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Viagem de barco no Amazonas (de Manaus a Parintins a dormir numa rede)

Durante a minha primeira volta ao mundo, tinha navegado o Rio Amazonas entre Belém e Santarém, no Estado brasileiro do Pará. Nessa altura, optei por viajar num camarote (ou cabine), pelo que ainda não tinha tido a oportunidade de viajar dormindo numa rede no convés do navio. Até agora.

E assim, finalmente, voltei a navegar no Amazonas. Não entre Iquitos e Manaus, como é meu desejo antigo; mas no trecho entre Manaus e a pequena povoação de Parintins, na ilha Tupinambarana, fronteira entre os Estados do Amazonas e do Pará. O objetivo era assistir ao Festival Folclórico de Parintins, outro desejo que vinha alimentando há muitos anos.

Veja também o artigo sobre o que fazer em Manaus.

Manaus – Parintins de barco

À espera da partida na “Balsa Amarela”

Barco na Balsa Amarela, Manaus
Embarque no navio Leão de Judá na “Balsa Amarela”, Manaus

O navio Leão de Judá estava atracado na chamada “Balsa Amarela”, nas traseiras do Mercado Municipal de Manaus. Apesar da partida estar marcada apenas para as 10 da manhã, pouco passava das oito horas quando lá cheguei. Pareceu-me uma boa opção chegar cedo, especialmente para quem ia dormir numa rede no convés. Era o meu caso.

À entrada do navio, um homem confirmou o meu nome e respetiva reserva, e colocou-me uma pulseira azul num braço. Com ela podia entrar e sair enquanto o barco estivesse atracado na “Balsa Amarela” do porto de Manaus (e noutras eventuais paragens). Era hora de montar a rede.

Na verdade, achei por bem assumir desde logo a minha falta de conhecimento nas artes de montar redes e pedi a um elemento da tripulação para me ajudar. Procurámos um lugar com espaço (era cedo, havia ainda muito espaço) e colocámos a rede. Por essa altura, mal sabia que de pouco me valeria essa escolha porque, mesmo antes de partir, duas pessoas haveriam de montar as suas redes mesmo ao meu lado (que é como quem diz, coladas à minha).

Viajar em rede, no barco Manaus - Parintins
O aspeto do convés visto da minha rede

Lá fora, à medida que o tempo ia passando, o pier foi ficando cada vez mais movimentado. Era terça-feira, estávamos a três dias do início do Festival de Parintins e, apesar da maioria das embarcações sair de Manaus apenas nos dois dias seguintes (quarta e quinta-feira), já se notava uma grande azáfama no porto.

Havia muita gente a vender de tudo um pouco: cordas para as redes; óculos de sol; extensões elétricas para as pessoas carregarem os seus equipamentos eletrónicos a bordo; e comida para a viagem. Enquanto esperava, aproveitei para comprar um “prato feito” para depois almoçar, uma vez que a bordo só seria servido jantar.

Dentro do barco, foi chegando cada vez mais gente; novas redes iam sendo instaladas, e a distância entre elas diminuindo, diminuindo, diminuindo. Diminuindo! Ao meu lado, uma senhora tinha improvisado uma manicure, com um banco de plástico a aparentar servir para atender as clientes.

Por volta das 11 da manhã, com um atraso de sensivelmente uma hora, o navio Leão de Judá zarpou finalmente de Manaus, rio abaixo, rumo a Parintins. “Leão é leão; o resto é fiasco”, gracejou um dos elementos da tripulação do Leão de Judá.

Viajar pelo Rio Amazonas

Barco no Rio Amazonas
Um barco mais pequeno navegando no Rio Amazonas

Quando pensava que estava tudo pronto para fazer a viagem de Manaus até Parintins sem mais demoras, eis que, pouco depois de zarpar de Manaus, o barco foi mandado parar pela polícia marítima.

Primeiro as mulheres, depois os homens, todos foram saindo do navio para um pequeno cais. As mulheres afastaram-se; os militares dispuseram os homens em várias filas indianas, lado a lado, debaixo de um toldo que protegia do sol inclemente do Amazonas. Julgo que entretanto os cães terão entrado no navio, mas não consegui ver.

O objetivo da operação seria contar os passageiros – para combater a sobrelotação comum por altura do Festival Folclórico de Parintins -, detetar eventuais meliantes (há quem vá de Manaus para Parintins durante o festival para roubar) e procurar droga.

Pouco depois, sem que aparentemente algo tivesse acontecido (não mostrei sequer a minha identificação), fomos liberados e reencaminhados para o navio. Ia finalmente viajar pelo Rio Amazonas rumo a Parintins.

Viagem de barco no Amazonas
À passagem dos navios, as comunidades ribeirinhas aproximam-se para pedir roupas aos passageiros (quando os barcos sobem o rio, junto às margens)

Como o barco estava a descer o rio, navegou quase sempre no meio do leito do Amazonas (e não junto às margens), aproveitando a força da corrente. Por isso, só no regresso de Parintins voltei a testemunhar a solidariedade no Amazonas que tanto me tinha chamado a atenção em 2005. Nesse regresso, havia canoas a motor que se dirigiam ao navio; as crianças agitavam os braços, em gestos mil vezes encenados, solicitando que os passageiros do navio atirassem roupas velhas. Alguns faziam-no. Cheguei a ver uma mala a voar, além de muita roupa que os passageiros optaram por doar aos habitantes ribeirinhos.

Não foi o caso na descida do rio, rumo a Parintins.

A viagem de barco continuou tranquila, Amazonas abaixo; eu a absorver o ambiente do barco, uma espécie de micro-cosmos curioso, quiçá um retrato do Amazonas. Conheci gente simples, simpática e bem disposta, com espírito de entre-ajuda. Foram horas monótonas mas agradáveis, em que me transformei no “portuga” do barco, partilhei cervejas e conversas, conheci amazonenses de tez escurecida e olhar profundo.

Viagem de barco Manaus - Parintins
Terraço no convés superior, perto do bar do navio

Como um pescador, de mãos calejadas e rosto marcado pela vida, que me falou do trabalho bem pago de quem percorre o rio para comprar e vender peixe; do dinheiro gasto com bebida e mulheres depois de receber o dinheiro de uma faina; dos piratas do rio que assaltam de forma violenta os barcos quando eles estão cheios de dinheiro vivo para comprar peixe.

Foi o que lhe aconteceu dias antes, quando temeu pela vida com uma bota a esmagar-lhe a cara, uma arma apontada à cabeça e ouvindo indicações entre os bandidos de que era para “se verem livres de todos”. Não foi esse o dia, “teve sorte”, apesar de tudo – foi-me contando entre mais uma cerveja e um cigarro. Agora ia trabalhar para Parintins, antes de regressar para os braços da mulher.

O jantar foi servido muito cedo, mas a bordo o tempo passa devagar e, na verdade, já tinha fome. Lembro-me que, da primeira vez que percorri o Amazonas de barco, as refeições foram sempre frango durante três dias. Felizmente, no navio Leão de Judá havia mais variedade e possibilidade de escolha: “frango desfiado” ou “carne de panela”. Fui para a carne.

Viajar numa rede no Amazonas
Uma jovem amazonense a caminho de Parintins

À noite, notei que muitas mulheres se maquilharam e mudaram de roupa, como se no convés superior houvesse uma festa, uma saída noturna especial, uma paquera à espera.

Estiquei-me na rede, acabei por dormitar e acordei uma ou duas horas depois. Era tarde.

Sem vontade de dormir, sentei-me na escuridão do terraço. Um grupo de amigos mais velhos falava alto e bebia muita cerveja e whisky. Uma jovem, minha vizinha de rede, ainda estava lá em cima à conversa com um rapaz, em murmúrios abafados pelo barulho do barco. Um par de namorados unia as bocas e enredava mãos e braços no corpo alheio. O rio estava calmo, a lua quase ausente. Havia estrelas. De vez em quando, o rosto de alguém iluminado pela luz do telemóvel. Estava em paz, o rio tranquilo…

Às tantas, já a comida tinha acabado no bar e as cervejas não estavam geladas, as pessoas foram-se recolhendo; o bar fechou, dentro de algumas horas chegaríamos a Parintins, e eu decidi voltar para a minha rede e tentar dormir.

A chegada a Parintins

A chegada do navio Leão de Judá a Parintins, após quase 20 horas a viajar no Rio Amazonas
A chegada do navio Leão de Judá a Parintins, após quase 20 horas a viajar no Rio Amazonas

Manhã cedo, foi servido o pequeno-almoço: havia café, mingau, pão e fruta. À medida que a manhã ia entrando no convés, os passageiros foram tomando banho, arrumando as redes e preparando-se para a chegada. Após quase 20 horas a viajar no Rio Amazonas, o Leão de Judá atracou finalmente no porto de Parintins por volta das 7:00 da manhã.

Cheguei cansado, é certo; mas tenho para mim que viajar de barco no Amazonas é uma experiência que nenhum voo conseguirá substituir.

Guia prático

Onde ficar em Manaus

Para o comum dos viajantes, a localização mais conveniente para se hospedar é a zona envolvente ao Theatro Amazonas, no centro de Manaus. Eu conheci o Local Hostel Manaus que, para quem aprecia o ambiente social de um hostel, é maravilhoso. E cheguei a ficar também alojado no Seringal Hotel, um pouco mais caro mas muito bem localizado. Ficam ambos pertíssimo da Praça São Sebastião, onde fica o teatro.

Outras opções interessantes no centro são os hotéis Go Inn e Casa Teatro. Ou, para algo mais chique (e caro), o Hotel Villa Amazônia.

Por fim, se preferir ficar perto da famosa Praia de Ponta Negra, as escolhas mais consensuais (embora não isentas de críticas) são o Hotel Tropical e o Wyndham Garden Suites. Encontra mais opções no link abaixo.

Pesquisar hotéis em Manaus

Como organizar a viagem de barco Manaus – Parintins

Não é necessário marcar a viagem de barco entre Manaus e Parintins com muita antecedência, mesmo se o objetivo for participar no Festival de Parintins. Trata-se de uma época em que as viagens de barco sofrem um enorme aumento de procura e, como tal, pode ser mais difícil reservar lugar caso queira um barco específico; seja como for, se o objetivo for pura e simplesmente chegar a Parintins, há quase sempre disponibilidade.

Para isso, quando chegar a Manaus dirija-se de imediato à “Balsa Amarela”, nas traseiras do Mercado Municipal, e compre a passagem para daí a um ou dois dias. Em época de festival em Parintins há pequenas bancas improvisadas que vendem os bilhetes para os barcos especiais.

Se preferir ter mais alguma segurança, envie uma mensagem ou ligue via WhatsApp ao simpático Fausto Martins, do barco Leão de Judá (+55 92 9229-9377); com certeza ele o ajudará. Os preços da viagem entre Manaus e Parintins começam nos 60 reais por trajeto.

Dicas práticas sobre a viagem de barco

# Que barco escolher: lancha rápida ou navio

Em termos genéricos, excetuando o avião, há duas formas de ir de Manaus até Parintins; ambas pelo rio.

  • Lancha rápida. A primeira opção são as lanchas rápidas, que demoram sete ou oito horas de viagem, passadas maioritariamente sentado. Note que as lanchas rápidas, apesar de demorarem menos de metade do tempo dos grandes navios, são mais perigosas.
  • Navio. A segunda opção para fazer o percurso entre Manaus e Parintins são os grandes navios fluviais, que transportam centenas de pessoas em redes (e algumas dezenas em camarotes privados). Foi de navio que eu viajei e, a não ser por manifesta falta de tempo, recomendo a experiência; pelo menos num dos sentidos.

No que toca aos grandes barcos, note que há embarcações de madeira (mais lentas) e de metal (mais rápidas). Mais importante, indague sobre a segurança dos barcos antes de comprar os bilhetes; há registos de acidentes muito graves em barcos onde as condições de segurança são mais precárias.

Hoje em dia, e após ter feito esta viagem, julgo que a combinação perfeita para uma experiência completa será ir para Parintins de navio (para vivenciar a experiência, antes da festa) mas regressar de avião (para poupar tempo e o corpo). A lancha rápida, por outro lado, não é opção que considere recomendável.

# Subir ou descer o rio de barco: o que é melhor?

Se quiser fazer apenas uma viagem de barco no Rio Amazonas a caminho de Parintins, deve também saber o seguinte:

  • no sentido Manaus – Parintins, o barco desce o rio, razão pela qual a viagem é mais rápida; no entanto, as embarcações navegam pelo meio do rio, para aproveitar as correntes, pelo que há menos contacto com a vida nas margens;
  • no sentido inverso, as embarcações sobem o rio e, por isso, vão contra a corrente e demoram mais tempo; é, no entanto, o sentido ideal para quem quiser observar a vida das comunidades ribeirinhas.

# Rede: onde comprar

Se viajar no convés, vai precisar de comprar uma rede e respetivas cordas. Eu comprei a minha rede numa loja de redes perto do Mercado Municipal de Manaus, e paguei apenas 25 reais. Se ficar alojado no Local Hostel Manaus, eles guardam as redes doadas pelos viajantes e oferecem a quem precisar. Quando passei por lá não havia redes disponíveis; mas, no regresso do Festival de Parintins, deixei lá a minha para que fosse útil para alguém. Quanto às cordas, se não arranjar numa loja, há sempre pessoas a vender cordas antes do barco partir.

# Onde montar a rede (algumas dicas)

  • Os barcos maiores têm um convés superior aberto e um convés médio com ar condicionado, para além do convés inferior (o pior de todos); havendo convés intermédio, e caso não se importe com o ar condicionado, pode ser uma boa opção. Isto porque o ar condicionado torna a viagem mais agradável durante o dia, embora de noite possa ficar muito frio (leve um agasalho). Outro aspeto a considerar é o facto de, em princípio, haver menos mosquitos no convés fechado. Pela negativa, o ar é mais abafado do que no convés superior.
  • Faça o que fizer, evite o convés inferior a todo o custo; é onde há maior confusão de gente a entrar e sair do navio, além do barulho dos motores.
  • Uma vez escolhido o convés, monte a rede junto a uma das colunas / pilares existentes a meio do convés; dessa forma não terá ninguém colado a si desse lado (haverá o pilar entre ambos), e terá um lugar para encostar ou prender a mochila.
  • Não fique junto às zonas de passagem, caso contrário será incomodado a toda a hora com a passagem de pessoas.
  • Evite também montar a rede junto às luzes. Algumas delas ficam acesas a maior parte da noite e não é nada agradável ter uma lâmpada potente apontada aos olhos.
  • Por fim, evite montar a rede junto às casas de banho e cozinha.
  • Aconselho que fique na rede até o barco partir (ou mesmo um pouco depois). Isto porque a rede vazia ocupa pouco espaço e é mais provável que outros passageiros montem rede ao seu lado. Eu fui para a parte superior do navio assim que o barco partiu e, quando regressei, tinha duas novas redes literalmente coladas à minha.

# O que levar para o barco

  • Rede e cordas.
  • Uma garrafa para encher com água (há água potável e gratuita a bordo).
  • Uma manta para as noites frias (compre antes da viagem e depois ofereça a quem precisar).
  • Fruta e bolachas para comer entre refeições.
  • Há quem recomende um tupperware (e uma colher ou garfo) para ajudar a pegar nas refeições na cozinha e levá-las para junto da sua rede (até porque nem sempre há lugar vago para comer); eu não levei.
  • Opte por usar havaianas durante a viagem; é muito mais prático que outro tipo de calçado.
  • Leve headphones para ouvir as suas músicas preferidas; os ear plugs podem ser também muito úteis na hora de dormir, especialmente se houver muitas crianças e bebés a bordo.
  • Se tiver um power bank, leve-o também: ficará menos dependente dos carregamentos a bordo.
  • Por fim, é útil ter um cadeado para manter a mala ou mochila sempre fechada.

# Nota sobre segurança

Há inúmeros registos de roubos a bordo, especialmente de telemóveis. Mantenha-se atento e não deixe a bagagem aberta e sozinha durante muito tempo.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.