Está a ponderar visitar a Reserva da Jaqueira, em Porto Seguro? Pois bem, talvez se desiluda sabendo que muitas outras pessoas estão neste momento a pensar exatamente o mesmo. Porto Seguro é atualmente um dos destinos mais visitados de todo o Brasil. E muita gente planeia incluir a aldeia indígena da Jaqueira na sua lista com o que visitar em Porto Seguro. Ou seja, talvez a experiência seja bem mais turística do que imagina.
Mas vamos por partes.
Lugar sagrado para o povo Pataxó, a Reserva da Jaqueira integra mais de oitocentos hectares de Mata Atlântica preservada, onde vivem pouco mais de trinta famílias “em total harmonia com a natureza”, conservando ainda alguns “costumes milenares”.
Ora, a oportunidade de conviver com índios Pataxó, participar em várias atividades e conhecer de viva voz a cultura, os costumes e a trágica história do povo Pataxó parece muito apelativa. E é. O problema é, como disse, que a Jaqueira se tornou numa das principais atrações turísticas de Porto Seguro.
Posto isto, será que mesmo assim vale a pena visitar a Reserva Pataxó da Jaqueira? Para mim, e mesmo tendo as expectativas em baixo, a visita foi uma brutal desilusão. Vou tentar explicar os motivos, mas convido cada um a formar a sua própria opinião.
Para uma experiência mais tranquila e enriquecedora, considere visitar a Reserva de Porto do Boi, em Caraíva.
A minha visita à Reserva da Jaqueira
Seriam umas 10:30 da manhã quando cheguei à entrada da Reserva Indígena da Jaqueira. Fui recebido por um índio antipático no guichet colocado à entrada, onde comprei o meu ingresso e me foi colocada uma pulseira tipo resort tudo incluído.
Tinha chegado sensivelmente na mesma altura que outras quatro pessoas, pelo que nos juntaram num pequeno grupo. Fomos então entregues a uma criança de tenra idade cuja função era caminhar com os visitantes desde o pórtico de entrada até à aldeia propriamente dita.
Por uma infeliz coincidência, estava a decorrer na Jaqueira um encontro com vários grupos indígenas brasileiros, pelo que a aldeia estava muito movimentada e barulhenta. A oca central estava transformada em palco para discursos inflamados, onde os participantes iam partilhando as suas opiniões sobre os problemas das tribos de forma muito enfática e por vezes até revoltada.
Não me importaria nada de ali ficar a aprender um pouco mais sobre as justíssimas lutas dos povos indígenas brasileiros. Mas, no contexto da visita à aldeia da Jaqueira, ter aquela espécie de congresso indígena acrescentava muito barulho e confusão à experiência. Para terem uma ideia, estava até uma equipa de uma estação de televisão local na aldeia.
Manda a verdade dizer, no entanto, que a visita começou muito bem. Uma palestra introdutória dada por uma das três líderes da aldeia da Jaqueira – todas mulheres! – serviu como discurso de boas-vindas.
Embora muitas vezes carregada de negativismo, a palestra foi muitíssimo útil para perceber melhor a vida – e os desafios! – da comunidade Pataxó desde a chegada dos portugueses até aos dias de hoje. Éramos umas doze pessoas a escutar atentamente, e creio que o sentimento dominante era de agrado e gratidão.
Acompanhámos de seguida um índio pela aldeia, que nos mostrou, entre outras coisas, o inacreditável som emitido por uma folha de palmeira quando batida por um pedaço de madeira, método utilizado pelos índios Pataxó como forma de comunicação na floresta.
Infelizmente, tudo na aldeia da Jaqueira parecia feito de forma um pouco mecânica e com pouca alma. Talvez não seja alheio a isso o facto de todo este ritual turístico ser repetido várias vezes por dia, quase todos os dias, desde há já muito tempo.
Depois, fomos levados até um local onde havia água ao lume e dois tipos de chá já preparados. Juntamente com os meus colegas de grupo, provei os chás e degustei um pequeno prato de cuscuz. Estava tudo delicioso.
Provadas as iguarias Pataxó, era então tempo de um dos momentos mais aguardados pelo grupo de turistas brasileiros com quem eu partilhava a experiência: as pinturas faciais nos rostos dos visitantes. Ora, com uma pessoa apenas a pintar os rostos do meu grupo – cerca de uma dúzia de pessoas -, perdeu-se ali muito tempo à espera uns dos outros.
E, sem qualquer indicação do “guia” indígena, todos ficaram um pouco perdidos, sem saber se podiam explorar a aldeia à sua vontade ou se era suposto esperar. Eu optei por ir circular pelo resto da aldeia, até porque entretanto os discursos tinham terminado e o ambiente na Jaqueira ficou então bem mais calmo.
Infelizmente, creio que o pajé não estava disponível para nos receber – ou o “guia” nem sequer tentou, não sei dizer. Mas, por esta altura, estava já um pouco farto da experiência transformada em circo turístico. A expressão talvez seja um pouco forte, mas foi aquilo que senti. A Reserva Indígena da Jaqueira é, hoje em dia, um produto turístico para ser comercializado junto das massas. E isso não tem nada de mal em si mesmo; mas compromete, naturalmente, a autenticidade e a hospitalidade Pataxó.
Olhando em meu redor, a aldeia estava de facto muito mais tranquila e agradável (nota mental: da próxima vez, chegar à Reserva da Jaqueira apenas por volta das 13:00). Aproveitei então para entrar rapidamente na loja e apreciar um pouco do artesanato indígena colocado para venda.
Mas, quando dei por ela, já os elementos do meu grupo estavam a abandonar a aldeia da Jaqueira, o que significa que a “vivência” ficara mesmo por ali. Era então tempo de voltar a percorrer a estrada que une a aldeia à entrada da reserva Pataxó e dar a visita por terminada.
Lá fora, a caminho de uma das melhores praias de Porto Seguro, tentava mentalmente responder à questão: que tal foi visitar a aldeia da Jaqueira? Que balanço faço dessa experiência?
Vale a pena visitar a Jaqueira?
Vamos por as coisas da seguinte forma. Conheci uma pessoa que tinha visitado a Reserva Pataxó da Jaqueira há mais de dez anos e que voltou agora, na mesma altura que eu. No final, estava visivelmente desiludido com a excessiva turistificação da aldeia – chamou-lhe um shopping center.
Ora, apesar de eu não dispor do mesmo termo de comparação, aquilo que posso dizer é que não gostei mesmo nada de visitar a Jaqueira. Eu percebo que o turismo seja uma forma de obter rendimento para o povo Pataxó, mas sinto que falta entrega e paixão. Está, por assim dizer, turistificada – com tudo o que isso tem de negativo.
Ou seja, mesmo descontando o dia excecionalmente movimentado fruto do referido encontro indígena, e tendo já parado bastante para pensar no assunto, não consigo recomendar a visita. Está já demasiado turístico para o meu gosto, dando a sensação de tudo ser já um pouco mecânico, comercial e, por isso mesmo, sem alma. É, naturalmente, apenas a minha opinião. Vale o que vale.
Dito isto, é possível ter uma experiência mais enriquecedora e relativamente tranquila se seguir uma regra básica no que toca aos horários (veja abaixo).
Em suma, valeu a pena visitar a Jaqueira? Sim. Até porque daqui a alguns anos anos será ainda pior. Mas chegue às 13:00, entre na aldeia, viva a experiência e forme a sua própria opinião. Até pode ser que goste da “vivência” na aldeia da Jaqueira. Mas, não tendo tempo para tudo no seu roteiro de viagem pela Costa do Descobrimento e tendo que optar, de uma coisa tenho a certeza: escolha visitar Caraíva e conhecer a aldeia de Porto do Boi. Talvez há dez ou quinze anos a Jaqueira fosse como Porto do Boi hoje em dia…
Dicas para visitar a aldeia da Jaqueira
Onde fica a Reserva Pataxó da Jaqueira?
A reserva pataxó da Jaqueira fica no município de Porto Seguro, a pouco mais de 10km do centro da cidade.
Como chegar à aldeia da Jaqueira
Não há transportes públicos para a reserva indígena da Jaqueira, pelo que, não tendo carro próprio nem querendo juntar-se a uma excursão, a única hipótese para visitar a aldeia da Jaqueira de forma independente é recorrendo a um táxi ou Uber. Mas o acesso é muito fácil, por uma estrada de terra em bom estado.
Horários e preços
A maioria dos visitantes – incluindo os grupos de grandes operadores turísticos brasileiros – vão visitar a aldeia da Jaqueira por volta das 9:30-10:00 da manhã. Quer isso dizer que, sensivelmente entre as 10:00 e as 12:30, a aldeia pode estar demasiado movimentada. Foi o que me aconteceu.
À saída, indaguei sobre o horário “oficial” e fui informado de que os visitantes poderiam chegar até às 14:00, no máximo. Se eu soubesse o que sei hoje, teria ido apenas por volta das 13:00, altura em que a visita à aldeia da Jaqueira se torna uma experiência muito mais sossegada e agradável. Fica a dica preciosa!
Quanto a preços, o acesso à aldeia custa atualmente R$75 por pessoa (sensivelmente 15€, ao câmbio atual).
Note que, caso queira visitar a aldeia Pataxó da Jaqueira durante a festa tradicional Aragwaksã, altura em que se celebram os casamentos indígenas, deve apontar a visita para o dia 1 de agosto e inscrever-se antecipadamente.
Durante o Aragwaksã, “o povo Pataxó canta, dança, realiza os casamentos tradicionais, a caçada do guerreiro, a corrida com o tronco e o batizado das crianças, além de outros rituais e muitos momentos de reflexão sobre a luta de resistência”. Veja a página no Instagram da Reserva Pataxó da Jaqueira para mais detalhes e informações atualizadas, ou consulte o site da operadora Pataxó Turismo – onde reparará que é também possível pernoitar na Jaqueira para ter uma experiência mais imersiva.
Onde ficar em Porto Seguro
Para entender um pouco melhor as diferentes regiões da ilha, veja o guia completo sobre onde ficar em Porto Seguro. Em jeito de spoiler, parece consensual que o melhor hotel de Porto Seguro é o Best Western Shalimar, sendo que a opção barata mais extraordinária é o Hostel Terra do Sol. Contudo, manda a honestidade dizer que se eu tivesse de escolher uma pousada para ficar numa próxima viagem a Porto Seguro escolheria uma no centro (como a Cores da Passarela) ou, mais provável ainda, iria para… Arraial d’Ajuda. É muito mais a minha cara!
De resto, encontra no link abaixo dezenas de hotéis de excelente qualidade e para todas as bolsas. Experimente!
Procurar hotéis em Porto Seguro
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Olá Filipe,
Nós visitámos o ano passado a reserva da Jaqueira e penso que a nossa experiencia foi bem distinta. Fomos recebidos á entrada por um índio afável com um pequeno índio traquina, ambos simpáticos. Choveu durante toda a caminhada até á aldeia onde fomos recebidos pelo Pajé também professor que nos introduziu sobre os costumes dos Pataxós. A reserva criada por 3 irmãs; embora neste momento mais turística foi a forma arranjada de preservar as tradições e a cultura pataxó que de outra forma seria perdida uma vez que os índios fora da reserva levam vidas normais como outros brasileiros. Que outra forma haveria para dar a conhecer os costumes desta tribo? Infelizmente os índios no Brasil têm muito pouca voz e apoios, sendo eles os primeiros “donos” das terras que os portugueses “descobriram”.
Visitámos a escola e as casas da aldeia, jogámos tiro ao arco e foi-nos oferecido cafezinho e mais tarde peixe assado numa folha, uma delicia!
Obrigada pela partilha da tua experiência.
Boas viagens!
Eu só senti isso em Porto do Boi, mas que bom que é possível ter uma boa vivência na Jaqueira (talvez dependa da sorte, ou então das expectativas). Eu é que agradeço a partilha.