos melhores locais do mundo para a prática do mergulho, Sipadan em nada me desiludiu. Foi caro, mas só as jamantas que vi “voar” já valeriam cada cêntimo investido. Nunca mais mergulhei num sítio assim…
Visitar Timor-Leste (2005)
Timor-Leste era um dos dois territórios que eu tinha mesmo de visitar durante a minha primeira volta ao mundo (o outro era o Tibete, mas acabei por nunca lá ir). Tenho uma ligação afetiva inexplicável com Timor e, por isso, era um país onde queria muito ir. E foi um caldeirão de emoções.
Passei pelo cemitério de Santa Cruz, em Díli, uma visita retratada numa crónica a que chamei As fotos dos pais que os filhos nunca viram; fui conhecer Baucau; assisti a lutas de galos; vi manifestações com centenas de timorenses em trajes tradicionais; e conheci timorenses que partilharam a sua experiência com a ocupação indonésia.
Um país de crianças sorridentes. E onde o seu olhar não se esquece.
Machu Picchu, Peru (2005)
Outra das criações humanas mais fascinantes que conheci durante a volta ao mundo, foi a “cidade perdida” de Machu Picchu, na Cordilheira dos Andes.
Não tive oportunidade de fazer a afamada Trilha Inca (era preciso reservar com meses de antecedência, e eu não fazia ideia de quando chegaria ao Peru) mas nem isso diminuiu o deslumbramento assim que vislumbrei pela primeira vez as ruínas da antiga cidade Inca.
As imagens das ruínas de uma cidade Inca rodeada por pináculos esguios, num misto de verde e cinza, vegetação e pedra, são por demais conhecidas de todos. Por tudo ser tão familiar, estava preparado para a desilusão. Enganei-me. A entrada era feita por um local onde, após uns quantos degraus, se avistava Machu Picchu de um ponto de vista superior. Dei por mim completamente rendido, imóvel, perante a magnificência do que os meus olhos observavam.
Pela negativa, já na altura se falava que a montanha onde a cidade de Machu Picchu foi erigida corria o risco de colapsar, muito por culpa do excesso de turismo; facto que levou as autoridades, em 2016, a fechar temporariamente Machu Picchu. Um aviso para todos os amantes das viagens que se preocupam com a sustentabilidade dos lugares que visitam.
Veja também o Guia de Machu Picchu: manual de sobrevivência para o viajante independente
Minas do Cerro Rico, Bolívia (2005)
Ainda durante a volta ao mundo, foi na Bolívia que vivi outra das experiências mais violentas da minha existência: entrar nas Minas do Cerro Rico, em tempos as mais importantes minas de prata da América Latina.
Cerro Rico fica nos arrabaldes da cidade de Potosi. Num texto intitulado Descida ao Inferno das Minas do Cerro Rico, escrevi o seguinte:
Uma vez cá fora, quedei-me mudo, como que anestesiado, com lagoas de água a turvarem-me o olhar. Não pelo cansaço físico – que era imenso. Não pelo pó que me secava o nariz e a boca. Não por qualquer efeito das folhas de coca que também masquei no interior. Mas estava mudo, como que anestesiado. De raiva. Porque tudo, em Cerro Rico, era demasiado violento. E porque aqueles homens másculos, rudes e pobres, possuíam a dignidade dos grandes homens. Mereciam melhor sorte. Enquanto isso, os restantes turistas divertiam-se a fazer explodir um pau de dinamite.
Palavra alguma será capaz de transmitir a desumanidade daquele trabalho!
Subir o rio Amazonas de barco, Brasil (2005)
Já bem perto do final da volta ao mundo, empreendi uma viagem de barco pelo mítico rio Amazonas, entre Belém do Pará e Santarém, a partir de onde queria conhecer Alter-do-Chão. Numa crónica intitulada Solidariedade no Amazonas, escrevi:
Nas pirogas, os quase bebés abanavam as mãos como sinal de que pediam algo. E alguns passageiros vinham preparados para partilhar coisas suas com essa gente humilde. “O que lhes deram?” – perguntei a um casal que tinha acabado de jogar borda fora, na direção de uma piroga com uma velhota e três crianças, um saco plástico com algo dentro. “Roupas, brinquedos e bolachas” – responderam. Um dos miúdos recolheu o saco da água. A velhota acenou, agradecendo. Eles retribuíram o aceno. Solidariedade pura de gente que tem um pouco mais para com aqueles que têm muito menos. Instintivamente, vasculhei a mochila e partilhei também os meus pertences.
Foi outra daquelas viagens especiais.
Em 2017, haveria de voltar a viajar de barco no Amazonas, a caminho de Parintins.
Dormir no deserto do Sahara, Líbia (2007)
Um dos destinos menos óbvios que visitei na década de 2000 foi a Líbia, então liderada por Muammar Gaddafi (ou Khadafi). Nessa viagem, tive oportunidade de conhecer lugares históricos como Tripolitânia e Cyrenaica; as figuras rupestres de Wadi Mathkendoush e a maravilhosa cidade de Ghadames.
O ponto alto da viagem foi, no entanto, acampar debaixo de um céu incrivelmente estrelado junto às dunas de Murzuq, no Deserto do Sahara. Não há muito para relatar, mas jamais esqueci essa noite.
Visitar uma aldeia Himba, Namíbia (2009)
Em 2009, junto com dois companheiros de viagem, aluguei um carro em Joanesburgo e conduzimos através do Bostwana rumo à cidade de Opuwo, no noroeste da Namíbia. A ideia era fazer um safari no Etosha, conhecer as elegantes mulheres Herero e visitar uma aldeia do grupo étnico Himba.
Os Himba são um caso raro de preservação do seu modo de vida, de vestir, das tradições culturais e regras sociais. Muitas coisas permanecem praticamente intocáveis no seu modo de vida.
Certo dia, a caminho da aldeia de Epembe, vislumbrámos uma pequena comunidade Himba, humilde e sem vestígios que revelassem a presença habitual de homens brancos. Posso dizer que fui acolhido de braços abertos numa família Himba, tão curiosa comigo como eu com eles. É um dos momentos que guardo com grande carinho destes anos a palmilhar o mundo.
Cuba (2009)
Visitar a Cuba de Fidel Castro era algo que há muito queria fazer, mas só em 2009 concretizei esse objetivo. E logo numa altura em que se assinalavam os 50 anos da Revolução Cubana.
Foi uma viagem marcante, da qual regressei com sentimentos contraditórios (é impossível visitar Cuba e não refletir sobre o regime vigente e suas implicações, sejam elas positivas ou negativas). Lugares como Havana, Viñales ou Trinidad deixaram-me completamente fascinado. Mas foi o povo – sempre as pessoas! – que mais me marcou, incluindo os que me acolheram nas suas Casas Particulares em Havana, Viñales e tantos outros lugares.
A alegria contagiante das pessoas e a música a ecoar em cada esquina pareciam não combinar com as profundas dificuldades do cubano médio, de que o racionamento de alimentos era a face mais icónica. Eis o que escrevi na altura:
Intrigante e fascinante são algumas das palavras que ocorrem à mente do viajante assim que chega a Cuba e emerge nas ruas de Havana. Mas não é fácil definir Cuba.
Porque Cuba não é preto nem branco, não é água nem azeite, antes uma mescla de sensações antagónicas, uma terra de extremos. Porque tem tanto de caduco como de fotogénico, tanto de incompreensível como de maravilhoso, tanto de miserável como de sedutor.
Basta, aliás, sair à rua por alguns minutos com olhar atento para desnudar os primeiros contrastes, levantar um rol de interrogações sobre a resistência e determinação humanas, sobre a capacidade de improvisação e desenrasque, sobre o que será afinal essa tal “felicidade” que todos buscam durante as suas vidas.
Gente que sorri mesmo quando pouco tem para comer, mas gente que anda de cabeça bem levantada. E essa, juntamente com as praias, a arquitetura e a música, é porventura a maior beleza de Cuba: o seu povo.
De piroga pelo rio Araguari, Amapá, Brasil (2009)
Após uma press trip ao Estado do Amapá, decidi subir o rio Araquari. A caminho do Parque Natural das Montanhas do Tumucumaque. Iria na companhia de um aventureiro brasileiro que conhecera dias antes, e teríamos um índio tikuna a liderar a expedição.
Ficaremos a dormir em casa do “Preto”, anunciou Norberto, quando nos cruzámos com duas meninas remando com eficiência uma piroga rio abaixo. Raiane, a mais velha, não teria mais que 10 anos. “Aquelas são suas filhas”, disse, virando o olhar para a pequena embarcação.
Foi uma experiência recheada de simplicidade e bons momentos – infelizmente, nunca mais voltei ao Amapá para verdadeiramente me embrenhar no Tumucumaque.
Visitar Petra, Jordânia (2010)
Em 2010 empreendi uma viagem audaciosa com três meses de duração, que me levou do Cairo a Teerão através da Jordânia, Síria, Líbano, Curdistão turco e Iraque. Foi durante essa viagem que tive oportunidade de visitar Petra, sem dúvida um dos locais com intervenção humana mais extraordinários que tive oportunidade de conhecer.
Dei comigo petrificado, de olho arregalado e quase sem reação, deleitando-me com a imagem mil vezes vista em fotos e filmes: a fachada do Al Khazneh, ali, diante dos meus olhos, perto e palpável. Foi o início de uma viagem no tempo extraordinária pela antiguidade de Petra. Mal sabia que ainda me estavam reservadas outras descobertas tão ou mais emocionantes.
Para mim é, porventura a par dos templos de Angkor Wat e Machu Picchu, dos lugares mais mágicos do planeta.
Visitar Palmyra, Síria (2010)
Ainda durante a viagem do Cairo a Teerão, depois do Egito e da Jordânia segui para a Síria. Um dos objetivos era visitar as ruínas de Palmyra, um local absolutamente impressionante, literalmente perdido no meio do deserto e praticamente sem turistas.
Lembro-me de ver rapazes locais a brincarem alegremente no topo das estruturas de pedra, num jogo tão perigoso quanto prejudicial à conservação do património. Mal eu sabia que poucos meses depois o país entraria numa espécie de guerra civil e que Palmyra seria palco de bárbaros atentados contra esse mesmo património.
Dias passados em Garmeh, Irão (2010 – 2017)
Poucos lugares me apaixonam tanto como Garmeh. Trata-se de uma pequena aldeia situada junto a um oásis no deserto central do Irão, que ganhou vida com o regresso de um filho da terra.
O meu querido amigo Mazyiar Aledavood é um homem extraordinário, que tem um carisma único. Aos meus grupos da agência Nomad, costumava dizer que valeria a pena fazer as sete horas de autocarro desde Esfahan apenas para conhecê-lo. E é verdade. Mas Garmeh é muito mais do que isso, como tão bem sabem os viajantes que, ao longo dos anos, me acompanharam.
Eu visitei Garmeh mais de 20 vezes, e não tenho palavras para descrever o meu amor por Garmeh. É, na verdade, daquelas coisas que não se explicam.
Explorar o glaciar Franz Josef, Nova Zelândia (2012)
Um par de anos volvidos, era altura de empreender uma volta ao mundo em família, durante a qual também escrevemos crónicas de viagem para a revista Fugas.
Entre todas as experiências vivenciadas ao longo desses dez meses de viagem, uma das que mais me marcou foi caminhar no glaciar Franz Josef, na ilha Sul da Nova Zelândia. Não só porque fui de helicóptero (primeira vez) mas, principalmente, porque Franz Josef é, de facto, um glaciar inacreditavelmente belo.
Caminhámos pelo gelo, subimos e descemos pequenos desfiladeiros onde juraria que o gelo era azul, rastejámos por buracos, arriscámos saltos por fendas profundíssimas, enquanto o sol ia subindo a pouco e pouco e iluminando zonas cada vez mais vastas do glaciar.
Na verdade, toda a ilha Sul da Nova Zelândia é o paraíso para os amantes da Natureza e das atividades ao ar livre. Mas o glaciar Franz Josef foi especial!
Veja um artigo sobre viajar de autocaravana na Nova Zelândia
Assistir à erupção do vulcão Yasur, Vanuatu (2012)
Não era a primeira cratera de um vulcão ativo que eu visitava; mas o Yasur, localizado na ilha de Tanna, em Vanuatu, parecia muito mais indomável, perigoso e imprevisível.
Quando desafiei a minha filha, então com cinco anos, a subir à cratera do vulcão Yasur para ver as explosões de lava, a sua resposta foi clara e sensata: “não quero ir, porque não quero morrer hoje.”
E assim, num momento de “inconsciência consciente” – uma espécie de risco calculado mas com tudo para correr mal -, lá me permiti correr o risco de sentir as entranhas da Terra a explodir. O prémio era uma das experiências mais avassaladoras que já tive oportunidade de vivenciar.
Num texto sobre essa visita à cratera do vulcão Yasur, escrevi o seguinte:
E então a lava jorrava com violência, o céu negro tornava-se laranja, e eu sentia-me pequeno e absolutamente insignificante, à mercê dos humores da Natureza. Fiquei a observar, explosão após explosão, extasiado, numa inconsciência consciente que terá durado um par de horas, até que os guias começaram a chamar para o regresso.
Desci intacto e de alma cheia. E a certeza que nenhuma fotografia conseguirá mostrar a magnificência do que eu vi em Tanna, a magia que senti no topo do vulcão Yasur, o poderio das entranhas da Terra conquistando os céus escuros de Vanuatu.
Acho que dificilmente se consegue imaginar o sentimento de pequenez e insignificância perante os bruáaaaa de um vulcão. Só estando lá.
Nadar com tubarões-baleia em Ningaloo, Austrália (2012)
Ainda durante essa viagem em família, cumpri um sonho antigo: nadar com tubarões-baleia. A ideia original era fazê-lo em Donsol, nas Filipinas, mas acabámos por estar perto destes gigantes dos mares no Parque Marinho de Ningaloo, na Austrália Ocidental.
Tal como mergulhar em Sipadan ou o contacto com os gorilas de montanha no Uganda (de que falo abaixo), nadar com tubarões-baleia na Austrália – mais rápidos do que aparentam – foi uma sensação única que dificilmente esquecerei.
Privar com Gorilas de Montanha, Uganda (2013)
Foi no coração da Floresta Impenetrável de Bwindi, no sudoeste do Uganda, que vivi uma das experiências mais extraordinárias da minha vida de viajante, no que ao contacto com a vida animal diz respeito.
Na altura em que visitei Bwindi, havia pouco mais de 700 gorilas de montanha em todo o mundo, mais de metade dos quais habitava a Floresta Impenetrável de Bwindi. Caminhei, suei, escorreguei e cai várias vezes, enquanto seguia na peugada da família Shongi.
Já com os gorilas todos de volta ao solo, às tantas, um jovem macho dirigiu-se com ar ameaçador em direção a uma companheira de viagem. Ela ficou petrificada. Eu estava logo atrás, na direção do gorila, agachei-me como mandam as regras e, por instantes, quedei-me como que anestesiado a ver o meu antepassado arreganhar os dentes em direção a nós. Talvez o tenhamos olhado nos olhos – é difícil ser racional e não o fazer num momento de tensão como aquele -, porque o que se seguiu foi um momento curioso e inesperado: o gorila aproximou-se ainda mais e deu-lhe uma palmada no rabo, antes de se afastar passando a meio metro de distância de mim. A viajante australiana ficou com as lágrimas nos olhos, não sei se de medo ou da emoção: “Está a testar se és ou não uma ameaça para o grupo”, explicou-lhe Steven.
Foi um privilégio inolvidável.
Veja o artigo sobre a experiência com os gorilas de montanha na Floresta Impenetrável de Bwindi
Testemunhar a desova das tartarugas em Tortuguero, Costa Rica (2015)
A primeira vez que presenciei a desova de tartarugas foi no Parque Natural Tortuguero, na Costa Rica. Chegados às proximidades da praia, noite cerrada, aguardei num abrigo pela ordem dos rangers do parque para entrar no areal.
A tartaruga tinha já feito o buraco no areal quando permitiram que me aproximasse. Estava a cerca de um metro do animal (nunca pensei que pudesse assistir a tudo tão próximo da tartaruga) e cheguei segundos antes de começar a soltar os ovos acompanhados por uma substância gelatinosa que amortece a sua queda na areia. Ela estava numa espécie de transe, explicaram, pelo que nem sequer se apercebia da presença dos visitantes ao seu lado.
Foi uma emoção!
Kaluts, Irão (2017)
Foi apenas em 2017 que visitei os Kaluts pela primeira vez, e logo aí se tornaram num dos meus lugares preferidos em todo o Irão. Haveria de voltar mais três vezes, creio, e nunca me cansei de ali assistir ao nascer ou pôr-do-sol naquele que é um dos locais mais áridos e quentes do planeta.
A paisagem é verdadeiramente arrebatadora. Um deserto de areia mas poucas dunas onde, a espaços, formações rochosas se elevam aos céus formando uma paisagem única, misteriosa, quase lunar. Do outro mundo.
Festival Folclórico de Parintins, Amazónia (2017)
Pode parecer estranho incluir uma festa popular no rol de experiências mais marcantes das minhas viagens, mas a verdade é que o Festival Folclórico de Parintins, realizado nos confins do Amazonas, mexeu comigo.
Trata-se de uma celebração que exalta a cultura dos povos indígenas da Amazónia, que descrevi como uma arrepiante Ópera na Floresta.
Arrepiante é, aliás, a palavra que melhor define o Festival Folclórico de Parintins. O que se passa na arena, batizada de Bumbódromo, é muito mais que um evento bem produzido. É a raça, a garra, a paixão, a dedicação sem limites de cada parintinense na defesa do seu “boi”. Seja do Boi Caprichoso ou do Boi Garantido! Têm “sangue nos olhos”, como por lá se diz.
Foi isso que senti em Parintins, terra dos índios guerreiros Tupinambás: raça, paixão, entrega, dedicação, devoção. É verdadeiramente arrepiante!
Visitar Ghardaia, Argélia (2018)
Chamei-lhe “um tesouro milenar no vale do M’Zab”, e não é para menos. Já tinha lido sobre as mulheres de branco de Ghardaia e por isso julgava estar preparado. Mas nunca se está suficientemente preparado para tal coisa…
Eu sabia que era só um olho. Apenas um. Mais do que um niqab, menos do que uma burka. Um olho é o que as mulheres casadas de Ghardaia mostram ao mundo. E a imagem não me saía da cabeça.
Ghardaia é um labirinto de casas idênticas construídas ao longo de ladeiras estreitas (para proteger do calor e de potenciais invasores). E são iguais porque a arquitetura do M’Zab foi projetada para uma vida comunitária sem classes, e com respeito pela privacidade familiar. E isso dá-lhe um toque único e irresistível.
Mas o mais impressionante é mesmo a forma como a comunidade foi conseguindo manter praticamente intactos os seus costumes e tradições. Incluindo a forma como a mulher é “protegida”.
Não fazendo julgamentos nem tentando entender segundo os meus olhos ocidentais, posso garantir que visitar Ghardaia foi das experiências humanas mais desafiadoras e intrincadas das minhas viagens.
Visitar a Islândia (2018)
No que toca à beleza natural, tenho um fascínio especial pela Nova Zelândia, no hemisfério Sul, e pela Islândia, no hemisfério Norte. Dizem-me que quando visitar a Patagónia sentirei igual fascínio mas, enquanto isso não acontece, a Islândia terá sempre um lugar especial no meu baú de memórias.
Glaciares e icebergs, vulcões e grutas de gelo, muitas cascatas belíssimas, parques naturais e até uma praia de diamantes, a Islândia é um paraíso para os amantes de espaços naturais e da qualidade de vida.
É, sem qualquer dúvida, um dos meus destinos favoritos no planeta.
Veja este roteiro na Islândia (apenas na zona sul da ilha)
Trekking do Pico Velho ao Narizes do Teide, Tenerife, Espanha (2019)
Mais recentemente, desafiei um grande amigo para irmos até Tenerife fazer caminhadas. Uma semana depois, saía da ilha totalmente rendido às paisagens rudes e belas de Tenerife, em especial dentro do Parque Nacional do Teide.
Em particular, marcou-me muito o trekking do Pico Velho ao Narizes do Teide, ao ponto de o considerar uma das melhores caminhadas que fiz em toda a minha vida. É duro mas fenomenal, especialmente para quem, como eu, tem um fascínio especial por paisagens vulcânicas. Wow!
Veja este roteiro com o que fazer em Tenerife
Safari no Serengeti, Tanzânia (2019)
O Parque Nacional de Serengeti é seguramente um dos santuários de vida selvagem mais conhecidos do continente africano. Para mim, fazer um safari no Serengeti era um sonho antigo.
Não só por ser um local propício a avistar os big five, mas por ser um exemplo em termos de preservação ambiental na Tanzânia. E ali estava eu, no início de 2019, prestes a concretizar esse mágico objetivo!
Ao longo de cinco ou seis dias, tive oportunidade de explorar o Serengeti, o Lago Manyara e a incrível Cratera de Ngorongoro, numa viagem a todos os níveis inesquecível.
Outros textos da série 20 anos do Alma de Viajante
Adorei ler estes excertos das suas viagens, como já tinha apreciado a leitura do seu livro “Viagens de uma vida”. Enquanto não é possível viajar, vamo-nos contentando com estas descrições que nos vão abrindo o apetite para futuro.
É de louvar e de agradecer a sua partilha de emoções e de experiências.
Se tem mais algum livro, gostaria de ter acesso.
Obrigada
Cumprimentos
Aldina Miranda