A música de Tom Sawyer acompanhou a viagem da Pikitim à volta do mundo, como uma espécie de guião sobre o desafio de irmos “descobrir o mundo” em família. A Pikitim passou 285 dias em viagem, longe do seu quarto, dos seus brinquedos, da escola e dos amigos.
Calcorreou o mundo como uma verdadeira saltimbanca, fazendo e desfazendo malas, apanhando aviões e avionetas, barcos, motos e bicicletas, carros e autocarros, jeepneys e tuk-tuks. Dormiu em cabaninhas e casarões, em tendas e caravanas, em casas de amigos de longa data e de outros acabados de conhecer, hotéis e pousadas, aviões e aeroportos, e até passou uma noite num comboio.
Apesar de tanto movimento, teve tempo de se enraizar em culturas e tradições diversas, convivendo com meninos tapados da cabeça aos pés com a mesma naturalidade com que corria atrás de meninas vestidas só com uma saia de palhinhas. E teve oportunidade de conviver com gente abastada e meninos pobres, apercebendo-se da sorte que tem por ter uma casa confortável para dormir e fortalecendo, no seu coração de petiza, a importância do ato de partilhar.
Nestes dez meses de viagem, acompanhados semanalmente nas páginas da revista Fugas, a Pikitim teve direito a esse banho de novas culturas e tradições, mas também a uma imersão nas maravilhas e nos mistérios da Natureza, respeitando-a, apreendendo a sua diversidade, compreendendo a sua variedade.
Viu vulcões ativos e rios congelados, correu entre árvores milenares, fez trilhos na selva, perdeu-se no meio de arrozais, fez muitas caminhadas. E nadou muito, fazendo snorkelling ao lado de peixinhos coloridos e tartarugas, deu de comer a golfinhos e viu de perto mantas e tubarões-baleia.
Saltitou de ilha em ilha, deu a volta completa ao mundo, e estava feliz, à chegada. Com a sensação de missão cumprida, e com muita vontade de partilhar o que tinha andado a conhecer. E diz que com a ajuda dos desenhos que andou a fazer, inspirados pelo mundo, nunca mais se vai esquecer dos mundos que descobriu, das amizades que travou nem das aventuras que viveu.
Estes são alguns dos momentos altos da volta ao mundo em família, vista pelos seus olhos de uma criança.
#1 Praia de Railay (Tailândia)
Sair de Portugal em pleno inverno e praticamente aterrar no areal de praias paradisíacas foi a razão principal da extrema felicidade que a Pikitim demonstrou na Tailândia. Águas quentes, praias branquinhas e muitos, muitos peixinhos. Ainda hoje diz que a sua preferida, de entre todas as que conheceu (e foram muitas!) foi a praia de Railay.
Diz que as rochas calcárias que desenhavam a baía eram muito bonitas, que os meninos que escalavam as paredes eram “corajosos” e que os macaquinhos que andavam por todo o lado eram “safados”. Ter dormido numa “cabaninha” quase pendurada numa árvore também ajudou às boas recordações. Era numa casa na árvore que o Tom Sawyer gostava de brincar. A Pikitim também. Gostou de viver e limpar a sua casa na árvore como se fosse a Branca de Neve na cabana dos Sete Anões.
#2 Subir o teleférico de Langkawi (Malásia)
Não foi preciso muito mais que a presença da Margarida – uma amiga portuguesa da sua idade – e um teleférico “até às nuvens” para tornar a passagem pela ilha de Langkawi memorável. Para a Pikitim, a subida ao topo do monte Machincang com o objetivo de passear na Sky Bridge, uma extraordinária obra de engenharia que permite “passear no céu”, atiçou a sua imaginação infantil desde que vislumbrou as cabines do teleférico a subirem rumo à montanha.
E assim o teleférico de Langkawi rapidamente se transformou numa espécie de pé de feijão gigante da história de João, dando um outro sentido à aventura. No final do passeio, os veredictos: “O que eu mais gostei foi do passeio nas nuvens”, garantiu a Margarida; “eu gosto mesmo é do pé de feijão mágico”, disse a Pikitim, que continuava a preferir a adrenalina do teleférico.
#3 Museu Pambata (Filipinas)
Foi uma das mais surpreendentes constatações da viagem: a Pikitim adora museus. Sejam eles para crianças ou adultos, desde que suficientemente interativos e com coisas novas para apreender – e os museus, afinal, não são sempre isso?
No decorrer de toda esta volta ao mundo, a Pikitim raramente se cansou durante as muitas visitas que fizemos a museus bem selecionados. Mas em nenhum outro se sentiu tão fascinada como no Museu Pambata de Manila, na caótica capital das Filipinas.
Lá dentro, brincou às profissões, aprendeu o conceito de cadeia alimentar, fez de conta que habitava o fundo do mar, interiorizou a mensagem de que é preciso poupar os recursos naturais do planeta e adquiriu novos conhecimentos sobre o seu próprio corpo numa excelente e muito interativa sala dedicada ao corpo humano. Saiu contrariada do museu quando ele encerrou portas e, no dia seguinte, pediu para regressar ao Pambata. E o prazer de novo repetiu-se.
#4 Templos de Borobudur (Indonésia)
O templo de Borobudur, situado na ilha indonésia de Java, é o maior complexo budista do mundo. Apesar de nele já não existirem senão pontuais práticas religiosas, continua a ser, em termos de arquitetura, o símbolo maior da caminhada de Buda rumo ao Nirvana.
Conceitos de religião, meditação, perfeição ou paraíso são muito difíceis de explicar a uma criança de cinco anos, mas a verdade é que não foi difícil entusiasmá-la na exploração daqueles templos, quando, de repente, ela conseguiu transformar as velhas paredes de pedra num animado livro de banda desenhada, onde há muitas figurinhas a contar uma história.
A partir do momento que considerou que estava a ler “um livro de pedra”, calcorreou os patamares dos templos de Borobudur sem dar qualquer sinal de enfado.
Nas mais de 1.500 figuras em relevo que ornamentam os patamares do templo, a Pikitim aprendeu a história do menino Sidhharta. Ouviu a história contada por umas simpáticas estagiárias de turismo, que a mãe foi traduzindo, e depois recontou-a ao pai com invulgar entusiasmo: “… aqui é a rainha Maia a fazer uma grande viagem, a caminho da casa da sua mãe porque ela queria ter lá o seu bebé. E ali é já o bebé a nascer, porque afinal ele nasceu no meio do caminho”. Ler um “livro de pedra” é coisa que não esquecerá tão cedo.
#5 O desfile dos Ogho-Ogho em Bali (Indonésia)
Os balineses são um povo amável e hospitaleiro, sorridente e festivo, e muito, muito religioso. Há cerimónias por todo o lado, a toda a hora, e gente vestida com aprumo a acender incenso, a colocar flores e arroz em todas as esquinas para deleite dos deuses.
Já a Pikitim se tinha habituado a toda esta envolvência quando teve oportunidade de vivenciar uma das maiores – e invulgares – festividades da ilha: o Nyepi Day, ou Dia do Silêncio. Nesse dia, não há qualquer barulho ou movimento, não há tráfego automóvel ou aéreo, ninguém sai de casa, ninguém acende as luzes, tudo está fechado, tudo é reflexão, tranquilidade, silêncio.
No dia anterior ao Nyepi Day, os demónios foram invocados em criativos Ogho-Ogho (monstros em papel machê) que todas as comunidades fizeram desfilar em enérgicas paradas. A Pikitim andou divertida a escolher o mais medonho dos monstros, mas nenhum lhe meteu medo. Achou-lhes mais piada do que à “pausa para reflexão” a que foi obrigada no dia seguinte. “Eu não quero pensar em nada; só quero é brincar”, disse.
#6 Viajar de autocaravana (Austrália)
Desde o início da viagem que estava prometido andarmos numa “casa sobre rodas” e, por isso, as expectativas eram altas. Quando pela primeira vez entrou na autocaravana com que iríamos fazer quase 4.000 quilómetros ao longo da costa ocidental da Austrália, a reação não foi das melhores. “Isto aqui é muito mais pequeno do que eu pensava”, disse a Pikitim.
Depois de ter aberto as gavetas, descoberto o frigorífico e o microondas e percebido que à noite os bancos e a mesa se transformavam em cama, mudou de ideias e passou a achar que viver ali seria melhor do que brincar numa casa de bonecas. E começou, rapidamente, a sentir o privilégio de ver desfilar paisagens áridas e agrestes da sua mesa de trabalho em andamento, onde registou em forma de desenhos muitas das belezas naturais – como o Deserto dos Pináculos, as termiteiras gigantes ou os golfinhos de Monkey Mia – no despovoado Estado da Austrália Ocidental.
#7 Iniciação à Astronomia, no Lago Tekapo (Nova Zelândia)
Foi numa noite mágica de céu limpo e frio cortante, perto dos zero graus centígrados, que tudo se passou, ao aceitarmos o convite de uma amiga portuguesa acabada de conhecer.
O Astro Café, localizado no topo do Monte John, sobranceiro ao Lago Tekapo, na Ilha Sul da Nova Zelândia é provavelmente o café panorâmico mais bonito do mundo, já que é difícil igualar aquela amplitude, de 360 graus, que coloca o Monte Cook, o Lago Tekapo e toda a bacia Mackenzie na mesma linha do horizonte. No cimo do Monte John está, também, um dos mais importantes observatórios astronómicos de todo o hemisfério sul.
Assim, o convite da tripeira Patrícia Baptista a viver em Lake Tekapo e empregada do Astro Café foi, também por isso, irrecusável. Voltámos a subir ao Astro Café, à noite, iluminados apenas pelas estrelas. A Pikitim deliciou-se com a potência do telescópio apontado para os céus neozelandeses: “eu vi, eu vi! Consegui ver os anéis de Saturno!”.
Também conseguiu ver a cor de Marte, e perceber como mudam de cor as estrelas cintilantes. Mas, para ela, o mais importante viria pouco antes de abandonarmos o Observatório Astronómico, quando viu uma estrela cadente a pintar o céu. “O meu sonho realizou-se!”, disse.
#8 Trekking no Abel Tasman Coastal Track (Nova Zelândia)
Não foi preciso recorrer à ajuda preciosa de uma backpack imaginária que tivesse a solução para qualquer dificuldade momentânea, nem tampouco a companhia inseparável de um macaco Boots. A Pikitim encarnou a pele de Exploradora e liderou com ímpeto juvenil um dos troços do magnífico trilho Abel Tasman Coastal Track, no extremo norte da Ilha Sul da Nova Zelândia.
Estávamos receosos com a sua resistência física e disposição para tão longa caminhada, mas a verdade é que, para ela, tudo foi emoção e descoberta. A imaginação esteve sempre presente ao longo de toda a tarde de caminhada.
Estava com vontade de partir à aventura, de conhecer árvores e cogumelos, de descobrir o que se escondia para lá de cada curva no trilho florestal. Avisou-nos de antemão que ela, naquele dia, seria uma espécie de Dora, a Exploradora e lideraria a caminhada, e que nós teríamos de atentar nos seus conselhos (“cuidado com esta raiz levantada”; “respirem fundo que agora vem aqui uma grande subida”; “atenção a esta pedra”) e nunca, mas mesmo nunca a ultrapassar. E assim percorreu um total de oito quilómetros, sem nunca pedir ajuda – colo ou cavalitas.
À chegada a Torrent Bay, estava feliz como nunca, e contente por ter superado todas as dificuldades do percurso.
#9 Acampar na Nova Caledónia
Recorremos a amigos de amigos para nos munirmos de equipamento de campismo que nos permitisse sair de Nouméa e conhecer o resto da Grande Terre, a principal ilha do arquipélago da Nova Caledónia, e também a magnífica Ile des Pins. Tendas, finos colchões, sacos-cama, lanternas, um pequeno fogareiro a gás, uma grelha, carvão e o indispensável material para cozinhar e comer, como tachos, pratos, talheres e afins.
Para a Piktim, foram momentos de emoção desde a primeira hora. Simples atos como ajudar a montar a tenda, recolher lenha para fazer uma fogueira, cozinhar nas brasas, limpar o chão com um ramo de arbusto ou dormir com a chuva a bater no duplo teto tornaram-se momentos especiais. O campismo conquistou a Pikitim.
#10 Viver em Lelepa (Vanuatu)
Foi talvez dos sítios onde a Pikitim teve menos conforto material durante a estadia – dormiu num colchão no chão numa casa simples coberta de zinco, tomou sempre banho de água fria numa casa de banho minúscula construída no centro da aldeia, não havia energia elétrica durante boa parte do dia, nem sequer uma pequena mercearia para comprar leite com chocolate ou as suas bolachas preferidas.
Mas a pequena ilha Lelepa, em Vanuatu foi, apesar disso, dos sítios que mais a marcaram e onde nunca se aborreceu. Porque havia crianças. Foram quatro dias de absoluto desprendimento e de muita, muita brincadeira com os meninos da aldeia.
Os brinquedos eram cocos, corais, ramos e folhas. Os jogos eram as universais escondidinhas e apanhada e as corridas atrás de cães, porcos e galinhas que por ali andavam à solta. E, claro, muitas sessões de desenho e pintura num “atelier” montado ao ar livre, em cima de um depósito de recolha das águas pluviais. Os lápis e marcadores não tiveram descanso, mesmo depois de se ter acabado o papel. E não é que as conchas são um belo suporte para fazer criativas “peças de arte”?
#11 Regresso ao passado, em Tanna (Vanuatu)
A Pikitim habituou-se a não se assustar com os estridentes ruídos do vulcão Yasur, nem a deixar-se impressionar com as espessas nuvens de fumo negro que saíam constantemente da sua cratera. “Só temos de nos preocupar quando ele ficar calado muito tempo. Se ele parar com estas explosões, pode depois vir uma explosão a sério, e aí sim, nós temos medo”, explicou-lhe Marie, a nossa anfitriã na ilha de Tanna. A Pikitim deixou de se preocupar com o vulcão, mas não o suficiente para o querer subir e espreitar as suas erupções contínuas bem pertinho da cratera – “sou muito nova para morrer!”, disse.
Preferiu passar dias a fio numa aldeia no sopé do vulcão, a brincar com os meninos que lhe haveriam de ensinar a jogar râguebi com um velha bola de trapos. E fez passeios selva adentro, para conhecer bichos incríveis (“já viste estes lagartos com rabinho fluorescente?”) e espreitar como ainda se vestem alguns meninos nas aldeias mais recônditas – “com a roupa da Natureza”: saias de palha para as meninas, e umas bolsas também de palha com que os meninos tapam a pilinha. Foi o local mais primitivo de toda a viagem.
#12 Aprender a desenhar na Disneyland (EUA)
Gostou das montanhas-russas, das rodas gigantes, dos desfiles de princesas, da casa do Pateta e da Margarida, do chá dançante da Alice, de voar sobre Londres com o Peter Pan, de conhecer a Sininho, o Sr. Cabeça de Batata e o Sr. Incrível, de entrar na gruta secreta em que funcionava o clube musical de Sebastião e os outros amigos de Ariel, de entrar no castelo da Bela Adormecida e de se assustar com “a maléfica bruxa má”.
Não houve nada de que a Pikitim não gostasse no universo dos parques da Disney, em Anaheim, pertinho de Los Angeles. Mas o que dificilmente esquecerá são as horas passadas na Academia de Desenho, onde aprendeu a desenhar o Mickey, o Winnie the Pooh e muitos outros personagens do universo Disney, incluindo os do filme Frankenweenie, e percebeu que para fazer os filmes de animação da Disney é preciso muito tempo, talento e paciência.
Por ela, e apesar de adorar tudo o resto na Disneyland, teria passado dias inteiros simplesmente a desenhar.
Estes foram alguns dos momentos altos da volta ao mundo em família, uma viagem que nos permitiu ver o mundo pelos olhos de uma criança de cinco anos.
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Sobre o Diário da Pikitim
Este post pertence a uma série que relata uma volta ao mundo em família, com 10 meses de duração. Um projeto para descomplicar e mostrar que é possível viajar com crianças pequenas, por todo o mundo. As crónicas da viagem foram originalmente publicadas na revista Fugas e no blog Diário da Pikitim.
Veja também o artigo intitulado Viajar com crianças: 7 coisas que os pais devem saber.
Olá mais uma vez, agora todos juntos neste cantinho da Europa. Nós estamos cheias de saudades de viajar, dos climas quentinhos e das incertezas dos próximos destinos. Enfim, imagino que vocês ainda estejam na lua de mel do regresso que para nós já passou há tanto tempo. Esperamos por vocês aqui por baixo um destes dias! beijinhos
Joana e Margarida
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Thank you for your words, Marthe!